CANTAR CÁ DENTRO
1. Na edição da revista Pública do passado domingo, vinha uma entrevista com a cantora lírica portuguesa Elisabete Matos, a quem já dediquei uns posts neste blogue. A Matos está radicada em Espanha, de onde irradia a sua magnífica voz para muitos e bons recantos operáticos do mundo, começando justamente nos maiores teatros de ópera de Espanha. É hoje uma das grandes vozes wagnerianas, com um repertório luminoso, naturalmente mais alargado, e que partilha o palco com Domingo e Carreras, por exemplo. De vez em quando vem até cá, mas, nas suas próprias palavras, "é impossível voltar a Portugal, onde não existem teatros, não existem agentes e se está completamente isolado do resto da Europa". Estava previsto que a Matos participasse num "Navio Fantasma" no, ou por conta, do Teatro São Carlos, na temporada de Outono. Parece que foi cancelado. "A priori - diz a cantora - confia-se que as pessoas são sérias". Depois, acrescenta, "disseram-me que não havia verbas". E continua: "Sei que não tem a ver com a direcção artística do teatro, porque estão a lutar para que se possa continuar com a temporada, mas não se pode submeter a isto uma pessoa que tem a sua vida projectada e disse que não a outras coisas, mesmo em sítios que me podiam dar uma maior projecção. É uma falta de profissionalismo e uma falta de seriedade, e cada vez vimos cá menos, porque da próxima vez ou me enviam imediatamente o contrato ou não reservo datas".
2. Elisabete Matos, que é uma mulher inteligente, de imenso talento e generosa, já percebeu perfeitamente que o teatro de ópera, em Portugal, neste momento, é uma paisagem lunar. Na cabeça de alguns distraídos e de muitos palonços, a temporada lírica do São Carlos praticamente só existe desde Março ou Abril de 2001. Foi preciso o Sr. Sasportes ter-se lembrado de ir buscar uma criatura italiana para dirigir o teatro, para que, na opinião das luminárias do costume e de umas quantas importadas, escolhidas a dedo, houvesse "qualidade". Não me apetece estar aqui a contar a história do São Carlos. Há livros e um site pouco mais do que miserável que, malgré tout, contém alguma informação desse tipo. O que me importa aqui salientar é o que, com manifesta indignação e tristeza, Elisabete Matos diz nesta entrevista. A forma pindérica como se anda a gerir a cultura, conduz a estes estes resultados, entre outros. Por outro lado, quem sabe perfeitamente que não pode assumir compromissos por razões orçamentais que são do domínio público, não pode andar a prometer o que não tem. De facto, como destaca a Matos, é tudo uma questão de se ser ou não "sério" e "profissional". Nem sequer é preciso ser "de fora"! Cantar cá dentro é que é cada vez mais uma missão impossível.
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