1.9.03

A LENTE E A ESCURIDÃO

Julgo que a maior parte das pessoas ainda não se apercebeu de que, dentro de poucas horas, começa a ser "julgada" a justiça portuguesa. Da acusação, à defesa, dos magistrados aos advogados, dos arguidos às testemunhas, dos jornalistas aos polícias, dos responsáveis pelas instituições a ex-membros das mesmas, toda esta gente, consciente ou inconscientemente contribuiu para que, a propósito de um processo judicial, se instalasse um espectáculo. Como se isto não bastasse, as televisões preparam-se para o transmitir em tempo real. Aqui, porém, começa outro problema. A ausência de jornalistas nas audiências vai gerar uma complicada rede de informações e contra-informações, de meias-verdades e de meias-mentiras sobre o que realmente se está a passar, sem falar nos detalhes sórdidos a que seguramente não seremos poupados. Para quem trabalha diariamente com o direito, como promessa de realização da justiça, no sentido de inocentar os inocentes e de punir os culpados, mantendo vivo o sentido de "sociedade", este espectáculo anunciado apresenta tons demasiado escuros. Perguntava Clarice Lispector em um dos seus romances: "se eu olhar a escuridão com uma lente, não será que a amplio ainda mais"? É entre a lente e a escuridão que, por estes dias, a justiça portuguesa vai andar. A ver vamos.

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