CONFUSÕES
A enviada do jornal Público ao Festival de Cinema de Veneza, de seu nome Kathleen Gomes, relata a apresentação de um filme com Anthony Hopkins e Nicole Kidman, baseado na obra homónima de Philip Roth, The Human Stain, ainda não traduzida entre nós. Acontece que a moça chama a Roth Joseph, e avança com a notícia de que o realizador pretende uma trilogia - cita-se a American Pastoral, e, presumo que a terceira obra deverá ser The Dying Animal. Apesar de serem ambos de origem judia, Philip Roth e Joseph Roth não têm nada a ver um com o outro. O primeiro é um genuíno norte-americano, com uma atribulada vida pessoal, altamente transposta para os seus romances, e é, na minha modesta opinião, um dos grandes escritores contemporâneos. O Roth, Joseph, que viveu o estertor do glorioso império austro-húngaro, e que se suicida na emergência do ciclo hitleriano, foi escritor e jornalista, de nacionalidade austríaca, com uma obra notável, da qual se destaca A Marcha de Radetzky, no contexto que indiquei, traduzida pela Difel. Das obras citadas de Philip Roth, apenas a Pastoral Americana está traduzida pela D. Quixote, esperando eu que o Nelson promova rapidamente a tradução do resto. Para que, ao menos, a rapariga deixe de fazer confusões.
«Somos poucos mas vale a pena construir cidades e morrer de pé.» Ruy Cinatti joaogoncalv@gmail.com
31.8.03
ESPERA II
Espero uma chegada, um regresso, um sinal prometido. Pode ser fútil ou terrivelmente patético: em Erwartung (Espera), uma mulher espera o amante, de noite, na floresta (Schönberg); eu não espero senão um toque do telefone, mas a angústia é a mesma. tudo é solene: não tenho o sentido das proporções.
(...)
A espera é um encantamento: recebi a ordem de não me mexer. A espera de um telefonema tece-se, assim, de pequenas proibições, que vão até ao infinito, até ao inconfessável: impeço-me de sair da sala. de ir aos lavabos, até mesmo de telefonar (para não ocupar o aparelho); sofro se me telefonam (pela mesma razão); desespero-me de pensar que, a tal hora, terei de sair, arriscando-me assim a faltar ao apelo benfazejo, ao regresso da Mãe. Todas estas diversões que me atraem seriam momentos perdidos por causa da espera, das impurezas da angústia. Pois a angústia da espera, na sua pureza, exige que eu esteja sentado num café, ao lado do telefone, sem fazer nada.
(...)
Um mandarim estava apaixonado por uma cortesã. "Serei vossa, diz ela, quando tiverdes passado cem noites à minha espera, sentado num tamborete, no meu jardim, debaixo da minha janela." Mas, à nonagésima nona noite, o mandarim levantou-se, pôs o tamborete debaixo do braço e foi-se embora.
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso
Espero uma chegada, um regresso, um sinal prometido. Pode ser fútil ou terrivelmente patético: em Erwartung (Espera), uma mulher espera o amante, de noite, na floresta (Schönberg); eu não espero senão um toque do telefone, mas a angústia é a mesma. tudo é solene: não tenho o sentido das proporções.
(...)
A espera é um encantamento: recebi a ordem de não me mexer. A espera de um telefonema tece-se, assim, de pequenas proibições, que vão até ao infinito, até ao inconfessável: impeço-me de sair da sala. de ir aos lavabos, até mesmo de telefonar (para não ocupar o aparelho); sofro se me telefonam (pela mesma razão); desespero-me de pensar que, a tal hora, terei de sair, arriscando-me assim a faltar ao apelo benfazejo, ao regresso da Mãe. Todas estas diversões que me atraem seriam momentos perdidos por causa da espera, das impurezas da angústia. Pois a angústia da espera, na sua pureza, exige que eu esteja sentado num café, ao lado do telefone, sem fazer nada.
(...)
Um mandarim estava apaixonado por uma cortesã. "Serei vossa, diz ela, quando tiverdes passado cem noites à minha espera, sentado num tamborete, no meu jardim, debaixo da minha janela." Mas, à nonagésima nona noite, o mandarim levantou-se, pôs o tamborete debaixo do braço e foi-se embora.
Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso
30.8.03
MEMÓRIA FUTURA
Já aqui tinha escrito que o processo da Casa Pia corria o risco de, no essencial, não ir a lado nenhum. Parece que há sempre alguém disposto a plantar árvores para não deixar ver a floresta. O Sr. Juiz de Instrução Criminal tomou uma decisão, por cima de outra contrária sua, relativamente à audição das testemunhas, evitando o "cara-a-cara" e recorrendo ao sistema da videoconferência. Coincidindo com o regresso do Big Brother, de que oportunamente falaremos, também o dito processo terá, pois, a partir desta semana, foros incontornáveis de espectáculo mediático. Se as garantias dos arguidos já andavam apoucadas, com esta decisão e com este espectáculo, em que aqueles e a sua defesa chegam à diligência sem saberem praticamente nada do que consta dos autos, tudo indica que este inquérito e este processo virão a servir de fácil case study em universidades africanas, onde, amiúde se deslocam ilustres professores de direito nacionais para falar da nossa extraordinária "praxis" jurídica. Sempre fica para memória futura.
Já aqui tinha escrito que o processo da Casa Pia corria o risco de, no essencial, não ir a lado nenhum. Parece que há sempre alguém disposto a plantar árvores para não deixar ver a floresta. O Sr. Juiz de Instrução Criminal tomou uma decisão, por cima de outra contrária sua, relativamente à audição das testemunhas, evitando o "cara-a-cara" e recorrendo ao sistema da videoconferência. Coincidindo com o regresso do Big Brother, de que oportunamente falaremos, também o dito processo terá, pois, a partir desta semana, foros incontornáveis de espectáculo mediático. Se as garantias dos arguidos já andavam apoucadas, com esta decisão e com este espectáculo, em que aqueles e a sua defesa chegam à diligência sem saberem praticamente nada do que consta dos autos, tudo indica que este inquérito e este processo virão a servir de fácil case study em universidades africanas, onde, amiúde se deslocam ilustres professores de direito nacionais para falar da nossa extraordinária "praxis" jurídica. Sempre fica para memória futura.
29.8.03
SOAP
Um canal francês de televisão quer juntar políticos com famílias "vulgares" e banais, durante uns dias, e fazer disso um programa. Pronunciaram-se uns quantos políticos franceses sobre a hipótese, quase todos torcendo o nariz ao espectáculo. A melhor posição é a do Sr. Le Pen, a sério. A notícia vem acompanhada- sabe-se lá porquê- por uma foto do Dr. Portas afagando uma velhinha com ar de quem definitivamente não vive na Lapa. Vivemos tempos de quase total eclipse da política, no sentido nobre e clássico do termo. Os protagonistas são vulgares, indiferentes e desinteressantes. As questões que os movem são meras peripécias ou leviandades, umas inócuas, outras a provocarem consequências devastadoras. Não há em parte alguma grandes líderes. Em muitos casos, nem à altura do "homem-comum" conseguem estar. Se este programa andar para a frente, qualquer dona de casa obscura, casada com um contabilista rotineiro e maçador, ou uma camponesa com burro e cão, arriscam-se a ter mais sucesso mediático do que o "político" que lhe entrar pela casa adentro. O mundo continua mesmo perigoso...
Um canal francês de televisão quer juntar políticos com famílias "vulgares" e banais, durante uns dias, e fazer disso um programa. Pronunciaram-se uns quantos políticos franceses sobre a hipótese, quase todos torcendo o nariz ao espectáculo. A melhor posição é a do Sr. Le Pen, a sério. A notícia vem acompanhada- sabe-se lá porquê- por uma foto do Dr. Portas afagando uma velhinha com ar de quem definitivamente não vive na Lapa. Vivemos tempos de quase total eclipse da política, no sentido nobre e clássico do termo. Os protagonistas são vulgares, indiferentes e desinteressantes. As questões que os movem são meras peripécias ou leviandades, umas inócuas, outras a provocarem consequências devastadoras. Não há em parte alguma grandes líderes. Em muitos casos, nem à altura do "homem-comum" conseguem estar. Se este programa andar para a frente, qualquer dona de casa obscura, casada com um contabilista rotineiro e maçador, ou uma camponesa com burro e cão, arriscam-se a ter mais sucesso mediático do que o "político" que lhe entrar pela casa adentro. O mundo continua mesmo perigoso...
28.8.03
O EXEMPLO
Num debate televisivo, dos muitos que já tiveram lugar a propósito da justiça em Portugal, uma ilustre magistrada defendia que o nosso sistema processual penal era muito avançado e que era tido como um exemplo lá fora. Os restantes participantes do debate, juristas ao que presumo, não havia meio de perceberem onde é que tal sistema era "avançado" e "um exemplo". Eu não vi, mas contaram-me. Agora apareceu um relatório da comissão dos direitos do Homem da ONU a dizer, entre outras coisas, que o uso e o abuso da prisão preventiva, em Portugal, é excessivo. De facto, cerca de um terço dos detidos nas cadeias portuguesas não está sequer a cumprir penas. São meros presos preventivos a aguardar julgamento. Esta promiscuidade processual e substantiva, uma vez que estão em causa as liberdades pessoais dos arguidos e a presunção de inocência até trânsito em julgado de eventual decisão condenatória, ao contrário do que a distinta magistrada supôe, não é um exemplo. É uma mancha bem negra e, em certo sentido, um retrocesso civilizacional, sempre ao abrigo de um direito mediocremente constituído e interpretado.
Num debate televisivo, dos muitos que já tiveram lugar a propósito da justiça em Portugal, uma ilustre magistrada defendia que o nosso sistema processual penal era muito avançado e que era tido como um exemplo lá fora. Os restantes participantes do debate, juristas ao que presumo, não havia meio de perceberem onde é que tal sistema era "avançado" e "um exemplo". Eu não vi, mas contaram-me. Agora apareceu um relatório da comissão dos direitos do Homem da ONU a dizer, entre outras coisas, que o uso e o abuso da prisão preventiva, em Portugal, é excessivo. De facto, cerca de um terço dos detidos nas cadeias portuguesas não está sequer a cumprir penas. São meros presos preventivos a aguardar julgamento. Esta promiscuidade processual e substantiva, uma vez que estão em causa as liberdades pessoais dos arguidos e a presunção de inocência até trânsito em julgado de eventual decisão condenatória, ao contrário do que a distinta magistrada supôe, não é um exemplo. É uma mancha bem negra e, em certo sentido, um retrocesso civilizacional, sempre ao abrigo de um direito mediocremente constituído e interpretado.
UMA IRONISTA
Agustina Bessa-Luis responde a um questionário adaptado do de Proust, no Diário de Notícias. Pergunta-se qual é o seu maior defeito: "não confiar nas pessoas". Qual é o seu sonho de felicidade? " Não tenho uma noção paradisíaca da felicidade". Que defeito lhe inspira maior indulgência? "O amor".
Agustina Bessa-Luis responde a um questionário adaptado do de Proust, no Diário de Notícias. Pergunta-se qual é o seu maior defeito: "não confiar nas pessoas". Qual é o seu sonho de felicidade? " Não tenho uma noção paradisíaca da felicidade". Que defeito lhe inspira maior indulgência? "O amor".
27.8.03
MARCIANOS
Normalmente utiliza-se este qualificativo para mencionar quem, em relação à realidade terrena e quotidiana, está sempre fora do contexto. Por distintas e científicas razões, dada a proximidade verificada hoje do planeta vermelho em relação ao nosso maravilhoso recanto terrestre, toda a gente se sentiu mais ou menos marciana. Aliás, o nosso amigo abrupto, que nada tem de extra-terrestre, tem dedicado belos posts ao que se passa no firmamento, dando razão a Shakespeare, naquela tirada muito repetida de que "há mais coisas no céu e na terra" no que na "filosofia" de Horácio. No princípio dos anos 50, um distinto escritor americano, Ray Bradbury, escrevia as suas Crónicas Marcianas, nas quais se ficcionava a tentativa, por parte dos humanos terrestres, de conquistar e colonizar Marte, bem como os resultados de tamanha empresa. Hoje a conquista limitou-se a um olhar mais curioso para lá, muitas vezes infantil, através dos instrumentos adequados. Praticamente no final do livro, de que há uma tradução sofrível publicada pela Editorial Caminho, e quando "a casa começou a morrer", uma voz vinda do tecto do escritório da casa silenciosa e vazia, recitou este belo poema de Sara Teasdale que aqui fica no original, para lembrar o dia em que estivemos mais próximos e simultaneamente tão longe do que não sabemos:
There will come soft rains and the smell of the ground,
And swallows circling with their shimmering sound;
And frogs in the pools singing at night,
And wild plum trees in tremulous white;
Robins will wear their feathery fire,
Whistling their whims on a low fence-wire;
And not one will know of the war, not one
Will care at last when it is done.
Not one would mind, neither bird nor tree,
If mankind perished utterly;
And Spring herself, when she woke at dawn
Would scarcely know that we were gone.
Normalmente utiliza-se este qualificativo para mencionar quem, em relação à realidade terrena e quotidiana, está sempre fora do contexto. Por distintas e científicas razões, dada a proximidade verificada hoje do planeta vermelho em relação ao nosso maravilhoso recanto terrestre, toda a gente se sentiu mais ou menos marciana. Aliás, o nosso amigo abrupto, que nada tem de extra-terrestre, tem dedicado belos posts ao que se passa no firmamento, dando razão a Shakespeare, naquela tirada muito repetida de que "há mais coisas no céu e na terra" no que na "filosofia" de Horácio. No princípio dos anos 50, um distinto escritor americano, Ray Bradbury, escrevia as suas Crónicas Marcianas, nas quais se ficcionava a tentativa, por parte dos humanos terrestres, de conquistar e colonizar Marte, bem como os resultados de tamanha empresa. Hoje a conquista limitou-se a um olhar mais curioso para lá, muitas vezes infantil, através dos instrumentos adequados. Praticamente no final do livro, de que há uma tradução sofrível publicada pela Editorial Caminho, e quando "a casa começou a morrer", uma voz vinda do tecto do escritório da casa silenciosa e vazia, recitou este belo poema de Sara Teasdale que aqui fica no original, para lembrar o dia em que estivemos mais próximos e simultaneamente tão longe do que não sabemos:
There will come soft rains and the smell of the ground,
And swallows circling with their shimmering sound;
And frogs in the pools singing at night,
And wild plum trees in tremulous white;
Robins will wear their feathery fire,
Whistling their whims on a low fence-wire;
And not one will know of the war, not one
Will care at last when it is done.
Not one would mind, neither bird nor tree,
If mankind perished utterly;
And Spring herself, when she woke at dawn
Would scarcely know that we were gone.
TRÊS NOVIDADES
....uma interessante, a outra, no mínimo, inquietante, e a terceira, escrita a partir de Nova Iorque, para abrir os olhos.
....uma interessante, a outra, no mínimo, inquietante, e a terceira, escrita a partir de Nova Iorque, para abrir os olhos.
26.8.03
SOARISMO
...do opiniondesmaker:
Boa memória – Qualidade, geralmente auto- atribuída, que pretende servir de dissuasor, mas que normalmente acaba por dar suores frios , e em certos ambientes mais fechados até dá soares frios
...do opiniondesmaker:
Boa memória – Qualidade, geralmente auto- atribuída, que pretende servir de dissuasor, mas que normalmente acaba por dar suores frios , e em certos ambientes mais fechados até dá soares frios
CANTAR CÁ DENTRO
1. Na edição da revista Pública do passado domingo, vinha uma entrevista com a cantora lírica portuguesa Elisabete Matos, a quem já dediquei uns posts neste blogue. A Matos está radicada em Espanha, de onde irradia a sua magnífica voz para muitos e bons recantos operáticos do mundo, começando justamente nos maiores teatros de ópera de Espanha. É hoje uma das grandes vozes wagnerianas, com um repertório luminoso, naturalmente mais alargado, e que partilha o palco com Domingo e Carreras, por exemplo. De vez em quando vem até cá, mas, nas suas próprias palavras, "é impossível voltar a Portugal, onde não existem teatros, não existem agentes e se está completamente isolado do resto da Europa". Estava previsto que a Matos participasse num "Navio Fantasma" no, ou por conta, do Teatro São Carlos, na temporada de Outono. Parece que foi cancelado. "A priori - diz a cantora - confia-se que as pessoas são sérias". Depois, acrescenta, "disseram-me que não havia verbas". E continua: "Sei que não tem a ver com a direcção artística do teatro, porque estão a lutar para que se possa continuar com a temporada, mas não se pode submeter a isto uma pessoa que tem a sua vida projectada e disse que não a outras coisas, mesmo em sítios que me podiam dar uma maior projecção. É uma falta de profissionalismo e uma falta de seriedade, e cada vez vimos cá menos, porque da próxima vez ou me enviam imediatamente o contrato ou não reservo datas".
2. Elisabete Matos, que é uma mulher inteligente, de imenso talento e generosa, já percebeu perfeitamente que o teatro de ópera, em Portugal, neste momento, é uma paisagem lunar. Na cabeça de alguns distraídos e de muitos palonços, a temporada lírica do São Carlos praticamente só existe desde Março ou Abril de 2001. Foi preciso o Sr. Sasportes ter-se lembrado de ir buscar uma criatura italiana para dirigir o teatro, para que, na opinião das luminárias do costume e de umas quantas importadas, escolhidas a dedo, houvesse "qualidade". Não me apetece estar aqui a contar a história do São Carlos. Há livros e um site pouco mais do que miserável que, malgré tout, contém alguma informação desse tipo. O que me importa aqui salientar é o que, com manifesta indignação e tristeza, Elisabete Matos diz nesta entrevista. A forma pindérica como se anda a gerir a cultura, conduz a estes estes resultados, entre outros. Por outro lado, quem sabe perfeitamente que não pode assumir compromissos por razões orçamentais que são do domínio público, não pode andar a prometer o que não tem. De facto, como destaca a Matos, é tudo uma questão de se ser ou não "sério" e "profissional". Nem sequer é preciso ser "de fora"! Cantar cá dentro é que é cada vez mais uma missão impossível.
1. Na edição da revista Pública do passado domingo, vinha uma entrevista com a cantora lírica portuguesa Elisabete Matos, a quem já dediquei uns posts neste blogue. A Matos está radicada em Espanha, de onde irradia a sua magnífica voz para muitos e bons recantos operáticos do mundo, começando justamente nos maiores teatros de ópera de Espanha. É hoje uma das grandes vozes wagnerianas, com um repertório luminoso, naturalmente mais alargado, e que partilha o palco com Domingo e Carreras, por exemplo. De vez em quando vem até cá, mas, nas suas próprias palavras, "é impossível voltar a Portugal, onde não existem teatros, não existem agentes e se está completamente isolado do resto da Europa". Estava previsto que a Matos participasse num "Navio Fantasma" no, ou por conta, do Teatro São Carlos, na temporada de Outono. Parece que foi cancelado. "A priori - diz a cantora - confia-se que as pessoas são sérias". Depois, acrescenta, "disseram-me que não havia verbas". E continua: "Sei que não tem a ver com a direcção artística do teatro, porque estão a lutar para que se possa continuar com a temporada, mas não se pode submeter a isto uma pessoa que tem a sua vida projectada e disse que não a outras coisas, mesmo em sítios que me podiam dar uma maior projecção. É uma falta de profissionalismo e uma falta de seriedade, e cada vez vimos cá menos, porque da próxima vez ou me enviam imediatamente o contrato ou não reservo datas".
2. Elisabete Matos, que é uma mulher inteligente, de imenso talento e generosa, já percebeu perfeitamente que o teatro de ópera, em Portugal, neste momento, é uma paisagem lunar. Na cabeça de alguns distraídos e de muitos palonços, a temporada lírica do São Carlos praticamente só existe desde Março ou Abril de 2001. Foi preciso o Sr. Sasportes ter-se lembrado de ir buscar uma criatura italiana para dirigir o teatro, para que, na opinião das luminárias do costume e de umas quantas importadas, escolhidas a dedo, houvesse "qualidade". Não me apetece estar aqui a contar a história do São Carlos. Há livros e um site pouco mais do que miserável que, malgré tout, contém alguma informação desse tipo. O que me importa aqui salientar é o que, com manifesta indignação e tristeza, Elisabete Matos diz nesta entrevista. A forma pindérica como se anda a gerir a cultura, conduz a estes estes resultados, entre outros. Por outro lado, quem sabe perfeitamente que não pode assumir compromissos por razões orçamentais que são do domínio público, não pode andar a prometer o que não tem. De facto, como destaca a Matos, é tudo uma questão de se ser ou não "sério" e "profissional". Nem sequer é preciso ser "de fora"! Cantar cá dentro é que é cada vez mais uma missão impossível.
25.8.03
HOMENAGEM
Sérgio Vieira de Mello vai ficar sepultado, em Genebra, muito perto de Jorge Luis Borges. Numa tradução livre de um seu poema, lembro os dois. Ter-se-ão certamente por boa companhia. Eram dois homens bons, cada qual na sua livre maneira de interpretar a palavra esperança.
Já somos o esquecimento que seremos.
A poeira elementar que nos ignora
e que foi o ruivo Adão e que é agora
todos os homens e que não veremos.
Já somos na tumba as duas datas,
do princípio e do fim, o esquife,
a obscena corrupção e a mortalha,
os ritos da morte e as elegias.
Não sou o insensato que se agarra
ao mágico som do teu nome:
penso com esperança naquele homem
que não saberá que estive sobre a Terra.
Por debaixo do indiferente azul do céu,
esta meditação é um consolo.
Sérgio Vieira de Mello vai ficar sepultado, em Genebra, muito perto de Jorge Luis Borges. Numa tradução livre de um seu poema, lembro os dois. Ter-se-ão certamente por boa companhia. Eram dois homens bons, cada qual na sua livre maneira de interpretar a palavra esperança.
Já somos o esquecimento que seremos.
A poeira elementar que nos ignora
e que foi o ruivo Adão e que é agora
todos os homens e que não veremos.
Já somos na tumba as duas datas,
do princípio e do fim, o esquife,
a obscena corrupção e a mortalha,
os ritos da morte e as elegias.
Não sou o insensato que se agarra
ao mágico som do teu nome:
penso com esperança naquele homem
que não saberá que estive sobre a Terra.
Por debaixo do indiferente azul do céu,
esta meditação é um consolo.
DESESPERADO
Acabei de ler o romance de Miguel Sousa Tavares, Equador (Oficina do Livro). Lê-se num ápice. Tem trama e personagens com consistência. Está, ademais, bem escrito. Dispensava, é certo, alguns pormenores "técnicos" das performances sexuais dos protagonistas, v.g., o vulgar "linguado" que é verdadeiramente uma obsessão, no detalhe e na repetição. A acção tem lugar no princípio do século XX , no fim da Monarquia. D. Carlos, interessado em fazer ver aos ingleses que a nossa colonização era "exemplar" e que os "pretos" das roças de café e de cacau de S. Tomé e Príncipe eram praticamente livres, e que não havia trabalho "escravo" importado de Angola, mandou para lá o anti-herói , Luis Bernardo Valença, como Governador. Este rapaz, que se julgava "reformador" e que era um dandy libertino de Lisboa, convenceu-se de que podia mudar a famosa mentalidade do português merceeiro e espertalhão que mandava nas roças e nos pretos. Havia que causar boa impressão ao Cônsul inglês, cuja missão era informar o governo de Sua Majestade e as empresas inglesas interessadas no cacau, de que havia ou não trabalho escravo em São Tomé. Valença e o Cônsul, que partilhavam algumas mesmas ideias e a mesma mulher, entendem-se muito bem, até ao momento fatal em que o segundo sabe que o governador é amante da sua fogosa e insaciável esposa. Apesar de uma visita do Príncipe Real à colónia, e do tímido apoio ao "reformismo" de Valença por causa dos ingleses, os portugueses "patrões" e velhos colonos, não querem ouvir falar de "direito do trabalho" e odeiam visceralmente o governador. A relação com a mulher do Cônsul é usada contra ele por causa dos trabalhadores das roças, e a acção precipita-se, no princípio de 1908, com as "mortes anunciadas" de Valença- pede a demissão por carta e a seguir suicida-se - e de D. Carlos e do Príncipe Real, D. Luis Filipe, na célebre rua assassina do Arsenal. Luis Bernardo Valença vai ao longo do romance, passando do boémio bonito, solteirão e semi-frívolo de Lisboa, que escrevia umas coisas interessantes sobre as Colónias, ao desesperado amante e frustrado governador de um pedaço obscuro de Portugal, perdido no meio do mar, em África. É aí, nesse retrato da perigosa e precária solidão do protagonista, bem como na reconstrução do ambiente de S. Tomé, à época, que, julgo eu, se joga bem jogado o lance fundamental deste primeiro romance de Sousa Tavares, a história funesta de um perdido português.
Acabei de ler o romance de Miguel Sousa Tavares, Equador (Oficina do Livro). Lê-se num ápice. Tem trama e personagens com consistência. Está, ademais, bem escrito. Dispensava, é certo, alguns pormenores "técnicos" das performances sexuais dos protagonistas, v.g., o vulgar "linguado" que é verdadeiramente uma obsessão, no detalhe e na repetição. A acção tem lugar no princípio do século XX , no fim da Monarquia. D. Carlos, interessado em fazer ver aos ingleses que a nossa colonização era "exemplar" e que os "pretos" das roças de café e de cacau de S. Tomé e Príncipe eram praticamente livres, e que não havia trabalho "escravo" importado de Angola, mandou para lá o anti-herói , Luis Bernardo Valença, como Governador. Este rapaz, que se julgava "reformador" e que era um dandy libertino de Lisboa, convenceu-se de que podia mudar a famosa mentalidade do português merceeiro e espertalhão que mandava nas roças e nos pretos. Havia que causar boa impressão ao Cônsul inglês, cuja missão era informar o governo de Sua Majestade e as empresas inglesas interessadas no cacau, de que havia ou não trabalho escravo em São Tomé. Valença e o Cônsul, que partilhavam algumas mesmas ideias e a mesma mulher, entendem-se muito bem, até ao momento fatal em que o segundo sabe que o governador é amante da sua fogosa e insaciável esposa. Apesar de uma visita do Príncipe Real à colónia, e do tímido apoio ao "reformismo" de Valença por causa dos ingleses, os portugueses "patrões" e velhos colonos, não querem ouvir falar de "direito do trabalho" e odeiam visceralmente o governador. A relação com a mulher do Cônsul é usada contra ele por causa dos trabalhadores das roças, e a acção precipita-se, no princípio de 1908, com as "mortes anunciadas" de Valença- pede a demissão por carta e a seguir suicida-se - e de D. Carlos e do Príncipe Real, D. Luis Filipe, na célebre rua assassina do Arsenal. Luis Bernardo Valença vai ao longo do romance, passando do boémio bonito, solteirão e semi-frívolo de Lisboa, que escrevia umas coisas interessantes sobre as Colónias, ao desesperado amante e frustrado governador de um pedaço obscuro de Portugal, perdido no meio do mar, em África. É aí, nesse retrato da perigosa e precária solidão do protagonista, bem como na reconstrução do ambiente de S. Tomé, à época, que, julgo eu, se joga bem jogado o lance fundamental deste primeiro romance de Sousa Tavares, a história funesta de um perdido português.
24.8.03
UM ADEUS PORTUGUÊS
Na semana finda, passou mais um ano sobre o desaparecimento, a 21 de Agosto de 1986, de Alexandre O' Neill. António Valdemar e Pedro Mexia, ambos no Diário de Notícias, escreveram sobre ele, ou melhor, sobre o livro de Laurinda Bom, que recolhe entrevistas do autor, Passo Tudo pela Refinadora (Editorial Notícias). A minha forma de o homenagear é lembrar aqui um dos seus mais belos poemas, Um Adeus Português. Depois do O'Neill ter "tropeçado de ternura", a ternura nunca mais foi a mesma na poesia portuguesa do século XX.
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual
Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal
Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti
Na semana finda, passou mais um ano sobre o desaparecimento, a 21 de Agosto de 1986, de Alexandre O' Neill. António Valdemar e Pedro Mexia, ambos no Diário de Notícias, escreveram sobre ele, ou melhor, sobre o livro de Laurinda Bom, que recolhe entrevistas do autor, Passo Tudo pela Refinadora (Editorial Notícias). A minha forma de o homenagear é lembrar aqui um dos seus mais belos poemas, Um Adeus Português. Depois do O'Neill ter "tropeçado de ternura", a ternura nunca mais foi a mesma na poesia portuguesa do século XX.
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual
Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal
Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti
23.8.03
COMPRAR UM CÃO
O Dr. Mário Soares, le sage, perorou esta semana numa coisa do PS. Depois disto, não se percebe o que é que o Dr. Ferro vai fazer a Portimão. Ao contrário de alguns aprendizes de feiticeiro, eu gosto muito de ver Soares a falar. Nestes tempos de políticos de plasticina, de analistas de meia tijela e de liberalóides insolentes, eu, que até sou muito liberal, aprecio as tiradas de Soares, mesmo quando não concordo inteiramente com elas. Não julgo que se deva pedir o seu silêncio ou o seu recato. Se isto já é a seca que conhecemos, imagine-se o que seria, entregue exclusivamente aos espertinhos de serviço. A maior parte deles devia seguir o seu conselho: largar isto e comprar um cão.
O Dr. Mário Soares, le sage, perorou esta semana numa coisa do PS. Depois disto, não se percebe o que é que o Dr. Ferro vai fazer a Portimão. Ao contrário de alguns aprendizes de feiticeiro, eu gosto muito de ver Soares a falar. Nestes tempos de políticos de plasticina, de analistas de meia tijela e de liberalóides insolentes, eu, que até sou muito liberal, aprecio as tiradas de Soares, mesmo quando não concordo inteiramente com elas. Não julgo que se deva pedir o seu silêncio ou o seu recato. Se isto já é a seca que conhecemos, imagine-se o que seria, entregue exclusivamente aos espertinhos de serviço. A maior parte deles devia seguir o seu conselho: largar isto e comprar um cão.
22.8.03
QUALIDADE DE VIDA
O País oficioso determinou que tinham morrido umas boas centenas de compatriotas à custa do calor. Mesmo assim, e na melhor tradição das estatísticas obscenas da GNR, em que se evidencia que "houve menos x mortos em relação a idêntico período do ano passado", como se isso servisse de consolo a alguém, também os serviços "competentes" da área da saúde vieram com umas ridículas e fúnebres continhas acerca da mortandade canicular. Aparentemente ainda ninguém se tinha lembrado disto. Foram precisas as notícias de França para se perceber que, por cá, também havia vítimas. Claro que ninguém sabe ao certo nada. O mesmo se passa com os hectares efectivamente ardidos. Há números para todos os gostos. Nestas alturas é que se compreende melhor o País insane em que vivemos. Nada nem ninguém pode ser levado a sério. Eu já nem a mim me levo a sério há muito tempo. É tudo uma questão de qualidade de vida.
O País oficioso determinou que tinham morrido umas boas centenas de compatriotas à custa do calor. Mesmo assim, e na melhor tradição das estatísticas obscenas da GNR, em que se evidencia que "houve menos x mortos em relação a idêntico período do ano passado", como se isso servisse de consolo a alguém, também os serviços "competentes" da área da saúde vieram com umas ridículas e fúnebres continhas acerca da mortandade canicular. Aparentemente ainda ninguém se tinha lembrado disto. Foram precisas as notícias de França para se perceber que, por cá, também havia vítimas. Claro que ninguém sabe ao certo nada. O mesmo se passa com os hectares efectivamente ardidos. Há números para todos os gostos. Nestas alturas é que se compreende melhor o País insane em que vivemos. Nada nem ninguém pode ser levado a sério. Eu já nem a mim me levo a sério há muito tempo. É tudo uma questão de qualidade de vida.
PETIÇÃO
Já não bastava alguns dos "vizinhos" da lista da direita (links) estarem de férias. Agora, vem o Guerra e Pás dizer isto:
Nos filmes que via em criança sempre me fez confusão que no fim aparecessem duas palavras: "the end". Mas hoje percebo que qualquer coisa que acaba tem, pelo menos, o direito a mais que uma palavra.
Este blog termina aqui.
é o fim.
Eu espero que esteja a brincar. Deixe-se estar que está muito bem. Quanto aos outros, que voltem depressa. Não quero que o José Manuel Fernandes se lembre de fazer um blogue sobre, por exemplo, abelhas.
Já não bastava alguns dos "vizinhos" da lista da direita (links) estarem de férias. Agora, vem o Guerra e Pás dizer isto:
Nos filmes que via em criança sempre me fez confusão que no fim aparecessem duas palavras: "the end". Mas hoje percebo que qualquer coisa que acaba tem, pelo menos, o direito a mais que uma palavra.
Este blog termina aqui.
é o fim.
Eu espero que esteja a brincar. Deixe-se estar que está muito bem. Quanto aos outros, que voltem depressa. Não quero que o José Manuel Fernandes se lembre de fazer um blogue sobre, por exemplo, abelhas.
CANDAL ABRUPTO
O Dr. Carlos Candal é uma figura assaz pitoresca de Aveiro, que parece ter saído directamente de um qualquer recanto obscuro e esquecido da 1ª República, para o PS. É advogado e tem uma maneira muito própria de demonstrar o que lhe vai na alma. Quando, em 1995, ele, o Abrupto e o Dr. Portas foram os cabeças de lista dos respectivos partidos, por Aveiro, nas eleições legislativas que colocaram Guterres em S. Bento, Candal brindou os colegas das outras listas com mimos extraordinários, pois não percebia o que é que estavam ali a fazer, dizia ele, de "páraquedas". E fez circular uma diatribe contra Portas, que JPP fez chegar a Lisboa à velocidade do som, o que em nada impediu que tivesse aí começado uma brilhante carreira política, por entre mercados, feiras e peixeiras. No O Independente , Candal "bate no ceguinho", ou seja, em Ferro. Acusa-o de tímido e de transitório, e recomenda o respectivo despacho sumário da criatura. O encanto do PS reside nesta bio-diversidade em que todos estão de "pedra e cal" com Ferro e simultaneamente doidos por se verem livres dele. Candal, na sua infinita libertinagem verbal, limita-se apenas a ser mais abrupto do que os outros, logo, mais honesto.
O Dr. Carlos Candal é uma figura assaz pitoresca de Aveiro, que parece ter saído directamente de um qualquer recanto obscuro e esquecido da 1ª República, para o PS. É advogado e tem uma maneira muito própria de demonstrar o que lhe vai na alma. Quando, em 1995, ele, o Abrupto e o Dr. Portas foram os cabeças de lista dos respectivos partidos, por Aveiro, nas eleições legislativas que colocaram Guterres em S. Bento, Candal brindou os colegas das outras listas com mimos extraordinários, pois não percebia o que é que estavam ali a fazer, dizia ele, de "páraquedas". E fez circular uma diatribe contra Portas, que JPP fez chegar a Lisboa à velocidade do som, o que em nada impediu que tivesse aí começado uma brilhante carreira política, por entre mercados, feiras e peixeiras. No O Independente , Candal "bate no ceguinho", ou seja, em Ferro. Acusa-o de tímido e de transitório, e recomenda o respectivo despacho sumário da criatura. O encanto do PS reside nesta bio-diversidade em que todos estão de "pedra e cal" com Ferro e simultaneamente doidos por se verem livres dele. Candal, na sua infinita libertinagem verbal, limita-se apenas a ser mais abrupto do que os outros, logo, mais honesto.
21.8.03
ESCREVER, LER
Retiro do Guerra e Pás, este fragmento que se segue. Lendo-o de novo, fico mais aliviado e já não sinto tanta necessidade, nem de mandar a D. Paula Bobone à merda, nem de ler crónicas e artigos rebarbativos que tanto espaço inútil às vezes ocupam em jornais e revistas. Prova-se que esta blogosfera tem mais coisas no seu céu e na sua terra do que muita "filosofia".
A Literatura, como bem sabemos, reconcilia-nos o mundo. Não com o mundo, mas o mundo. Atrevo-me a dizer que quando estamos a ler, estamos de facto à procura da nossa resiliência, da nossa capacidade de nos esticarmos e, como os elásticos, de acumularmos energia – vida – que possamos consumir. Até à próxima leitura.
Na neurociência, e nas ciências psi, há um curiosíssima visão do nosso mundo: vivemos no passado. Um passado de pedaços segundo, o tempo que demoramos desde a captação do mundo até à sua digestão. E nas ciências mais exactas, mas amplamente especulativas, aquelas que querem compreender e explicar o universo, há uma teoria, incapaz de prova, que congela a nossa ideia de tempo como qualquer coisa que passa, para dizer que na realidade cada instante das nossas vidas corresponde em si mesmo a um universo. Assim, viveremos de fatia em fatia: cada correlação de nós com o mundo é um carpaccio. Haverá um universo em que nos apaixonamos; um universo no qual vamos abrimos o livro que mudará os próximos universos. Os nossos.
Estou certo que a ideia nada tem de novo nem de original, mas é preciso algum tempo para a assumirmos como uma das verdades mais elementares na leitura. Estamos a ler para ler aquilo que esperamos. Quando começamos a ler, a ansiedade é essa. E a ansiedade é uma reacção bioquímica defensiva – como é o riso ou o choro.
E o que esperamos? Claro, não sabemos. Mas sabemos o que não queremos. Se estamos a ler um policial há uma expectativa, uma grelha que deve ser preenchida. A nossa memória é terrível. Para o bem e para o mal, queremos sempre um detective/polícia espirituoso, ou pelo menos alguém que pudessem ser isso, se não fosse outra coisa, uma mulher, um padre, um cego.
Na literatura, os géneros existem porque os leitores são todos pretensores.
Mas depressa a nossa esquizofrenia passa a mestre dominante. Pouco depois da acalmia retentiva, que nos faz ficar pelo livro, começa a crescer em nós a urgência da ligação única que queremos ver estabelecida entre o que lemos e nós mesmos. O livro, o texto, deve começar rapidamente a dizer-nos segredos, bem encostado ao nosso ouvido. Ideal seria que fossem sussurros, murmúrios de meias palavras. E pode ser uma marca de pastilha elástica que nos leva à infância, não precisa de ser uma ideia das mais nobres.
Só que não chega.
O livro começa a subir dentro de nós, a ser menos um livro e mais um livro que ficará connosco, quanto mais sentirmos que quem escreve é capaz de escrever aquilo que lhe é intolerável. O problema é que até nós, o leitor mais exigente do mundo, o leitor que mais ambiciona ser leitor, estamos embriagados pelas contingências e imobilizados pela nossa própria armadura de prévios. E quem escreve sabe isso e portanto tende a escrever do que não lhe interessa (ou que lhe permite refúgio ou adiamento), como quem coloca placas de sinalização pelo livro todo. Os locais, os ambientes, as descrições, as piscadelas de olho culturais, as personagens acessórias, a cinematografia possível de uma história que recebemos por transfusão. Na maioria dos casos, são os sinais indicativos que ofuscam o resto e esse resto mirra irremediavelmente. Ora esse resto será, em princípio, da ordem do intolerável e, talento e humanidade existam, será um intolerável mais banal que terrível, porque a nossa vida é bem mais comum do que aquilo que gostamos de pensar.
O erro está, talvez, talvez, em ler um livro como um todo. Ou por outra, ler um livro é ter de esperar tudo isso. Num restaurante, por melhor que seja, não nos escapará a visão do prato sujo, da mousse a desfazer-se, da garrafa vazia e tombada. Cabe-nos desejar saborear apesar de tudo.
Num blog há mais provocação ao intolerável do outro que assunção do nosso próprio intolerável. Nesta medida, e até ver, os blogs têm pouco de literário. Isto com excepção de alguns posts, sem surpresa, os que mais entram em cada um de nós e se aninham dentro daquilo que somos.
Retiro do Guerra e Pás, este fragmento que se segue. Lendo-o de novo, fico mais aliviado e já não sinto tanta necessidade, nem de mandar a D. Paula Bobone à merda, nem de ler crónicas e artigos rebarbativos que tanto espaço inútil às vezes ocupam em jornais e revistas. Prova-se que esta blogosfera tem mais coisas no seu céu e na sua terra do que muita "filosofia".
A Literatura, como bem sabemos, reconcilia-nos o mundo. Não com o mundo, mas o mundo. Atrevo-me a dizer que quando estamos a ler, estamos de facto à procura da nossa resiliência, da nossa capacidade de nos esticarmos e, como os elásticos, de acumularmos energia – vida – que possamos consumir. Até à próxima leitura.
Na neurociência, e nas ciências psi, há um curiosíssima visão do nosso mundo: vivemos no passado. Um passado de pedaços segundo, o tempo que demoramos desde a captação do mundo até à sua digestão. E nas ciências mais exactas, mas amplamente especulativas, aquelas que querem compreender e explicar o universo, há uma teoria, incapaz de prova, que congela a nossa ideia de tempo como qualquer coisa que passa, para dizer que na realidade cada instante das nossas vidas corresponde em si mesmo a um universo. Assim, viveremos de fatia em fatia: cada correlação de nós com o mundo é um carpaccio. Haverá um universo em que nos apaixonamos; um universo no qual vamos abrimos o livro que mudará os próximos universos. Os nossos.
Estou certo que a ideia nada tem de novo nem de original, mas é preciso algum tempo para a assumirmos como uma das verdades mais elementares na leitura. Estamos a ler para ler aquilo que esperamos. Quando começamos a ler, a ansiedade é essa. E a ansiedade é uma reacção bioquímica defensiva – como é o riso ou o choro.
E o que esperamos? Claro, não sabemos. Mas sabemos o que não queremos. Se estamos a ler um policial há uma expectativa, uma grelha que deve ser preenchida. A nossa memória é terrível. Para o bem e para o mal, queremos sempre um detective/polícia espirituoso, ou pelo menos alguém que pudessem ser isso, se não fosse outra coisa, uma mulher, um padre, um cego.
Na literatura, os géneros existem porque os leitores são todos pretensores.
Mas depressa a nossa esquizofrenia passa a mestre dominante. Pouco depois da acalmia retentiva, que nos faz ficar pelo livro, começa a crescer em nós a urgência da ligação única que queremos ver estabelecida entre o que lemos e nós mesmos. O livro, o texto, deve começar rapidamente a dizer-nos segredos, bem encostado ao nosso ouvido. Ideal seria que fossem sussurros, murmúrios de meias palavras. E pode ser uma marca de pastilha elástica que nos leva à infância, não precisa de ser uma ideia das mais nobres.
Só que não chega.
O livro começa a subir dentro de nós, a ser menos um livro e mais um livro que ficará connosco, quanto mais sentirmos que quem escreve é capaz de escrever aquilo que lhe é intolerável. O problema é que até nós, o leitor mais exigente do mundo, o leitor que mais ambiciona ser leitor, estamos embriagados pelas contingências e imobilizados pela nossa própria armadura de prévios. E quem escreve sabe isso e portanto tende a escrever do que não lhe interessa (ou que lhe permite refúgio ou adiamento), como quem coloca placas de sinalização pelo livro todo. Os locais, os ambientes, as descrições, as piscadelas de olho culturais, as personagens acessórias, a cinematografia possível de uma história que recebemos por transfusão. Na maioria dos casos, são os sinais indicativos que ofuscam o resto e esse resto mirra irremediavelmente. Ora esse resto será, em princípio, da ordem do intolerável e, talento e humanidade existam, será um intolerável mais banal que terrível, porque a nossa vida é bem mais comum do que aquilo que gostamos de pensar.
O erro está, talvez, talvez, em ler um livro como um todo. Ou por outra, ler um livro é ter de esperar tudo isso. Num restaurante, por melhor que seja, não nos escapará a visão do prato sujo, da mousse a desfazer-se, da garrafa vazia e tombada. Cabe-nos desejar saborear apesar de tudo.
Num blog há mais provocação ao intolerável do outro que assunção do nosso próprio intolerável. Nesta medida, e até ver, os blogs têm pouco de literário. Isto com excepção de alguns posts, sem surpresa, os que mais entram em cada um de nós e se aninham dentro daquilo que somos.
INFORTÚNIOS DA VIRTUDE II
O PS escolheu a D. Ana Gomes para comentar a história de Maggioli Gouveia e de Paulo Portas. Em parte compreende-se que assim seja, dado ter estado na Indonésia como representante do Estado português na altura do referendo e das "touradas" de 1999. O problema é que a senhora não é exactamente um modelo de serenidade e de bom senso. Ficou-lhe sempre aquele jeito "mrpp" de ver as coisas, para além da muita emoção que junta quase sempre a tudo o que diz. Tem sido demasiadas vezes a porta-voz de um PS meio estonteado que ainda não encontrou um registo razoável para comunicar eficazmente com a Pátria. Não sei se o Dr. Ferro já percebeu, mas ela não lhe angaria um voto! Em certo sentido, foi a pessoa certa para zurzir Portas. Por razões diversas, estão muito bem um para o outro.
O PS escolheu a D. Ana Gomes para comentar a história de Maggioli Gouveia e de Paulo Portas. Em parte compreende-se que assim seja, dado ter estado na Indonésia como representante do Estado português na altura do referendo e das "touradas" de 1999. O problema é que a senhora não é exactamente um modelo de serenidade e de bom senso. Ficou-lhe sempre aquele jeito "mrpp" de ver as coisas, para além da muita emoção que junta quase sempre a tudo o que diz. Tem sido demasiadas vezes a porta-voz de um PS meio estonteado que ainda não encontrou um registo razoável para comunicar eficazmente com a Pátria. Não sei se o Dr. Ferro já percebeu, mas ela não lhe angaria um voto! Em certo sentido, foi a pessoa certa para zurzir Portas. Por razões diversas, estão muito bem um para o outro.
20.8.03
INFORTÚNIOS DA VIRTUDE
O primeiro-ministro de Timor Leste disse que vai escrever uma carta a Durão Barroso acerca do "incidente " Maggioli Gouveia. Acrescentou que, malgré tout, continuamos muito amigos e fraternos. Eu não queria dizer nada sobre isto por dois motivos. O primeiro, o humano, por consideração pela família de Gouveia, que andou 28 anos de incerteza em incerteza quanto à localização do corpo e quanto ao verdadeiro desfecho da sua infeliz saga. O segundo, pelo assunto "Timor", tão mal explicado nestes anos de Democracia e tão rapidamente embrulhado em desfiles e festas, depois de 1999. Acontece que as fotos que ilustravam a cerimónia oficial nos mostravam invariavelmente um ministro da Defesa compungido e beato, ajoelhado em frente ao sarcófago do ex-militar. De alguma forma, naquela cerimónia exorcizavam-se ao mesmo tempo dois tipos de infortúnio. O de Maggioli Gouveia, que num gesto singular, largou tudo - até o código de honra militar - em nome de uma sua visão das coisas em Timor e em Portugal, naquele fatídico momento de abandono geral. Por isso sofreu, foi preso e torturado e, finalmente, assassinado. E o de Paulo Portas, cuja relação com os militares está fragilizada pelos tropismos discursivos e pelas encenações mediáticas vazias, a que associou agora uma oportuna genuflexão, gesto que cai sempre bem na Igreja e nas fotografias. Infortúnios da virtude...
O primeiro-ministro de Timor Leste disse que vai escrever uma carta a Durão Barroso acerca do "incidente " Maggioli Gouveia. Acrescentou que, malgré tout, continuamos muito amigos e fraternos. Eu não queria dizer nada sobre isto por dois motivos. O primeiro, o humano, por consideração pela família de Gouveia, que andou 28 anos de incerteza em incerteza quanto à localização do corpo e quanto ao verdadeiro desfecho da sua infeliz saga. O segundo, pelo assunto "Timor", tão mal explicado nestes anos de Democracia e tão rapidamente embrulhado em desfiles e festas, depois de 1999. Acontece que as fotos que ilustravam a cerimónia oficial nos mostravam invariavelmente um ministro da Defesa compungido e beato, ajoelhado em frente ao sarcófago do ex-militar. De alguma forma, naquela cerimónia exorcizavam-se ao mesmo tempo dois tipos de infortúnio. O de Maggioli Gouveia, que num gesto singular, largou tudo - até o código de honra militar - em nome de uma sua visão das coisas em Timor e em Portugal, naquele fatídico momento de abandono geral. Por isso sofreu, foi preso e torturado e, finalmente, assassinado. E o de Paulo Portas, cuja relação com os militares está fragilizada pelos tropismos discursivos e pelas encenações mediáticas vazias, a que associou agora uma oportuna genuflexão, gesto que cai sempre bem na Igreja e nas fotografias. Infortúnios da virtude...
SEM ROSTO
George W. Bush estava a jogar golf quando foi informado do ataque à sede da ONU em Bagdad. Trocou o polo suado por um fato e uma gravata, e apareceu às televisões. Disse as banalidades do costume sobre o Iraque e o terrorismo. É provável que Bush ainda não tenha percebido onde é que está metido. Ao fracasso do extermínio anunciado da Al Quaeda, e consequentemente dos núcleos difusos de terroristas, junta-se agora a clara "guerra de guerrilha" que está a ser desenvolvida, com requintes de malvadez, no Iraque, contra os americanos - a morrer como tordos todos os dias - e, agora, contra a neutra ONU. Os países árabes são realidades complexas, a diversos níveis, e o Iraque é-o particularmente. Depois, como que para lembrar a "origem do mal", em Israel rebentam com um autocarro e com a vida de uns quantos inocentes. Este século começou mal, a 11 de Setembro de 2001. Tudo indica que vai continuar pior. Bush, uma criatura preocupantemente pouco dada a complexidades, tem que estar preparado, já que veio para ficar. É que neste jogo suado, vai ser sempre assim: taco-a-taco com adversários sem rosto.
George W. Bush estava a jogar golf quando foi informado do ataque à sede da ONU em Bagdad. Trocou o polo suado por um fato e uma gravata, e apareceu às televisões. Disse as banalidades do costume sobre o Iraque e o terrorismo. É provável que Bush ainda não tenha percebido onde é que está metido. Ao fracasso do extermínio anunciado da Al Quaeda, e consequentemente dos núcleos difusos de terroristas, junta-se agora a clara "guerra de guerrilha" que está a ser desenvolvida, com requintes de malvadez, no Iraque, contra os americanos - a morrer como tordos todos os dias - e, agora, contra a neutra ONU. Os países árabes são realidades complexas, a diversos níveis, e o Iraque é-o particularmente. Depois, como que para lembrar a "origem do mal", em Israel rebentam com um autocarro e com a vida de uns quantos inocentes. Este século começou mal, a 11 de Setembro de 2001. Tudo indica que vai continuar pior. Bush, uma criatura preocupantemente pouco dada a complexidades, tem que estar preparado, já que veio para ficar. É que neste jogo suado, vai ser sempre assim: taco-a-taco com adversários sem rosto.
19.8.03
FERNANDA BOTELHO
Indesculpavelmente deixei passar em branco as palavras breves de Fernanda Botelho ao Público, num dia destes, a propósito do seu último livro Gritos da Minha Dança (Ed. Presença). Não tanto por essas palavras em jeito de entrevista, porém mais pela delicadeza escorreita e irónica de Fernanda Botelho, injusta e imerecidamente menos lida- segundo julgo - do que muitas dessas galinhas e galos com penas na mão que vendem desalmadamente livros ultra light. A Botelho, sendo de todos os tempos, é, nos dias que correm, uma personagem de outros e mais sustentados tempos. Ainda é prima de Camilo - daí o Botelho no nome - e vive recolhida ou semi, nas cercanias de Lisboa. Lembro-me bem dela, no meu bairro, não há muitos anos, sempre com uma cesta de vime com que ia às compras. Uma escritora para não esquecer nem confundir com bagatelas.
Indesculpavelmente deixei passar em branco as palavras breves de Fernanda Botelho ao Público, num dia destes, a propósito do seu último livro Gritos da Minha Dança (Ed. Presença). Não tanto por essas palavras em jeito de entrevista, porém mais pela delicadeza escorreita e irónica de Fernanda Botelho, injusta e imerecidamente menos lida- segundo julgo - do que muitas dessas galinhas e galos com penas na mão que vendem desalmadamente livros ultra light. A Botelho, sendo de todos os tempos, é, nos dias que correm, uma personagem de outros e mais sustentados tempos. Ainda é prima de Camilo - daí o Botelho no nome - e vive recolhida ou semi, nas cercanias de Lisboa. Lembro-me bem dela, no meu bairro, não há muitos anos, sempre com uma cesta de vime com que ia às compras. Uma escritora para não esquecer nem confundir com bagatelas.
POSTS DE SADE, DITOS SÁDICOS
C'est une chose très différente que d'aimer ou que de jouir ; la preuve en est qu'on aime tous les jours sans jouir et qu'on jouit encore plus souvent sans aimer.
Partout où les hommes sont égaux, le bonheur n'existera jamais.
La tolérance est la vertu des faibles.
La bienfaisance est bien plutôt un vice de l'orgueil qu'une véritable vertu de l'âme.
Il n'y a d'autre enfer pour l'homme que la bêtise ou la méchanceté de ses semblables.
Tout est bon quand il est excessif.
Tout le bonheur des hommes est dans l'imagination.
C'est une chose très différente que d'aimer ou que de jouir ; la preuve en est qu'on aime tous les jours sans jouir et qu'on jouit encore plus souvent sans aimer.
Partout où les hommes sont égaux, le bonheur n'existera jamais.
La tolérance est la vertu des faibles.
La bienfaisance est bien plutôt un vice de l'orgueil qu'une véritable vertu de l'âme.
Il n'y a d'autre enfer pour l'homme que la bêtise ou la méchanceté de ses semblables.
Tout est bon quand il est excessif.
Tout le bonheur des hommes est dans l'imagination.
18.8.03
LER SADE
...na excelente tradução de Os Cento e Vinte Dias de Sodoma, de Manuel João Gomes, da Antígona.
...na excelente tradução de Os Cento e Vinte Dias de Sodoma, de Manuel João Gomes, da Antígona.
SADE
A RTP 2 passou ontem o filme Pier Paolo Pasolini, Salo ou os 120 dias de Sodoma. Como toda a obra de Pasolini, Salo é um filme cruel, com muita poesia lá dentro e eventualmente um pouco datado. Adapta a obra de Sade à Itália fascista, criando um micro-universo de violência e de orgia pela orgia, com abundantes referências literárias pelo meio (Baudelaire, Nietzsche, Blanchot, Barthes etc). Sade, ao contrário do que uma percepção superficial e analfabeta possa fazer supôr, é um grande escritor. Resmas de ensaios, de penas insuspeitas, têm sido escritos em torno da sua obra e figura. Limito-me a convocar um pequeno livrinho de Octavio Paz, Mais do que Erótico: Sade, editado pela Difel. Donatien Alphonse François, o Marquês de Sade, brilhante devasso e talentoso libertino, passou a maior parte da sua vida na prisão, vítima de inimigos pessoais e políticos. A Bastilha foi a sua residência por muitos anos, e esteve ainda lá encarcerado no Verão da Revolução, em 1789. Uns dias antes de a populaça irromper pela Bastilha, Sade atirou pela janela da prisão uns panfletos escritos à mão onde descrevia as degradantes condições prisionais a que estava sujeito. Depois dirigiu-se à multidão recorrendo a uma espécie de megafone artesanal. Após ter sido solto, foi eleito como que presidente da sua "junta de freguesia" e iniciou uma campanha anti-religiosa que ajudou a radicalizar a Revolução. Foi, porém , um opositor ao "Terror" que se seguiu. Quando os seus amados sogros - que foram responsáveis pelos muitos anos que passou na prisão - foram levados perante ele como contra-revolucionários, Sade opõs-se a que fossem executados. Por este "acto de clemência", os “ultra” Jacobinos prenderam-no, por se ter revelado um “moderado”, e foi condenado à morte. Ficou mais um ano na prisão, aguardando a guilhotina. A libertação chegou com o fim do "Terror", e os seus poucos anos de liberdade foram passados na mais terrível pobreza. Quando Napoleão chegou, Sade não resistiu a escrever uma sátira sobre o pequeno-grande homem, e como resultado, foi condenado a passar o resto da sua vida num asilo para doentes mentais. Respeitinho é que era preciso...
A RTP 2 passou ontem o filme Pier Paolo Pasolini, Salo ou os 120 dias de Sodoma. Como toda a obra de Pasolini, Salo é um filme cruel, com muita poesia lá dentro e eventualmente um pouco datado. Adapta a obra de Sade à Itália fascista, criando um micro-universo de violência e de orgia pela orgia, com abundantes referências literárias pelo meio (Baudelaire, Nietzsche, Blanchot, Barthes etc). Sade, ao contrário do que uma percepção superficial e analfabeta possa fazer supôr, é um grande escritor. Resmas de ensaios, de penas insuspeitas, têm sido escritos em torno da sua obra e figura. Limito-me a convocar um pequeno livrinho de Octavio Paz, Mais do que Erótico: Sade, editado pela Difel. Donatien Alphonse François, o Marquês de Sade, brilhante devasso e talentoso libertino, passou a maior parte da sua vida na prisão, vítima de inimigos pessoais e políticos. A Bastilha foi a sua residência por muitos anos, e esteve ainda lá encarcerado no Verão da Revolução, em 1789. Uns dias antes de a populaça irromper pela Bastilha, Sade atirou pela janela da prisão uns panfletos escritos à mão onde descrevia as degradantes condições prisionais a que estava sujeito. Depois dirigiu-se à multidão recorrendo a uma espécie de megafone artesanal. Após ter sido solto, foi eleito como que presidente da sua "junta de freguesia" e iniciou uma campanha anti-religiosa que ajudou a radicalizar a Revolução. Foi, porém , um opositor ao "Terror" que se seguiu. Quando os seus amados sogros - que foram responsáveis pelos muitos anos que passou na prisão - foram levados perante ele como contra-revolucionários, Sade opõs-se a que fossem executados. Por este "acto de clemência", os “ultra” Jacobinos prenderam-no, por se ter revelado um “moderado”, e foi condenado à morte. Ficou mais um ano na prisão, aguardando a guilhotina. A libertação chegou com o fim do "Terror", e os seus poucos anos de liberdade foram passados na mais terrível pobreza. Quando Napoleão chegou, Sade não resistiu a escrever uma sátira sobre o pequeno-grande homem, e como resultado, foi condenado a passar o resto da sua vida num asilo para doentes mentais. Respeitinho é que era preciso...
17.8.03
VIVER HABITUALMENTE
Liga-se o rádio e percebe-se o País doce que é Portugal. O noticiário é exclusivamente preenchido com a Liga, a super, de regresso. Voltaram os Madaís, os Mourinhos, os Pintos da Costa e o inevitável Major Valentim. Voltaram as sibilinas e solenes conferências de imprensa dos treinadores e de alguns jogadores, os que constroem uma frase. Voltaram as amáveis claques. A seu tempo virão os novos estádios e, lá mais para o fim da "saison", o glorioso momento de exaltação nacional, o Euro. É a nossa forma de viver habitualmente. Sem sobressaltos. Viva Salazar!
Liga-se o rádio e percebe-se o País doce que é Portugal. O noticiário é exclusivamente preenchido com a Liga, a super, de regresso. Voltaram os Madaís, os Mourinhos, os Pintos da Costa e o inevitável Major Valentim. Voltaram as sibilinas e solenes conferências de imprensa dos treinadores e de alguns jogadores, os que constroem uma frase. Voltaram as amáveis claques. A seu tempo virão os novos estádios e, lá mais para o fim da "saison", o glorioso momento de exaltação nacional, o Euro. É a nossa forma de viver habitualmente. Sem sobressaltos. Viva Salazar!
16.8.03
BABY BOOM
Alguns "espertos" americanos prevêem para daqui a nove meses uma profusão de criancinhas, na sequência do "apagão" que "abalou" algumas cidades dos EUA e do Canadá. Lembro-me que, há para aí três anos, também houve aqui um "apagão", modestíssimo, comparado com este, e que teve origem numa...cegonha. Até nos "apagões" somos originais e grotescos! O mesmo já não se poderá dizer do "baby boom" caseiro. Queixavam-se os nossos "espertos" de que a nossa população andava envelhecida, que não se procriava e não sei que mais. Pois bem, eu quando tenho que ir a uma qualquer "catedral de consumo" ou a um vulgar restaurante, sou quase sempre esmagado pelos carrinhos, ora trazidos de casa, ora fornecidos pelas "catedrais", onde imensos pais babados depositam os neófitos em passeios alegres pelos corredores dos centros comerciais. Nos restaurantes as coisas pioram um pouco, pela irreprimível atracção que as criancinhas revelam pelos gritos e pelos choros, raramente se deixando seduzir pelos bifinhos e pelas batatinhas que os progenitores- sempre babados - lhes tentam impingir. Cada um tem o "baby boom" que merece. Eu, pela minha parte, dispenso. Gosto muito de comer descansado.
Alguns "espertos" americanos prevêem para daqui a nove meses uma profusão de criancinhas, na sequência do "apagão" que "abalou" algumas cidades dos EUA e do Canadá. Lembro-me que, há para aí três anos, também houve aqui um "apagão", modestíssimo, comparado com este, e que teve origem numa...cegonha. Até nos "apagões" somos originais e grotescos! O mesmo já não se poderá dizer do "baby boom" caseiro. Queixavam-se os nossos "espertos" de que a nossa população andava envelhecida, que não se procriava e não sei que mais. Pois bem, eu quando tenho que ir a uma qualquer "catedral de consumo" ou a um vulgar restaurante, sou quase sempre esmagado pelos carrinhos, ora trazidos de casa, ora fornecidos pelas "catedrais", onde imensos pais babados depositam os neófitos em passeios alegres pelos corredores dos centros comerciais. Nos restaurantes as coisas pioram um pouco, pela irreprimível atracção que as criancinhas revelam pelos gritos e pelos choros, raramente se deixando seduzir pelos bifinhos e pelas batatinhas que os progenitores- sempre babados - lhes tentam impingir. Cada um tem o "baby boom" que merece. Eu, pela minha parte, dispenso. Gosto muito de comer descansado.
15.8.03
CARAS
É uma das revistas do "socialíssimo", que também tem direito a programa de tv, na SIC-Notícias. Há pouco calhou ver. Não sei por que é que não substituem Os Malucos do Riso ou uma coisa do género por isto. Não acredito que alguém possa ter "inveja" da vida daquela gente frívola e desprovida, na sua maior parte, de neurónios. Nem acredito que aquilo aumente a auto-estima de ninguém. São sempre os mesmos que são vistos pelos mesmos, falados pelos mesmos e entrevistados pelos mesmos. Com ou sem dinheiro, falidos, mas cheios do tal "glamour" de que fala esse produto híbrido que dá pelo nome de Castelo Branco, uma figura inenarrável do nosso cretino "jet set". Desconfio que a maior parte deles não existe de dia. São tão imateriais e improváveis que não devem resistir a um dia esforçado, de "cão", do comum dos mortais. São apenas isso: caras.
É uma das revistas do "socialíssimo", que também tem direito a programa de tv, na SIC-Notícias. Há pouco calhou ver. Não sei por que é que não substituem Os Malucos do Riso ou uma coisa do género por isto. Não acredito que alguém possa ter "inveja" da vida daquela gente frívola e desprovida, na sua maior parte, de neurónios. Nem acredito que aquilo aumente a auto-estima de ninguém. São sempre os mesmos que são vistos pelos mesmos, falados pelos mesmos e entrevistados pelos mesmos. Com ou sem dinheiro, falidos, mas cheios do tal "glamour" de que fala esse produto híbrido que dá pelo nome de Castelo Branco, uma figura inenarrável do nosso cretino "jet set". Desconfio que a maior parte deles não existe de dia. São tão imateriais e improváveis que não devem resistir a um dia esforçado, de "cão", do comum dos mortais. São apenas isso: caras.
14.8.03
FIDEL
Fidel Castro fez 77 anos. Desde os trinta e picos que manda em Cuba, com aquela subtileza revolucionária que conhecemos. Já lá estive por quatro vezes e julgo que conheço razoavelmente toda a ilha, a maior e a mais bela das Caraíbas. Nunca me impressionou particularmente a figura de Fidel. Considero-o um ditador e verdadeiramente um fascista. Todos os progressos feitos em Cuba, na medicina, ou na educação, por exemplo, não justificam o preço que aquela gente tem de pagar. Basta olhar para as "lojas", para os "supermercados", enfim, para o "básico" que faz um homem sentir-se digno, para entendermos a imensa desolação que paira no espírito dos cubanos. De facto, não lhes falta o sentido da utopia e da esperança, mas falta-lhes quase tudo o resto, trocado em senhas da "libreta". Foram precisas mais umas condenações à morte mais recentes para o empedernido Saramago perceber. A maior parte do "turismo" que por lá se passeia, não vê normalmente quase nada disto, ou porque é grunho em busca de umas charutadas e de umas cubanas fáceis, ou porque não lhe interessa maçar-se e conhecer. Ao princípio, quando Fidel e os seus desceram a Sierra Maestra, houve quem acreditasse e festejasse com alegria. O ditador rapidamente se encarregou de mostrar ao que vinha. E, pelos vistos, ainda está para estar. O povo cubano merecia melhor sorte. Só para terminar, lembro que Cuba tem bons escritores, também eles devidamente "acantonados" lá dentro ou expulsos, por Fidel. Deixo duas sugestões traduzidas: Paradiso, de José Lezama Lima e Antes Que Anoiteça, de Reynaldo Arenas.
Fidel Castro fez 77 anos. Desde os trinta e picos que manda em Cuba, com aquela subtileza revolucionária que conhecemos. Já lá estive por quatro vezes e julgo que conheço razoavelmente toda a ilha, a maior e a mais bela das Caraíbas. Nunca me impressionou particularmente a figura de Fidel. Considero-o um ditador e verdadeiramente um fascista. Todos os progressos feitos em Cuba, na medicina, ou na educação, por exemplo, não justificam o preço que aquela gente tem de pagar. Basta olhar para as "lojas", para os "supermercados", enfim, para o "básico" que faz um homem sentir-se digno, para entendermos a imensa desolação que paira no espírito dos cubanos. De facto, não lhes falta o sentido da utopia e da esperança, mas falta-lhes quase tudo o resto, trocado em senhas da "libreta". Foram precisas mais umas condenações à morte mais recentes para o empedernido Saramago perceber. A maior parte do "turismo" que por lá se passeia, não vê normalmente quase nada disto, ou porque é grunho em busca de umas charutadas e de umas cubanas fáceis, ou porque não lhe interessa maçar-se e conhecer. Ao princípio, quando Fidel e os seus desceram a Sierra Maestra, houve quem acreditasse e festejasse com alegria. O ditador rapidamente se encarregou de mostrar ao que vinha. E, pelos vistos, ainda está para estar. O povo cubano merecia melhor sorte. Só para terminar, lembro que Cuba tem bons escritores, também eles devidamente "acantonados" lá dentro ou expulsos, por Fidel. Deixo duas sugestões traduzidas: Paradiso, de José Lezama Lima e Antes Que Anoiteça, de Reynaldo Arenas.
13.8.03
SINAIS DO FOGO
1. Não há só as terríveis frentes de incêndio que o País não consegue dominar. Falo de outras frentes que vale a pena visitar.
2. Durão Barroso apareceu ontem a prometer reflorestação, desburocratização da segurança social para as vítimas e apoios financeiros para agricultores, por exemplo. Sendo um realista, Barroso devia já ter interiorizado perfeitamente o País que dirige. Ainda não passavam 24 horas sobre a mensagem e já as linhas azuis e verdes estavam, desde bem cedo, bloqueadas. Nas Caixas Agrícolas, alguns incautos foram mandados para trás, por serem precisas duas assinaturas... Tem razão o infeliz Ministro da Administração Interna: temos mesmo que mudar de modelo. Como diria Barroso, só não sei é quando.
3. Parte do Algarve arde. É um Algarve que não vem nas revistas frequentadas pelo "socialíssimo", um Algarve rural e interior, ignorado pela frivolidade dos "tios e tias" que se banham lá por baixo, e que aparecem a dizer que não sabem o que hão-de fazer a tanto "glamour inato". Em vez de passarem a noite em conversas boçais uns com os outros, em poses ridículas para as revistas do costume, por que é que não agarram numa mangueira e são úteis, por uma vez, nas suas patéticas vidas?
1. Não há só as terríveis frentes de incêndio que o País não consegue dominar. Falo de outras frentes que vale a pena visitar.
2. Durão Barroso apareceu ontem a prometer reflorestação, desburocratização da segurança social para as vítimas e apoios financeiros para agricultores, por exemplo. Sendo um realista, Barroso devia já ter interiorizado perfeitamente o País que dirige. Ainda não passavam 24 horas sobre a mensagem e já as linhas azuis e verdes estavam, desde bem cedo, bloqueadas. Nas Caixas Agrícolas, alguns incautos foram mandados para trás, por serem precisas duas assinaturas... Tem razão o infeliz Ministro da Administração Interna: temos mesmo que mudar de modelo. Como diria Barroso, só não sei é quando.
3. Parte do Algarve arde. É um Algarve que não vem nas revistas frequentadas pelo "socialíssimo", um Algarve rural e interior, ignorado pela frivolidade dos "tios e tias" que se banham lá por baixo, e que aparecem a dizer que não sabem o que hão-de fazer a tanto "glamour inato". Em vez de passarem a noite em conversas boçais uns com os outros, em poses ridículas para as revistas do costume, por que é que não agarram numa mangueira e são úteis, por uma vez, nas suas patéticas vidas?
FAMA
Ficámos a saber que foi efectuada uma das mais, ou mesmo a mais, cara transferência de um jogador de bola português. Chama-se Cristiano Ronaldo, e, esclareceu o pai desta preciosidade de 18 anos, o "Ronaldo" vem de Ronald, o Reagan. Bonita homenagem! Este jovem nasceu numa localidade do norte do Funchal, começou cedo a mostrar o que valiam as suas pernas junto a uma bola, e emigrou para o Sporting júnior, onde cresceu, até ontem se passar para, salvo erro, o Manchester United britânico. Cristiano muito provavelmente nem se apercebeu ainda dos milhões que vale, nem tão-pouco sabe ainda o que ele a a sua humilde família vão fazer deles. Estas histórias de fama não são inéditas. Outros vieram do Barreiro, do Norte, do Alentejo, enfim, de um País "profundo" onde, se permanecessem, nunca a teriam conhecido. O imaginário futebolístico precisa disto como de pão para a boca. A geração Figo está a chegar ao fim, em termos práticos. O menino Cristiano surgiu, indemne, por entre as labaredas que devastam parte do País de onde, tantos como ele, emergiram noutras alturas. Agora espera-o a labareda da fama que, um dia, como fez aos outros, o consumirá.
Ficámos a saber que foi efectuada uma das mais, ou mesmo a mais, cara transferência de um jogador de bola português. Chama-se Cristiano Ronaldo, e, esclareceu o pai desta preciosidade de 18 anos, o "Ronaldo" vem de Ronald, o Reagan. Bonita homenagem! Este jovem nasceu numa localidade do norte do Funchal, começou cedo a mostrar o que valiam as suas pernas junto a uma bola, e emigrou para o Sporting júnior, onde cresceu, até ontem se passar para, salvo erro, o Manchester United britânico. Cristiano muito provavelmente nem se apercebeu ainda dos milhões que vale, nem tão-pouco sabe ainda o que ele a a sua humilde família vão fazer deles. Estas histórias de fama não são inéditas. Outros vieram do Barreiro, do Norte, do Alentejo, enfim, de um País "profundo" onde, se permanecessem, nunca a teriam conhecido. O imaginário futebolístico precisa disto como de pão para a boca. A geração Figo está a chegar ao fim, em termos práticos. O menino Cristiano surgiu, indemne, por entre as labaredas que devastam parte do País de onde, tantos como ele, emergiram noutras alturas. Agora espera-o a labareda da fama que, um dia, como fez aos outros, o consumirá.
12.8.03
SUGESTÃO
Por que é que Catalina Pestana, em vez de perder tempo a dar entrevistas a pasquins popularuchos e a anunciar saídas a prazo, não tira umas merecidas férias e não lê Machado Pais? Com lembranças para o Socioblogue....
Por que é que Catalina Pestana, em vez de perder tempo a dar entrevistas a pasquins popularuchos e a anunciar saídas a prazo, não tira umas merecidas férias e não lê Machado Pais? Com lembranças para o Socioblogue....
11.8.03
A SANTA
Morreu a D. Maria da Conceição, a "Sãozinha", mais conhecida pela "Santa da Ladeira" ou a "Mãe". Morreu de morte bem terrena, uma simples paragem respiratória. O seu "santuário" situa-se a uns escassos quilómetros de Fátima e, aqui, os vigilantes do altar não apreciam a concorrência. A senhora reunia em si várias qualidades: curandeira, vidente, gestora, etc. Montou uma fundação com o seu nome, ergueu uma "catedral" e criou o seu próprio "exército", o Exército Branco. Pela vida, encontrou-se com os Céus, onde terá mesmo subido em dado momento, com a Virgem Maria e por aí fora. Levou muita gente incrédula a ver parecido com ela. Maria da Conceição, no fundo, não passava de uma espertalhona bem portuguesa, e nada parva, por sinal. Teria acessos e transportes místicos com frequência, mas sabia muito bem com quem lidava e o que devia fazer. Percebeu-se que há muitas pessoas que lhe são devotas e que, em momentos de maior desespero, a convocam. O seu sepulcro será seguramente mais um lugar de romaria, de crença, e onde, de quando em vez, emergirá um "milagre". É o Portugal "habitual". Para eles, a "Mãe" será sempre a "Santa".
Morreu a D. Maria da Conceição, a "Sãozinha", mais conhecida pela "Santa da Ladeira" ou a "Mãe". Morreu de morte bem terrena, uma simples paragem respiratória. O seu "santuário" situa-se a uns escassos quilómetros de Fátima e, aqui, os vigilantes do altar não apreciam a concorrência. A senhora reunia em si várias qualidades: curandeira, vidente, gestora, etc. Montou uma fundação com o seu nome, ergueu uma "catedral" e criou o seu próprio "exército", o Exército Branco. Pela vida, encontrou-se com os Céus, onde terá mesmo subido em dado momento, com a Virgem Maria e por aí fora. Levou muita gente incrédula a ver parecido com ela. Maria da Conceição, no fundo, não passava de uma espertalhona bem portuguesa, e nada parva, por sinal. Teria acessos e transportes místicos com frequência, mas sabia muito bem com quem lidava e o que devia fazer. Percebeu-se que há muitas pessoas que lhe são devotas e que, em momentos de maior desespero, a convocam. O seu sepulcro será seguramente mais um lugar de romaria, de crença, e onde, de quando em vez, emergirá um "milagre". É o Portugal "habitual". Para eles, a "Mãe" será sempre a "Santa".
ACONTECE ACABAR
Não faço parte do coro de carpideiras que lastima o fim do Acontece na RTP 2. Sempre achei que Carlos Pinto Coelho era uma mera caricatura do boneco homónimo criado pelo Herman José. Se tivesse dúvidas, a entrevista que Adelino Gomes lhe fez e que foi ontem editada na Pública, tinha acabado com elas. O Acontece funcionou em grande parte como uma espécie de zona demarcada da cultura, frequentada quase sempre pelos mesmos prosélitos e praticamente indiferente a tudo o que não fosse a "mesmice" do consenso mole desde sempre instituído nestas áreas. O que se fazia no Acontece pode continuar a fazer-se, em moldes necessariamente diferentes, através dos programas de informação, designadamente os telejornais. Estes podem incorporar um registo de divulgação cultural diária ou quase, se quiserem retirar às suas edições alguns minutos da actual tagarelice inútil. A vida é mesmo assim: há momentos em que acontece acabar. E não vale a pena chorar o leite derramado.
Não faço parte do coro de carpideiras que lastima o fim do Acontece na RTP 2. Sempre achei que Carlos Pinto Coelho era uma mera caricatura do boneco homónimo criado pelo Herman José. Se tivesse dúvidas, a entrevista que Adelino Gomes lhe fez e que foi ontem editada na Pública, tinha acabado com elas. O Acontece funcionou em grande parte como uma espécie de zona demarcada da cultura, frequentada quase sempre pelos mesmos prosélitos e praticamente indiferente a tudo o que não fosse a "mesmice" do consenso mole desde sempre instituído nestas áreas. O que se fazia no Acontece pode continuar a fazer-se, em moldes necessariamente diferentes, através dos programas de informação, designadamente os telejornais. Estes podem incorporar um registo de divulgação cultural diária ou quase, se quiserem retirar às suas edições alguns minutos da actual tagarelice inútil. A vida é mesmo assim: há momentos em que acontece acabar. E não vale a pena chorar o leite derramado.
10.8.03
REAIS INCLINAÇÕES
A propósito de um post meu relativo a um artigo de António Valdemar sobre as preferências sexuais de Pedro, o da Castro, escreve R.A.L ( não sei se ele quer "sair do armário") no que, presumo, seja o seu T Zero:
O rei vai roto
"E como quer que o elRei muito amasse, mais que se deve aqui de dizer...".
Foi assim, numa frase, que um cronista lançou para a eternidade a fama de homossexual de um rei que viveu um século antes dele. Ora, ainda só vamos na posteridade e o boato já vai aqui:
"O mesmo que casou com D. Constança e se apaixonou por D. Inês de Castro e por um escudeiro que, num acesso de ciúmes, apenas, D. Pedro mandou castrar".
Se fazemos fé e nos regalamos sem reserva na insinuação de Fernão Lopes, então façamos o favor de levar à letra também o que o mesmo diz sobre as razões que animaram D. Pedro para mandar "cortar aqauelles menbros, que os homeens em moor preço tem" ao seu querido escudeiro, as quais se fundam, no lugar de ciúmes, no ímpeto justiceiro do rei, que assim quis castigar o moço por andar a provar a mulher de um corregedor, por quem o rei tinha igual estima, embora puramente institucional.
Assim como Alexandre não deixou de ser grande por gostar de rapazinhos, D. Pedro não precisava de sentimentos efeminados para dormir com vassalos, nem tão-pouco para os estropiar. Pelo menos é o que afirma o dr. Pedro Strecht, que, sabe-se agora, tratou-os aos dois.
Por este caminho, o T-0 rapidamente passará para um T2 ou para um T3...
A propósito de um post meu relativo a um artigo de António Valdemar sobre as preferências sexuais de Pedro, o da Castro, escreve R.A.L ( não sei se ele quer "sair do armário") no que, presumo, seja o seu T Zero:
O rei vai roto
"E como quer que o elRei muito amasse, mais que se deve aqui de dizer...".
Foi assim, numa frase, que um cronista lançou para a eternidade a fama de homossexual de um rei que viveu um século antes dele. Ora, ainda só vamos na posteridade e o boato já vai aqui:
"O mesmo que casou com D. Constança e se apaixonou por D. Inês de Castro e por um escudeiro que, num acesso de ciúmes, apenas, D. Pedro mandou castrar".
Se fazemos fé e nos regalamos sem reserva na insinuação de Fernão Lopes, então façamos o favor de levar à letra também o que o mesmo diz sobre as razões que animaram D. Pedro para mandar "cortar aqauelles menbros, que os homeens em moor preço tem" ao seu querido escudeiro, as quais se fundam, no lugar de ciúmes, no ímpeto justiceiro do rei, que assim quis castigar o moço por andar a provar a mulher de um corregedor, por quem o rei tinha igual estima, embora puramente institucional.
Assim como Alexandre não deixou de ser grande por gostar de rapazinhos, D. Pedro não precisava de sentimentos efeminados para dormir com vassalos, nem tão-pouco para os estropiar. Pelo menos é o que afirma o dr. Pedro Strecht, que, sabe-se agora, tratou-os aos dois.
Por este caminho, o T-0 rapidamente passará para um T2 ou para um T3...
9.8.03
80 ANOS
1. de profundis amamus
Ontem
às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria
Andámos
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros
Olha
como só tu sabes olhar
a rua os costumes
O público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
Não faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso
2. Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
3. Estação
Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho
Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça.
Parabéns à prima...
1. de profundis amamus
Ontem
às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria
Andámos
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros
Olha
como só tu sabes olhar
a rua os costumes
O público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
Não faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso
2. Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
3. Estação
Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho
Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça.
Parabéns à prima...
AUTO DA VISITAÇÃO
Enquanto o JPP anda preocupado com o lançamento de foguetes e o Pás está em guerra com o LIDL, continua em férias, quiça judiciais, o nosso pulha. Contudo, o clube verdadeiramente liberal da blogosfera - os que se auto-rotulam de liberais normalmente são uns chatarrões da linha Espada e que se levam demasiado a sério - está robustecido com um anarca, uns maus fígados e um abutre. Bem vindos!
Enquanto o JPP anda preocupado com o lançamento de foguetes e o Pás está em guerra com o LIDL, continua em férias, quiça judiciais, o nosso pulha. Contudo, o clube verdadeiramente liberal da blogosfera - os que se auto-rotulam de liberais normalmente são uns chatarrões da linha Espada e que se levam demasiado a sério - está robustecido com um anarca, uns maus fígados e um abutre. Bem vindos!
A INSUSTENTÁVEL LEVEZA III
A capa do 1º caderno do Expresso vem confirmar o que se suspeitava: o novo e fundido serviço de protecção civil e bombeiros, a que preside a criatura Leal Martins - mais uma a viver na já preocupante estratosfera portuguesa - , ignorou os avisos e os alarmes relativos à canícula prevista. Não admira que queira "adoçar" as imagens que as televisões transmitem permanentemente da angústia das populações e da terrível devastação no terreno. Sendo assim, conclui-se que não estamos a salvo com a nossa protecção civil, nem salvos dela.
A capa do 1º caderno do Expresso vem confirmar o que se suspeitava: o novo e fundido serviço de protecção civil e bombeiros, a que preside a criatura Leal Martins - mais uma a viver na já preocupante estratosfera portuguesa - , ignorou os avisos e os alarmes relativos à canícula prevista. Não admira que queira "adoçar" as imagens que as televisões transmitem permanentemente da angústia das populações e da terrível devastação no terreno. Sendo assim, conclui-se que não estamos a salvo com a nossa protecção civil, nem salvos dela.
8.8.03
A INSUSTENTÁVEL LEVEZA II
1. No meio da catástrofe, aparece, via tv´s, o presidente do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil. O senhor garantiu que os fogos que estão ainda por aí, são já os "normais para a época". E acrescentou que fez uma visita a vários locais sinistrados, falou com muitas velhinhas e pediu à comunicação social que não mostrasse imagens dos incêndios no seu esplendor de morte - as palavras são minhas -, mas antes desse imagens de um bombeiro ou outro, de uma mangueira, enfim, uma versão "música do coração" do combate aos fogos. Eu ouvi e espero que seja repetido várias vezes, para que se acredite. Num País a sério, ou mesmo em África, este cavalheiro já estaria na rua. Aqui, não só ainda mexe, como dá conferências de imprensa palonças. Será que a culpa é só dele?
2. Por que é do mesmo País da desatenção burocrática que deixou morrer Ruy Belo, em 1978, e por vir a propósito, são dele estas frases, bem recordado que está no destaque do Público: "No meu país sem olhos e sem boca / O que é preciso é que não doa muito".
1. No meio da catástrofe, aparece, via tv´s, o presidente do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil. O senhor garantiu que os fogos que estão ainda por aí, são já os "normais para a época". E acrescentou que fez uma visita a vários locais sinistrados, falou com muitas velhinhas e pediu à comunicação social que não mostrasse imagens dos incêndios no seu esplendor de morte - as palavras são minhas -, mas antes desse imagens de um bombeiro ou outro, de uma mangueira, enfim, uma versão "música do coração" do combate aos fogos. Eu ouvi e espero que seja repetido várias vezes, para que se acredite. Num País a sério, ou mesmo em África, este cavalheiro já estaria na rua. Aqui, não só ainda mexe, como dá conferências de imprensa palonças. Será que a culpa é só dele?
2. Por que é do mesmo País da desatenção burocrática que deixou morrer Ruy Belo, em 1978, e por vir a propósito, são dele estas frases, bem recordado que está no destaque do Público: "No meu país sem olhos e sem boca / O que é preciso é que não doa muito".
DJEMAA EL FNA
Com este calor insuportável, mais vale ir até lugares onde há do mesmo, mas com mais graça e cosmopolitismo. A uma hora e picos de avião, ou mesmo de carro, deixando o vulgar Algarve para trás, chegamos a Marrocos, o reino de Mohammed VI. A cidade menos interessante, por ser a zona mais industrializada e "ocidentalizada" ,no pior sentido do termo, é Casablanca. Qualquer das cidades ditas imperiais, é fabulosa. Eu prefiro Fez, Meknes e Marraquexe. Tânger é uma sombra daquilo que foi nos anos 50 e 60, embora a parte velha e a contemplação do porto sejam ainda tentadores. E sabe sempre bem revê-la pela pena e pela fala de Paul Bowles. Muitos europeus, sobretudo franceses, compraram casas perto do souk de Marraquexe. Um dos seus mais famosos habitantes, que trocou Paris, Madrid e Barcelona por Marraquexe, há muitos anos, é o escritor espanhol Juan Goytisolo. Tem uma história muito interessante, contada na primeira pessoa, nos dois livros de memórias, Coto Vedado e En los reinos de Taifa. É dele este texto ( ver articulos ) sobre a Praça mais famosa de Marrocos, a Djaama el Fna, de Marraquexe. El Fna é um desses sítios no Mundo de onde não apetece sair e onde apetece sempre voltar. Um sítio onde há serpentes, berros, comércio vário, turistas apardalados, movimento, e muita, muita vida. Um sítio onde há calor, muito calor, o que vem do corpo e o que é próprio do terreno. Que Ala seja, pois, louvado.
Com este calor insuportável, mais vale ir até lugares onde há do mesmo, mas com mais graça e cosmopolitismo. A uma hora e picos de avião, ou mesmo de carro, deixando o vulgar Algarve para trás, chegamos a Marrocos, o reino de Mohammed VI. A cidade menos interessante, por ser a zona mais industrializada e "ocidentalizada" ,no pior sentido do termo, é Casablanca. Qualquer das cidades ditas imperiais, é fabulosa. Eu prefiro Fez, Meknes e Marraquexe. Tânger é uma sombra daquilo que foi nos anos 50 e 60, embora a parte velha e a contemplação do porto sejam ainda tentadores. E sabe sempre bem revê-la pela pena e pela fala de Paul Bowles. Muitos europeus, sobretudo franceses, compraram casas perto do souk de Marraquexe. Um dos seus mais famosos habitantes, que trocou Paris, Madrid e Barcelona por Marraquexe, há muitos anos, é o escritor espanhol Juan Goytisolo. Tem uma história muito interessante, contada na primeira pessoa, nos dois livros de memórias, Coto Vedado e En los reinos de Taifa. É dele este texto ( ver articulos ) sobre a Praça mais famosa de Marrocos, a Djaama el Fna, de Marraquexe. El Fna é um desses sítios no Mundo de onde não apetece sair e onde apetece sempre voltar. Um sítio onde há serpentes, berros, comércio vário, turistas apardalados, movimento, e muita, muita vida. Um sítio onde há calor, muito calor, o que vem do corpo e o que é próprio do terreno. Que Ala seja, pois, louvado.
7.8.03
NOTAS CULTURAIS
1. Por ser um tema recorrente da história pátria e do nosso lamechismo romântico, os amores de Pedro e de Inês, volta não volta, regressam. Porventura mais interessante do que a "relação em si "- para utilizar um termo vulgarizado - será a personalidade de cada um dos membros do desditoso casal. O meu amigo António Valdemar dá umas achegas sobre o Pedro bissexual num artigo no Diário de Notícias, a propósito de umas edições do Quixote, e por falar, depois, na crise da independência:
António José Saraiva e José Hermano Saraiva, em edições e editoras diferentes, reintegraram Fernão Lopes numa escrita para o cidadão comum. Assim, vivemos, como se fosse hoje, ao ler uma reportagem, a crise da independência.E ficamos a saber dos amores homossexuais e heterossexuais de D Pedro. O mesmo que casou com D. Constança e se apaixonou por D. Inês de Castro e por um escudeiro que, num acesso de ciúmes, apenas, D. Pedro mandou castrar.
2. A Livraria Francesa, uma das boas coisas que havia em Lisboa, vai fechar, aparentemente por causa de umas burocratices. Devem ser umas idiotices, como de costume, e como aquilo nada tem a ver, nem com futebol, nem com o "socialissimo" analfabeto, por exemplo, é natural que feche. Tratava-se de uma companhia indispensável, entre outras, para quem gosta de livros, sobretudo em áreas específicas, como o ensaio literário, a filosofia ou a história. Apesar da gerente, a Béatrice, não ser propriamente um modelo de simpatia, é uma profissional competente e algém que ama a profissão agora tão desgastada de livreiro. Só posso lamentar.
3. Há umas pessoas interessadas em recuperar, nem que seja simbolicamente, o antigo Odeon, de Lisboa. Lembro-me que foi o primeiro cinema em que não me deixaram entrar para ver o inocente Fado, com Amália Rodrigues, por ser para maiores de 12 anos! Soube disto aqui.
1. Por ser um tema recorrente da história pátria e do nosso lamechismo romântico, os amores de Pedro e de Inês, volta não volta, regressam. Porventura mais interessante do que a "relação em si "- para utilizar um termo vulgarizado - será a personalidade de cada um dos membros do desditoso casal. O meu amigo António Valdemar dá umas achegas sobre o Pedro bissexual num artigo no Diário de Notícias, a propósito de umas edições do Quixote, e por falar, depois, na crise da independência:
António José Saraiva e José Hermano Saraiva, em edições e editoras diferentes, reintegraram Fernão Lopes numa escrita para o cidadão comum. Assim, vivemos, como se fosse hoje, ao ler uma reportagem, a crise da independência.E ficamos a saber dos amores homossexuais e heterossexuais de D Pedro. O mesmo que casou com D. Constança e se apaixonou por D. Inês de Castro e por um escudeiro que, num acesso de ciúmes, apenas, D. Pedro mandou castrar.
2. A Livraria Francesa, uma das boas coisas que havia em Lisboa, vai fechar, aparentemente por causa de umas burocratices. Devem ser umas idiotices, como de costume, e como aquilo nada tem a ver, nem com futebol, nem com o "socialissimo" analfabeto, por exemplo, é natural que feche. Tratava-se de uma companhia indispensável, entre outras, para quem gosta de livros, sobretudo em áreas específicas, como o ensaio literário, a filosofia ou a história. Apesar da gerente, a Béatrice, não ser propriamente um modelo de simpatia, é uma profissional competente e algém que ama a profissão agora tão desgastada de livreiro. Só posso lamentar.
3. Há umas pessoas interessadas em recuperar, nem que seja simbolicamente, o antigo Odeon, de Lisboa. Lembro-me que foi o primeiro cinema em que não me deixaram entrar para ver o inocente Fado, com Amália Rodrigues, por ser para maiores de 12 anos! Soube disto aqui.
250
...era o número de incêndios a lavrar pelo País, segundo a SIC Notícias. Que importância é que isso tem comparado com o Alvalade XXI ou não sei quê? Nada como 50 mil almas apatetadas, felizes e juntinhas para fazer baixar os índices da camada de ozono. Eu sou dos poucos portugueses que se está marimbando para o futebol, portanto nada me move em particular contra o Sporting. Gostava de ver o País tão ou mais solidário para certas coisas, como quando vejo a massa ignara a entrar nos infinitos portões dos estádios de futebol. Há fogos dentro da cabeça de certa gente que nunca se apagam.
...era o número de incêndios a lavrar pelo País, segundo a SIC Notícias. Que importância é que isso tem comparado com o Alvalade XXI ou não sei quê? Nada como 50 mil almas apatetadas, felizes e juntinhas para fazer baixar os índices da camada de ozono. Eu sou dos poucos portugueses que se está marimbando para o futebol, portanto nada me move em particular contra o Sporting. Gostava de ver o País tão ou mais solidário para certas coisas, como quando vejo a massa ignara a entrar nos infinitos portões dos estádios de futebol. Há fogos dentro da cabeça de certa gente que nunca se apagam.
6.8.03
O PASQUIM II
Há umas semanas atrás, chamei a atenção para a existência de uma folha infecta e mórbida que dá pelo nome de 24 Horas. Tem sempre aquelas sugestivas capas em que alternam loiras, morenas e umas vulgaridades para ler no cabeleireiro ou na sanita. O grave é que, once in a while, lança umas "biscas" contra pessoas sérias. Ele não precisa para nada das minhas palavras nem eu preciso de saber nada da vida dele, muito menos através de pseudo devassas que cheiram a "encomenda". JPP pode ter muitos defeitos, mas escreve bem e é intensamente livre. É natural - e ele fala disso - que lhe seja apresentada uma factura para as eleições europeias do ano que vem e que, por portas e travessas, se vá adubando o caminho. É a habitual táctica do verme.
Há umas semanas atrás, chamei a atenção para a existência de uma folha infecta e mórbida que dá pelo nome de 24 Horas. Tem sempre aquelas sugestivas capas em que alternam loiras, morenas e umas vulgaridades para ler no cabeleireiro ou na sanita. O grave é que, once in a while, lança umas "biscas" contra pessoas sérias. Ele não precisa para nada das minhas palavras nem eu preciso de saber nada da vida dele, muito menos através de pseudo devassas que cheiram a "encomenda". JPP pode ter muitos defeitos, mas escreve bem e é intensamente livre. É natural - e ele fala disso - que lhe seja apresentada uma factura para as eleições europeias do ano que vem e que, por portas e travessas, se vá adubando o caminho. É a habitual táctica do verme.
A MARCA
Houve tempos em que Portugal era conhecido por "dar novos mundos ao Mundo". Descobriram-se umas coisas, colocaram-se uns padrões e uns canhões, para lá foi a populaça esperançosa e ávida, prosperaram os negócios, etc, etc, até à conhecida debandada final. Porém, e quando menos se espera, eis que somos de novo e efemeramente famosos, desta feita pelas piores razões. A história começa assim: a onda de calor que assola a Europa tem marca portuguesa...
Houve tempos em que Portugal era conhecido por "dar novos mundos ao Mundo". Descobriram-se umas coisas, colocaram-se uns padrões e uns canhões, para lá foi a populaça esperançosa e ávida, prosperaram os negócios, etc, etc, até à conhecida debandada final. Porém, e quando menos se espera, eis que somos de novo e efemeramente famosos, desta feita pelas piores razões. A história começa assim: a onda de calor que assola a Europa tem marca portuguesa...
INSUSTENTÁVEL LEVEZA
Face à tragédia de fogo que continua a fustigar o País, toda a gente já percebeu que as entidades ditas responsáveis, desde a "coordenação" que não existe, até aos presidentes e vice-presidentes disto e daquilo, terão que sair oportunamente dos cargos que ocupam, demitidos ou pelo seu próprio pé. Ao rídiculo das picardias e da troca de mimos entre esses "responsáveis" pela segurança pública dos bens nacionais, soma-se a incompetência e o amadorismo, nos quais se surpreende facilmente a evidência da impreparação generalizada para lidar com uma situação deste tipo. Não basta atirar para as vagas de calor a culpa pela desordem. Ela é bem terrena e bem portuguesa. Hoje são incêndios, amanhã poderão ser quaisquer outras calamidades naturais. Perante este deserto de inocuidades "responsáveis", quem nos protege da sua insustentável leveza?
Face à tragédia de fogo que continua a fustigar o País, toda a gente já percebeu que as entidades ditas responsáveis, desde a "coordenação" que não existe, até aos presidentes e vice-presidentes disto e daquilo, terão que sair oportunamente dos cargos que ocupam, demitidos ou pelo seu próprio pé. Ao rídiculo das picardias e da troca de mimos entre esses "responsáveis" pela segurança pública dos bens nacionais, soma-se a incompetência e o amadorismo, nos quais se surpreende facilmente a evidência da impreparação generalizada para lidar com uma situação deste tipo. Não basta atirar para as vagas de calor a culpa pela desordem. Ela é bem terrena e bem portuguesa. Hoje são incêndios, amanhã poderão ser quaisquer outras calamidades naturais. Perante este deserto de inocuidades "responsáveis", quem nos protege da sua insustentável leveza?
5.8.03
MARILYN II
Através de um amável mail, a Amélia Pais lembra-me, com oportunidade, o poema de Ruy Belo dedicado a Marilyn Monroe:
Na morte de Marilyn
Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quem a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à governanta não me acorde amanhã
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sozinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar
que em vez de ver um todo se decidia dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser até ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou
Através de um amável mail, a Amélia Pais lembra-me, com oportunidade, o poema de Ruy Belo dedicado a Marilyn Monroe:
Na morte de Marilyn
Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quem a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à governanta não me acorde amanhã
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sozinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar
que em vez de ver um todo se decidia dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser até ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou
PORTUGAL EM PEQUENINO
De um título do Público.pt:
É possível entrar em universidades públicas com 5 valores.
Um estímulo...
De um título do Público.pt:
É possível entrar em universidades públicas com 5 valores.
Um estímulo...
MARILYN
1. É da Monroe que falo, mais propriamente de Norma Jean. Não vale muito a pena entrar por essa vastissima torrente de lugares-comuns que inundam os jornais, as revistas, as reportagens ou os documentários quando dela se fala. Não sei se os deuses a amavam ou não, mas o certo é que a levaram bem cedo, aos 36 anos.Também não sei se teve aquilo a que se chama "uma vida em cheio". Suspeito, antes pelo contrário, que à firmeza do seu corpo tão cobiçado, correspondia uma imensa fragilidade de alma e uma doçura vazia, num coração prematuramente desfeito. Julgo que estava a milhas de ser o protótipo da "loira burra". Aquele tal corpo traía-a constantemente e nunca, de nenhum homem ou mulher, obteve gratidão, ela que tanto carinho sempre pedia, mesmo sem pedir.Something's got to give foi o último e incompleto avatar, depois do premonitório Os Inadaptados, de John Huston. Morreu só, como lhe competia.
2. Sobre ela, há várias coisas, a começar pelos filmes, repostos esta semana na RTP. Mas há sobretudo dois ou três trechos que recomendo. O primeiro, de Truman Capote, inserido no livro Música para Camaleões, traduzido e editado pela Bertrand Editores, no original, A Beautiful Child. O segundo e terceiro, ambos de Norman Mailer: Marilyn, uma biografia romanceada-mas pouco- e Of Women and Their Elegance, uma "como que" autobiografia de Marilyn, com fotos de Milton Greene.
1. É da Monroe que falo, mais propriamente de Norma Jean. Não vale muito a pena entrar por essa vastissima torrente de lugares-comuns que inundam os jornais, as revistas, as reportagens ou os documentários quando dela se fala. Não sei se os deuses a amavam ou não, mas o certo é que a levaram bem cedo, aos 36 anos.Também não sei se teve aquilo a que se chama "uma vida em cheio". Suspeito, antes pelo contrário, que à firmeza do seu corpo tão cobiçado, correspondia uma imensa fragilidade de alma e uma doçura vazia, num coração prematuramente desfeito. Julgo que estava a milhas de ser o protótipo da "loira burra". Aquele tal corpo traía-a constantemente e nunca, de nenhum homem ou mulher, obteve gratidão, ela que tanto carinho sempre pedia, mesmo sem pedir.Something's got to give foi o último e incompleto avatar, depois do premonitório Os Inadaptados, de John Huston. Morreu só, como lhe competia.
2. Sobre ela, há várias coisas, a começar pelos filmes, repostos esta semana na RTP. Mas há sobretudo dois ou três trechos que recomendo. O primeiro, de Truman Capote, inserido no livro Música para Camaleões, traduzido e editado pela Bertrand Editores, no original, A Beautiful Child. O segundo e terceiro, ambos de Norman Mailer: Marilyn, uma biografia romanceada-mas pouco- e Of Women and Their Elegance, uma "como que" autobiografia de Marilyn, com fotos de Milton Greene.
4.8.03
CALAMIDADE
Chegam-me pelas reportagens, sobretudo na televisão pública, imagens do País a arder. Neste momento, apenas três distritos parecem escapar às labaredas. Os bombeiros, poucos e exaustos, fazem o que podem. As suas viaturas, as que resistem, assemelham-se a carrinhos de brinquedo ao pé da ameaça do fogo, e as mangueiras, os baldes e outros utensílios de combate às chamas seriam risíveis se a situação não fosse de absoluta tragédia. Os nossos compatriotas que estão a sofrer directamente, nas suas casas e bens, o efeito devastador dos incêndios, são a imagem cruel da frustração e do desespero de quem, neste momento-limite, se sente profundamente só. Visto de cima, do Poder em helicópteros, julgo que tem sido o Presidente da República quem melhor tem estado à altura da situação, solidário e atento. Vem aí uma reunião com uma tardia declaração de "calamidade pública", depois de um ou dois pronunciamentos inconsequentes e completamente infelizes. Entende-se que estava praticamente quase tudo por fazer. Pode ser que me engane, mas este inferno poderá vir a tornar-se num incómodo "buzinão" silencioso para quem não soube intuir a tempo a "calamidade".
Chegam-me pelas reportagens, sobretudo na televisão pública, imagens do País a arder. Neste momento, apenas três distritos parecem escapar às labaredas. Os bombeiros, poucos e exaustos, fazem o que podem. As suas viaturas, as que resistem, assemelham-se a carrinhos de brinquedo ao pé da ameaça do fogo, e as mangueiras, os baldes e outros utensílios de combate às chamas seriam risíveis se a situação não fosse de absoluta tragédia. Os nossos compatriotas que estão a sofrer directamente, nas suas casas e bens, o efeito devastador dos incêndios, são a imagem cruel da frustração e do desespero de quem, neste momento-limite, se sente profundamente só. Visto de cima, do Poder em helicópteros, julgo que tem sido o Presidente da República quem melhor tem estado à altura da situação, solidário e atento. Vem aí uma reunião com uma tardia declaração de "calamidade pública", depois de um ou dois pronunciamentos inconsequentes e completamente infelizes. Entende-se que estava praticamente quase tudo por fazer. Pode ser que me engane, mas este inferno poderá vir a tornar-se num incómodo "buzinão" silencioso para quem não soube intuir a tempo a "calamidade".
3.8.03
OUTRO SINAL
Há uns dias, todos os Chefes do Exército pós-25 de Novembro, entre os quais se inclui o primeiro Chefe de Estado democraticamente eleito depois de Abril de 1974, fizeram sentir ao poder que a relação da "política democrática" com as suas forças armadas não anda famosa. Agora, outro antigo Chefe de Estado, dirigindo-se ao actual Comandante Supremo das Forças Armadas e seu sucessor, bem como ao Chefe do Governo, não pôde ter sido mais claro e sucinto, porventura, até, cáustico. A "política democrática" não é uma feira de vaidades e, mesmo levando em conta o País a que pertencem, as forças armadas não são um conjunto de meros soldadinhos de chumbo para pôr e tirar da prateleira quando apetece brincar. A "política democrática", para ser respeitada, deve dar-se ao respeito, uma coisa que o "povão", o tal dos mercados, gosta. O voto legitima uma "política", mas não defende ninguém do seu carácter e da sua íntima natureza. O sentido republicano e probo do exercício das funções públicas, deve ser exigente em matéria de carácter e de ética. Quem não quer perceber isto, que meta rapidamente explicador antes que seja tarde.
Há uns dias, todos os Chefes do Exército pós-25 de Novembro, entre os quais se inclui o primeiro Chefe de Estado democraticamente eleito depois de Abril de 1974, fizeram sentir ao poder que a relação da "política democrática" com as suas forças armadas não anda famosa. Agora, outro antigo Chefe de Estado, dirigindo-se ao actual Comandante Supremo das Forças Armadas e seu sucessor, bem como ao Chefe do Governo, não pôde ter sido mais claro e sucinto, porventura, até, cáustico. A "política democrática" não é uma feira de vaidades e, mesmo levando em conta o País a que pertencem, as forças armadas não são um conjunto de meros soldadinhos de chumbo para pôr e tirar da prateleira quando apetece brincar. A "política democrática", para ser respeitada, deve dar-se ao respeito, uma coisa que o "povão", o tal dos mercados, gosta. O voto legitima uma "política", mas não defende ninguém do seu carácter e da sua íntima natureza. O sentido republicano e probo do exercício das funções públicas, deve ser exigente em matéria de carácter e de ética. Quem não quer perceber isto, que meta rapidamente explicador antes que seja tarde.
2.8.03
INSCRIÇÃO
Julgo que era o Vergílio Ferreira que dizia que morrer é deixar de ser visto. No fundo, trata-se de mudar de sítio. Eu deixei de ver o meu Pai por estes dias. Sigo o conselho de Gore Vidal: "I am not my own subject". Porém, no dia certo, deixei aqui um pequeno texto de Miller sobre as águas, e que terminava com uma singela frase: tudo passa com o tempo. Eu, que tanto amo o mar, que sempre fica depois de tudo passar, peço apenas emprestada esta inscrição a Sophia:
Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar
Julgo que era o Vergílio Ferreira que dizia que morrer é deixar de ser visto. No fundo, trata-se de mudar de sítio. Eu deixei de ver o meu Pai por estes dias. Sigo o conselho de Gore Vidal: "I am not my own subject". Porém, no dia certo, deixei aqui um pequeno texto de Miller sobre as águas, e que terminava com uma singela frase: tudo passa com o tempo. Eu, que tanto amo o mar, que sempre fica depois de tudo passar, peço apenas emprestada esta inscrição a Sophia:
Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar
UM DICIONÁRIO
...não ilustrado, nem do Diabo, e que nos é oferecido com alguma regularidade e qualidade pelo António, um "desfeiteador" de opiniões e de "carneiragem". Tem umas classificações interessantes para "discurso". Da que mais gosto é do "contraditório": verdadeiro discurso, que por ser tão próximo da realidade, todos fogem dele.
...não ilustrado, nem do Diabo, e que nos é oferecido com alguma regularidade e qualidade pelo António, um "desfeiteador" de opiniões e de "carneiragem". Tem umas classificações interessantes para "discurso". Da que mais gosto é do "contraditório": verdadeiro discurso, que por ser tão próximo da realidade, todos fogem dele.
APRENDER A GOSTAR
Escreve-me a Leitura Partilhada e enuncia uma ideia interessante: somos um grupo pequeno, despretencioso e simples, sem outro objectivo que não seja ler. A epígrafe do blogue é mais esclarecedora: estamos a ler uma determinada obra literária em simultâneo, parando entre capítulos para discussão da leitura. Paira agora, por lá, o Ulisses, do James Joyce. Lembrei-me, a propósito, de que há uma pequena biografia do dito, escrita por Jean Paris, traduzida pelo Círculo de Leitores, e que é bastante recomendável. Também Javier Marías, num livro publicado pela Quetzal , Vidas Escritas, que consiste em pequenos retratos de escritores, tem ali uma prosa saborosa sobre Joyce e a mulher. Tem razão a Leitura: ler é aprender a gostar.
Escreve-me a Leitura Partilhada e enuncia uma ideia interessante: somos um grupo pequeno, despretencioso e simples, sem outro objectivo que não seja ler. A epígrafe do blogue é mais esclarecedora: estamos a ler uma determinada obra literária em simultâneo, parando entre capítulos para discussão da leitura. Paira agora, por lá, o Ulisses, do James Joyce. Lembrei-me, a propósito, de que há uma pequena biografia do dito, escrita por Jean Paris, traduzida pelo Círculo de Leitores, e que é bastante recomendável. Também Javier Marías, num livro publicado pela Quetzal , Vidas Escritas, que consiste em pequenos retratos de escritores, tem ali uma prosa saborosa sobre Joyce e a mulher. Tem razão a Leitura: ler é aprender a gostar.
1.8.03
UMA QUESTÃO DE POSIÇÃO
O CDS/PP é uma coisa que não deve ser confundida com o Centro Democrático e Social, fundado em 1974, e que contava com dirigentes como Diogo Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Francisco Lucas Pires ou mesmo Krus Abecassis. Fosse por morte, fosse por pura debandada, a geração fundadora foi desaparecendo, dando lugar à nova toponímia- PP - e aos respectivos próceres, capitaneados, primeiro por Monteiro e Portas e, depois de varrido Monteiro, só por Portas. Psicanaliticamente, o "eu fico" começou ali. Se os atentos a estas coisas bem se lembram, o sinuoso percurso da nova entidade PP, deu praticamente para tudo, designadamente para ajudar Guterres contra o PSD e para evitar que Cavaco chegasse a Belém em 1996. As contradições de Monteiro e a ambição faraónica de Portas, conduziram à separação e à invenção da teoria do "braço direito". Longe dos bons tempos da solidão maioritária de Cavaco, o PSD, primeiro com Marcelo, e depois com Barroso, começou a ensaiar o transporte de Portas "às cavalitas". De facto, quando Barroso, num congresso qualquer dos muitos que Marcelo fez, lhe disse para não lhe pedir que andasse com o "Dr. Portas às cavalitas", estava longe de imaginar a que dorso ele se iria encostar. Com as últimas eleições legislativas, Barroso decidiu mesmo "preocupar-se com o pequeno partido à sua direita", fazendo "tábua-rasa" da melhor "doutrina " cavaquista. É, pois, esse CDS/PP que está no Governo da Nação, e que tem distintos militantes como o Sr. Silvio Cervan. Este, numa entrevista a O Independente, diz o seguinte: Maria José Nogueira Pinto é um dos nossos melhores activos. Eu espero que a entrevista continue para a semana. É imperioso que Cervan revele quem são os passivos e, já agora, os versáteis. Afinal, é tudo uma questão de posição.
O CDS/PP é uma coisa que não deve ser confundida com o Centro Democrático e Social, fundado em 1974, e que contava com dirigentes como Diogo Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Francisco Lucas Pires ou mesmo Krus Abecassis. Fosse por morte, fosse por pura debandada, a geração fundadora foi desaparecendo, dando lugar à nova toponímia- PP - e aos respectivos próceres, capitaneados, primeiro por Monteiro e Portas e, depois de varrido Monteiro, só por Portas. Psicanaliticamente, o "eu fico" começou ali. Se os atentos a estas coisas bem se lembram, o sinuoso percurso da nova entidade PP, deu praticamente para tudo, designadamente para ajudar Guterres contra o PSD e para evitar que Cavaco chegasse a Belém em 1996. As contradições de Monteiro e a ambição faraónica de Portas, conduziram à separação e à invenção da teoria do "braço direito". Longe dos bons tempos da solidão maioritária de Cavaco, o PSD, primeiro com Marcelo, e depois com Barroso, começou a ensaiar o transporte de Portas "às cavalitas". De facto, quando Barroso, num congresso qualquer dos muitos que Marcelo fez, lhe disse para não lhe pedir que andasse com o "Dr. Portas às cavalitas", estava longe de imaginar a que dorso ele se iria encostar. Com as últimas eleições legislativas, Barroso decidiu mesmo "preocupar-se com o pequeno partido à sua direita", fazendo "tábua-rasa" da melhor "doutrina " cavaquista. É, pois, esse CDS/PP que está no Governo da Nação, e que tem distintos militantes como o Sr. Silvio Cervan. Este, numa entrevista a O Independente, diz o seguinte: Maria José Nogueira Pinto é um dos nossos melhores activos. Eu espero que a entrevista continue para a semana. É imperioso que Cervan revele quem são os passivos e, já agora, os versáteis. Afinal, é tudo uma questão de posição.
O ATENTADO
As FP-25 muito provavelmente não dirão nada à maior parte dos nossos jovens vizinhos bloguistas ou a eventuais leitores dessa geração. Tratava-se de um bando que associava objectivos políticos folclóricos a atentados com bombas e com armas de fogo. Fez várias vítimas mortais, entre as quais uma criança. Foi sujeito a uma investigação competente por parte da PJ, que também teve os seus mortos, e seguiu-se um processo judicial complexo que, ao que parece, terminou agora com a condenação de alguns dos chamados "arrependidos" e a absolvição dos outros criminosos. Estamos num ano manifestamente infeliz para a Justiça. Mais uma vez, os formalismos jurídicos atentaram contra aquilo a que eu chamaria uma elementar e bem formada consciência jurídica. Esta rapaziada das FP-25, de onde sempre emerge o pseudo-ingénuo Otelo, merecia pior sorte. Mas isso é uma conversa para um País a sério.
As FP-25 muito provavelmente não dirão nada à maior parte dos nossos jovens vizinhos bloguistas ou a eventuais leitores dessa geração. Tratava-se de um bando que associava objectivos políticos folclóricos a atentados com bombas e com armas de fogo. Fez várias vítimas mortais, entre as quais uma criança. Foi sujeito a uma investigação competente por parte da PJ, que também teve os seus mortos, e seguiu-se um processo judicial complexo que, ao que parece, terminou agora com a condenação de alguns dos chamados "arrependidos" e a absolvição dos outros criminosos. Estamos num ano manifestamente infeliz para a Justiça. Mais uma vez, os formalismos jurídicos atentaram contra aquilo a que eu chamaria uma elementar e bem formada consciência jurídica. Esta rapaziada das FP-25, de onde sempre emerge o pseudo-ingénuo Otelo, merecia pior sorte. Mas isso é uma conversa para um País a sério.
UM SINAL
Reuniram-se ontem , para jantar e conversar, ex-Chefes do Estado Maior do Exército. O pretexto foi a saída de Silva Viegas de CEME, a semana passada, e o incómodo sentido pela actual situação das FA's e do Exército, em particular. A tropa tem coisas que aprecio: códigos de honra e princípios de lealdade. Quando andei em Cavalaria, percebi isso perfeitamente, apesar de estar a cumprir serviço militar obrigatório. Nunca me senti incomodado, antes pelo contrário. O sinal ontem dado por estes homens, que mandataram um antigo Presidente da República, Ramalho Eanes, para falar com Jorge Sampaio e Durão Barroso acerca da questão "forças armadas", é, julgo eu, qualquer coisa para levar a sério. Em democracia, as forças armadas estão naturalmente subordinadas ao poder político democrático. Não têm, porém, que ser aviltadas e desprestigiadas por quem desconhece noções básicas de princípios, de honra e de lealdade.
Reuniram-se ontem , para jantar e conversar, ex-Chefes do Estado Maior do Exército. O pretexto foi a saída de Silva Viegas de CEME, a semana passada, e o incómodo sentido pela actual situação das FA's e do Exército, em particular. A tropa tem coisas que aprecio: códigos de honra e princípios de lealdade. Quando andei em Cavalaria, percebi isso perfeitamente, apesar de estar a cumprir serviço militar obrigatório. Nunca me senti incomodado, antes pelo contrário. O sinal ontem dado por estes homens, que mandataram um antigo Presidente da República, Ramalho Eanes, para falar com Jorge Sampaio e Durão Barroso acerca da questão "forças armadas", é, julgo eu, qualquer coisa para levar a sério. Em democracia, as forças armadas estão naturalmente subordinadas ao poder político democrático. Não têm, porém, que ser aviltadas e desprestigiadas por quem desconhece noções básicas de princípios, de honra e de lealdade.
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