UM OLHAR FRIO
Fez 35 anos que Marcello Caetano substituiu Salazar na chefia do Governo. Depois de trinta e tal anos como Presidente do Conselho, o regime, apardalado e sem saber o que fazer com o espectro humano que restava de António de Oliveira Salazar, depois da estadia na Cruz Vermelha, alimentou-lhe a ficção até à sua morte, em Julho de 1970. Salazar julgava-se ainda Presidente e o seu pequeno conforto caseiro de São Bento não lhe foi sonegado. Marcello vivia na sua casa. Quatro anos passados, era Marcello que caía, não de uma cadeira, mas apeado pelos jovens oficiais do Exército, cansados de despromoções e da guerra. Para o bem e para o mal, o século XX português e político, foi o século de Salazar. A estupidez revolucionária de apagar vestígios em pontes, estátuas e ruas, não abalou a evidência. Muito do que é hoje o chamado "país profundo", é obra dele. Nos traços de carácter, nos rostos endurecidos, no "viver tranquilo", na desconfiança do Outro, na simplicidade perversa e no analfabetismo insolente das "nossas gentes", impenetráveis a Europas cosmopolitas, recorta-se, ainda e sempre, o olhar frio de Salazar.
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