1.10.06

À F.

A esta perguntinha, a Fernanda Câncio - que não reparou que eu a tinha convidado para almoçar lá mais para trás - respondeu com uma "senhora resposta" que termina sensivelmente no segundo parágrafo: "não sei o que é isso do aborto 'livre', joão. nem o que seja ser de tal coisa adepta. acho que adeptos é mais futebol clube do porto e assim. mas defendo, sim, que qualquer mulher possa decidir, dentro de um prazo de tempo razoável, se quer ou não levar uma gravidez a termo". Vamos lá por partes. A Fernanda sabe perfeitamente o que é que lhe perguntei e qual foi o pressuposto da pergunta. Antes de ser pensada a partir das chamadas "partes baixas", a interrupção voluntária da gravidez começa por ser um assunto de inteligência, de cabeça, se quiser, de consciência ou de "inteligência emotiva", para recorrer ao jargão. Contrariamente ao que acontece, por exemplo, entre same sexers que optam ou não por usar preservativo nas suas "entusiasmantes" relações, não vem mal nenhum ao mundo - eventualmente pode vir para algum deles - se não o usarem ou o romperem. Já entre um homem e uma mulher, a menos que algum deles seja infértil, do "entusiasmo" pode resultar uma vida. Eu sei que este argumento é bestialmente reaccionário. Não se deve falar de "vida" perante os inalienáveis direitos da mulher a poder dispôr do seu belo corpinho. E dos do homem poder dispôr do corpinho da mulher quando a "manda" abortar. Porém, não foi até hoje encontrada melhor definição para a coisa. Se me costuma ler, já deve ter reparado no desprezo que nutro pela "sociedade" e pelo o que ela pensa. Quanto ao conceito de "filho não desejado", só me vem dar razão, e eu não quero nem deixo de querer ter alguma. Ou seja, voltamos ao aborto enquanto puro meio anti-conceptivo. Repare. Eu não exijo ou defendo sequer que se deva punir alguém por, em desespero de causa, ir até Badajoz ou Madrid (se for da "associação das famílias numerosas") ou à Almirante Reis (se for de uma família numerosa da Musgueira), para perpetrar um aborto. Pelo contrário. Como cristão, péssimo aliás, limito-me a sentir piedade pelos autores do acto. Agora não coloco os fantásticos direitos da mulher "ao seu corpo" e do homem ao corpo dela - todos os temos, one way or the other - à frente de outros. Nem à frente, nem atrás. Os arquétipos, feminista ou machista, que os têm sustentado, não possuem qualquer tipo de superioridade "moral" sobre outro arquétipo que defenda o "direito à vida". E eu gosto pouco, porque o acho demagógico, de trazer para aqui o argumentário "socio-cultural" ou "jurídico-criminal", tipo adolescentes arrependidos ou tipo violação. Ninguém, com dois de testa, pôe em causa que uma gravidez dessas deve ser interrompida e, no primeiro caso, com dois pares de tabefes nas criancinhas. Quanto ao imaginar-me de "joana" a entrar num hospital para abortar porque "me dei à paródia" e umas daquelas engenhocas destinadas a prevenir aborrecimentos falhou, percebo perfeitamente onde é que a Fernanda quer chegar. Quer chegar ao princípio da conversa, o da IVG como anti-conceptivo. Sim, sou adversário da vulgarização do aborto como tal. Aí, parece-me que estamos todos de acordo. É, se quiser, uma questão de civilização. Quando estudava direito na Universidade Católica e o dr. Mário Soares, com a coragem de sempre, alterou o Código Penal nesta matéria, eu modestamente apoiei e ri-me das manifestações patéticas que o Padre João Seabra e os seus acólitos promoveram por aí. Nesta matéria, nunca fui de excessos. Tento ser realista sem abdicar de alguns valores, apesar de pender cada vez mais para o lado anarquista da existência. E fique descansada que, desta vez, o referendo dará o resultado esperado. Da mesma forma que se continuará a ir a Badajoz e à Almirante Reis porque o "sistema" dificilmente aplicará a nova legislação, quando, em vinte e três anos, não quis aplicar a que existe. Só que eu não sou como a "Maria vai com as outras", neste caso uma putativa "joana vai com as outras". E quando vejo certo tipo de gente (não a minha amiga), de um e do outro lado, a berrar pela defesa da sua palhota, aí sim, dá-me vontade de os mandar todos à merda. Um beijinho (que nada tem de patronising, por amor de Deus).

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro JG,

Ora volte lá a ler a respostinha da FC pois (pelo que aqui escrevinha) escapou-lhe muito do essencial...

Anónimo disse...

ó betinho da Católica, quem é que ganhou o referendo de 98? O p. Seabra e seus acólitos? Serão assim tantos? Os teus insultos às famílias numerosas, ó picantropo, estão a habilitar-te a umas bordoadas a sério. Filho da puta!

João Gonçalves disse...

Normalmente apagaria o comentário anterior. Todavia, e dada a sua eloquência, mantenho-o. É um bom exemplo do que pretendi transmitir no final do post. A "arcda de Noé democrática" é mesmo assim.Cabe lá dentro todo o tipo de animais.

Anónimo disse...

João Gonçalves, por favor, não insulte os animais...

Anónimo disse...

Ó João, só porque um energúmeno, sem argumentos, o insulta, não entre no verbo fácil do coitadinho para puxar a brasa à sua sardinha. O comentário merecia, de facto, ser apagado. Quanto à resposta da F. estou como o anónimo das 11.19. Leia a resposta que ela lhe leu até ao fim. Veja se a percebe. Ou, pelo menos, tente.
Só mais uma coisa: acabem lá com essa coisa de discuir o aborto como questão cristã. Por amor de deus. É muito mais do que isso.

Cristina disse...

Grande resposta a dela sim! já a sua...por deus! Quem ainda usa a expressão "aborto como método contracaptivo", desculpe-me, mas nunca terá a mínima noção do que fala nem significa um aborto para uma mulher.
pena..

Anónimo disse...

Aborto livre gratuito e obrigatório já!

É preciso dar uma oportunidade ao planeta terra de se regenerar livrando-se desta espécie maligna.

Anónimo disse...

Caro João, embora o Pe João Seabra e os seus acólitos, naquilo q vc chama patético e que eu chamo participação activa na vida democrática, n tenha conseguido ganhar em 1984, quando os deputados decidiram, ganharam em 98 quando decidiu o povo.

Se for ver com atenção aqueles q se bateram em 98 e em 84 verá pcas diferenças. Alguns já mais velhos, uns novos q n tinha idade em 84 e pronto. Mas o grupinho é o mesmo e espera repetir a graça em 2007