31.8.03

ESPERA II

Espero uma chegada, um regresso, um sinal prometido. Pode ser fútil ou terrivelmente patético: em Erwartung (Espera), uma mulher espera o amante, de noite, na floresta (Schönberg); eu não espero senão um toque do telefone, mas a angústia é a mesma. tudo é solene: não tenho o sentido das proporções.
(...)
A espera é um encantamento: recebi a ordem de não me mexer. A espera de um telefonema tece-se, assim, de pequenas proibições, que vão até ao infinito, até ao inconfessável: impeço-me de sair da sala. de ir aos lavabos, até mesmo de telefonar (para não ocupar o aparelho); sofro se me telefonam (pela mesma razão); desespero-me de pensar que, a tal hora, terei de sair, arriscando-me assim a faltar ao apelo benfazejo, ao regresso da Mãe. Todas estas diversões que me atraem seriam momentos perdidos por causa da espera, das impurezas da angústia. Pois a angústia da espera, na sua pureza, exige que eu esteja sentado num café, ao lado do telefone, sem fazer nada.
(...)
Um mandarim estava apaixonado por uma cortesã. "Serei vossa, diz ela, quando tiverdes passado cem noites à minha espera, sentado num tamborete, no meu jardim, debaixo da minha janela." Mas, à nonagésima nona noite, o mandarim levantou-se, pôs o tamborete debaixo do braço e foi-se embora.


Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso

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