7.12.05

PARABÉNS, DR. SOARES


Passa hoje o octogésimo primeiro aniversário do dr. Mário Soares. Há um ano, aqui e na FIL, juntei-me aos amigos que saudaram as quatro décadas de vida do fundador do PS. Com eles, ouvi-o dizer por mais do que uma vez o célebre "basta" de actividade política que, uns meses mais tarde, seria "loucura" nas palavras do próprio, e que, menos de um ano depois do "basta" e da "loucura", já era de novo realidade. Alguém próximo de Soares explicou-me outro dia que aquele "basta" era essencialmente para si mesmo, para se convencer, de facto, que bastava. Como quem diz, "agarrem-me, senão eu desgraço-me". Ninguém, como se viu, o conseguiu agarrar. Independentemente disto tudo, eu não consigo deixar de admirar este lado "vital" de Mário Soares. Combato politicamente a sua mais recente "loucura", mas continuo a apreciar o homem e o político. Por isso reproduzo o post de há um ano, apenas lhe acrescentando mais um ano. Tudo o que ali então escrevi se mantém inalterável. Sobretudo quando mencionei que ele nos tinha resolvido o problema da liberdade e que Cavaco Silva nos podia, agora, resolver o problema da credibilidade. É bem provável que o "tempo" político de Mário Soares tenha passado. Contudo, e como escrevia outro dia Vasco Pulido Valente, é bom que ele exista. Parabéns, dr. Soares.

Comemoram-se os 80 anos de Mário Soares. Como restam poucos, Soares deve considerar-se o político puro. Eu escrevo político sem aspas porque considero a política uma actividade nobre em que infelizmente tropeçam demasiados patetas e aprendizes de patetas que só a diminuem em vez de a servir. Conheci-o em 1985, numa cerimónia singela em que um grupo de cidadãos, não directamente afectos ao Partido Socialista, “apelava” à sua candidatura presidencial. Dessa fantástica odisseia recordo dois momentos. O primeiro, em Alhandra, onde o candidato Soares passava num fim de tarde entre insultos e ameaças do “povo comunista". Não se intimidou com o tradicional “vai-te embora” ou com as pancadas dadas nos automóveis da caravana. Sem medos e de megafone na mão, falou. Também recordo um encontro, no Solar do Vinho do Porto, nas vésperas do acto eleitoral. Estavam “intelectuais” e jornalistas, um ou outro mais apreensivo. Soares passeava-se entre todos deixando um lastro de confiança, de bonomia e de tranquilidade. Daí o grupo seguiu para o Largo da Misericórdia, Chiado abaixo, pela Rua do Carmo até à Rua Augusta. Aqui Soares assomou à varanda da sede da UGT, tendo a seu lado uma inesperada e saudosa Natália Correia. A procissão continuou até à Praça do Comércio onde Soares se despediu candidato para atravessar o rio num cacilheiro. Dois dias depois era Presidente. Isto são apenas pequenos episódios sem excessiva importância. Se os recordo nesta altura em que escrevo sobre Mário Soares, é apenas para ilustrar algumas evidências. Ele representa a memória “política” da juventude e da adolescência da maior parte da minha geração. Com ele ou contra ele, tudo o que de essencial aconteceu nestes trinta anos de democracia passou por Soares. No que me toca, ele ajudou-me a aprender que não se pode mudar o “outro” contra a sua vontade e que a coragem, nos momentos decisivos, é o verdadeiro alimento de uma consciência livre. Convém não esquecer que Soares esteve mais tempo na oposição do que propriamente no “poder”. Tal permitiu-lhe associar a dignidade da “suprema magistratura” com uma visão “desapaixonada” da função, sem nunca perder de vista o seu carácter eminentemente “político”. Por muito, pouco ou nada que se apreciasse o exercício, ao menos não havia lugar para impasses ou para lamúrias embotadas. A Mário Soares devemos a resolução do problema da liberdade. E isso não tem preço. Agora Aníbal Cavaco Silva pode, se quiser, resolver-nos o problema da credibilidade. Uma “história” que fica para a próxima. Para já, parabéns, dr. Soares!

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