1.10.06

NÃO É FÁCIL DIZER BEM - 4


Outro dia, e com inteiro sentido de justiça, referi que uma prosa crítica de Eduardo Prado Coelho sobre Rosa Montero me tinha levado a um dos seus livros, A Louca da Casa e, posteriormente, às Histórias de Mulheres, algo que as feministas exaltadas que andam por aí nos "comentários", fariam bem em ler. E afirmei que era para isso que servia a crítica de livros nos jornais: para nos levar a lê-los e não a rejeitá-los. O que Eduardo Pitta escreveu recentemente sobre um livro de Bill Bryson, é outro bom exemplo. Acontece que ontem, ao percorrer o fatídico suplemento "cultural" do Expresso, o Actual, deparei-me com um conjunto de frases enlevadas de António Guerreiro, o "especialista" de serviço, sobre o livrinho que recolhe a poesia do padre Tolentino Mendonça, "A Noite abre meus olhos", que já tinha provocado alguns derrames melancólicos ao Pedro Mexia. Eu não sou crítico literário, nem tenho tamanha pretensão, mas não sou cego. E vai daí fui ler o Guerreiro. Que nos diz ele da poesia do padre? De um dos seus primeiros livros, Guerreiro espreme-se nestes singulares termos: "o que nesse livro se revelava era uma poesia dotada de um grande saber sobre si própria e que, por isso, não descuidava a vigilância". Perceberam a ideia, "não descuidava a vigilância"? Eu também não. Mas Guerreiro consegue ser ainda mais imperceptivelmente subtil. Ora vejam. A dita poesia que "não descuida a vigilância", depois, "expande e abre para outra dimensão, para uma espécie de alteridade que se subtrai e que só a palavra consegue captar". Isto é tão esmagador como a construção de auto-estradas em Trás-os-Montes. Puro betão. Depois Guerreiro fala da "linguagem muda das coisas" e na "alegria" que consiste em o "padre-poeta-patrão-da-Assírio & Alvim", neste livro, ter conseguido usar e manter "a sua original vigilância". Antes de terminar a sua pungente leitura da "obra poética" de Tolentino Mendonça, Guerreiro não se poupa: "a atenção detém a infinitude do desejo e apreende a caduca fragilidade do que existe". Não é mesmo uma ternura?

2 comentários:

Anónimo disse...

Crítico literário que se preze, principalmente de poesia, faz gala em ser ininteligível!

Miguel Marujo disse...

Não se confunda, caro João Gonçalves, crítica ininteligível com má poesia (essas aspas em "obra poética"...). A obra de Tolentino Mendonça (mais uma maldade essa do "patrão", que conhecendo Tolentino se desmente e desarma em dois segundos!) é belíssima. Pela descoberta do religioso, também, que é a linguagem primeira de Tolentino. Só digo isto porque os gostos discutem-se.