21.9.03

O PÁSSARO GLORIOSO

Em condições normais, suas, Vasco Pulido Valente deveria ver hoje publicada mais uma crónica no Diário de Notícias. Infelizmente, e sobretudo para ele, tal não tem sido possível. Gore Vidal, num ensaio célebre que dedicou a Tenessee Williams, chamou-lhe "the glorious bird", o pássaro glorioso. A mim agrada-me pensar que, à sua impenitente maneira, Pulido Valente é o nosso pássaro glorioso. Alguém que pensa nisto e que, por entre um aparente desdém sobranceiro e cínico, paira por sobre um "país em diminutivo", com uma secreta, teimosa e revoltada esperança de que, um dia, qualquer coisa mude. Uma vez mais, aqui fica uma sua crónica passada, e o meu, nosso, desejo de o ver voar de novo no seu esplendor certeiro e mordaz, o único que vale a pena.

DESAPARECER?

por Vasco Pulido Valente


António Barreto acha «errado e nefasto» acreditar que os países não desaparecem e previne que Portugal pode desaparecer num futuro próximo, por efeito conjunto da globalização, da União Europeia e do peso da Espanha. Excepto no seu sentido corrente, a palavra «país» está longe de ser precisa. Significa simultaneamente «região», «província», «território», «terra», «terra onde se nasceu» e por aí fora. Como também Estado, nação e Estado-nação. Se António Barreto quer dizer que Portugal pode desaparecer como Estado, claro que sim. Perante a indiferença _ e o aplauso _ de quase toda a gente, o que dantes se chamava a «soberania» portuguesa é dia a dia absorvido pela «Europa», pela NATO e por uma multidão de organizações de beneficência duvidosa, que mandam cá dentro como em sua casa. Pior ainda: se a soberania exige (e não há dúvida que exige) um suporte económico com alguma independência, Portugal já desapareceu ou não tardará muito a desaparecer, coisa que eu não considero necessariamente uma desgraça. Mas, por baixo disto, fica sempre a nação: uma língua, uma cultura (e não falo aqui da cultura «erudita») e uma história. E o desaparecimento desse Portugal implica que os portugueses deixem de existir ou, pelo menos, que deixem de existir enquanto portugueses. O que não me parece provável. As nações da Europa moderna foram construídas pela força do Estado, que eliminou as diferenças locais para construir uma entidade única e uma única fidelidade patriótica. De resto, em certos casos, só superficialmente, como na Itália ou em Espanha. Hoje, os tempos não favorecem essa espécie de exercício. O risco é Portugal continuar marginal, vegetativo e pobre, e até com a ficção de um Estado, sem maneira de influenciar ou decidir o seu destino

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