12.2.04

AUTO DE ADORAÇÃO

Por um acaso do destino, fui parar ao Correio da Manhã. Lá para o fim da edição, na página "cultural", sou informado de que o primeiro-ministro se encontrou com os directores-gerais dos teatros nacionais e equiparados. A coisa passaria completamente despercebida, não fosse a fotografia que ilustra o evento e que, infelizmente, não consigo aqui reproduzir. Nela, na escadaria que dá para os jardins de S. Bento, e onde os chefes do Governo costumam ouvir "cantar as janeiras", temos, no plano mais elevado, D. Barroso, ladeado, salvo erro, no mesmo degrau, por Ricardo Pais, o director do Teatro São João (quem mais? ver neste blogue o post Teatros e Directores). Um degrau abaixo, está Pedro Roseta, o ministro da Cultura, e um nadinha mais abaixo, com um ar de absoluta veneração e atenção ao que diz Barroso, o novo director do D. Maria, António Lagarto, muito circunspecto, e o inefável e sorridente director de São Carlos, Paolo Pinamonti. Lembro-me de lá ter visto igualmente Amaral Lopes, o secretário de Estado. No fundo, reconstituiu-se ali, por instantes, um verdadeiro "presépio cultural", inclusivé com os respectivos figurantes colocados no sítio certo. Segundo a notícia, Barroso agradeceu aos senhores dirigentes o acréscimo de público, em 2003, apesar de Lagarto, por exemplo, não ter tido nada a ver com isso na altura. Ter-lhes-á falado da "autonomia financeira", da nova lei orgânica do D. Maria e prometido mais "teatros SA". Eu não sei se as criaturas saíram dali mais satisfeitas. A julgar pela foto- as pessoas tendem a esquecer-se do poder avassalador que uma foto pode ter - tudo indica que estavam muito contentes. Este frívolo exercício de pura bajulação recíproca, ali tão bem retratado, vale o que vale e é tão efémero como o sol que presentemente nos abençoa. Resta, pois, esperar, ou pela próxima entrevista de Ricardo Pais, ou pelo próximo auto de adoração, para termos a certeza de que os figurantes ainda são os mesmos.

Sem comentários: