9.8.06

MELHOR SORTE


Estive quatro vezes em Cuba. Conheço bem toda a ilha. Quando cheguei a Havana, pela primeira vez, tive a sensação de ter andado umas boas dezenas de anos para trás. A cidade sem varandas ou com as janelas sempre abertas, farrusca e movimentada, tem o fulgor próprio da decadência. Do telhado do hotel, o "skyline" é extraordinário. Parece que o tempo parou com a "revolução". Trata-se de um povo doce, primeiro usado como "colónia" norte-americana para casinos e sexo e, depois da descida da Sierra, como marioneta de uma feroz e sibilina ditadura. É certo que os níveis de literacia em Cuba nos fazem corar de vergonha, tal como a assistência médica. Fidel apostou na alfabetização dos cubanos e na escolaridade obrigatória. Praticamente sem recursos, senão os próprios desde o desmembramento da galáxia soviética, acossada pelo embargo do poderoso vizinho, a ilha sobrevive como pode. A hipocrisia da ditadura "castrista" deixa circular o dólar americano no turismo e obriga os seus concidadãos a usarem a moeda local e a "libreta" (senhas) para comer. Depois, anda tudo trocado. Engenheiros ou médicos que são guias turísticos ou motoristas de táxi, por exemplo. Ouve-se sempre um elogio magoado ou fingido a Fidel e quando se pergunta mais qualquer coisa, devolvem-nos silêncio. Daqui partem muitos burgessos em busca de sexo fácil, comercializado em nome da necessidade. Qualquer pançudo ou frustrado sexual, por um par de dólares, consegue milagres de uma tristeza infinita. Nem se pergunta pela idade. Já tem mamocas - ou boa pila, consoante os gostos-, serve. Isto vem a propósito disto. Do sr. Saramago espera-se sempre o pior. Numa passagem de ano, lembro-me de o ver na televisão oficial a acenar "às massas" ao lado do ditador. Anos volvidos, o "nobel" lá "percebeu" que havia um "problema" com as liberdades em Cuba e amuou vagamente. Durou pouco. Ele e o sociólogo coimbrão Boaventura - que se tem servido, na sua carreira académica, dos EUA que tanto exacra, - assinaram uma inevitável petição, apascentada pelo ministério da Cultura cubano, para "defesa" da "soberania" da ilha - contra os EUA, naturalmente -, atento o estado dos intestinos de Fidel Castro. Como boa ditadura que se preza, o regime guarda prudente silêncio sobre esta matéria e o jovem regente de setenta e cinco anos, Raúl, não dá sinal de si. Segredos de Estado, dizem eles. É pena que os "intelectuais" que constam da lista - não falta sequer a velhinha Angela Davis - não se preocupem mais com os cubanos e menos com o regime execrável que todo o "bem pensante" das "esquerdas" bajulou, nem que fosse uma vez na vida. Cuba gerou nomes grandes da literatura latino-americana - que Fidel exilou, proibiu ou "suicidou"- e que eu nunca vi o sr. Saramago citar: Lezama Lima, Cabrera Infante, Reinaldo Arenas, Virgilio Piñera ou outros. Recordo um vôo até à velha capital, Santiago de Cuba, ao lado de uma alemã que vivia na Argentina e que me contava velhas histórias do continente. Vista de cima, Cuba é simplesmente a ilha mais bonita do Caribe. Merecia melhor sorte.

14 comentários:

Anónimo disse...

Excelente texto.
Finalmente, regressou a minha sintonia (política) com o João.
A par da assinatura de Saramago, estão lá as de Nadine Gordimer e de Dario Fo.
É uma vergonha!
O pobre desventurado Boaventura é a antítese da minha concepção de académico respeitado - suavizei! Nem sequer chega a ser um ódio de estimação, porque esse é, por definição, inexplicável. É mesmo asco.
A atitude de Saramago, já esperada, é inqualificável, uma vez que há uns anos atrás descobriu que em Cuba não há liberdade de expressão - nunca é tarde para aprender.
Desonestidade intelectual, para ser meigo.
Um abraço

Anónimo disse...

O Kontratempos mostrou o nome de presos da ditadura (e a careca do profeta de Coimbra):

Víctor Rolando Arroyo - Pedro Argüelles Morán - Majail Bárzaga Lugo - Carmelo Díaz Fernández - Oscar Espinosa Chepe - Adolfo Fernández Saínz - Miguel Galván Gutiérrez - Julio César Gálvez - Edel José García - Roberto García Cabreras (prisión domiciliaria) - Jorge Luis García Paneque - Ricardo González Alfonso - Luis González Pentón - Alejandro González Raga - Normando Hernández - Juan Carlos Herrera Acosta - José Ubaldo Izquierdo - Héctor Maseda - Mario Enrique Mayo - Jorge Olivera - Pablo Pacheco Avila - Fabio Prieto Llorente - José Gabriel Ramón Castillo - Raúl Rivero Castañeda - Omar Rodríguez Saludes - Omar Ruiz Hernández - Manuel Vázquez Portal - Osvaldo Alfonso - Nelson Aguilar - Pedro Pablo Alvarez Ramos - Rafael Ernesto Avila Pérez - Margarito Broche Espinosa - Marcelo Cano - Eduardo Díaz Fleites - Antonio Díaz Sánchez - Alfredo Domínguez Batista - Efrén Fernández - José Daniel Ferrer Castillo - Luis Enrique Ferrer García - Orlando Fundora - Alfredo Felipe Fuentes - Próspero Gainza - Javier García Pérez - Diosdado González Marrero - Léster González Pentón - Jorge Luis González Tanquero - Iván Hernández Carrillo - Regis Iglesias - Rolando Jiménez Posada - Reynaldo Labrada Peña- Librado Linares - José Miguel Martínez Hernández - Rafael Millet - Luis Milán Fernández - Roberto de Miranda - Nelson Moliné - Angel Moya Acosta - Félix Navarro - Héctor Palacios Ruiz - Arturo Pérez de Alejo - Omar Pernet Hernández - Horacio Julio Piña Borrego - Alfredo Pulido - Arnaldo Ramos Laubiriquet - Alexis Rodríguez Fernández - Blas G. Rodríguez Reyes - Martha Beatriz Roque Cabello - Claro Sánchez Altarriba - Ariel Sigler Amaya - Guido Sigler Amaya - Miguel Sigler Amaya - Ricardo Silva Gual - Fidel Suárez Cruz - Manuel Ubals González - Julio Antonio Valdés Guerra - Miguel Valdés Tamayo - Héctor Raúl Valle Hernández - Antonio A. Villarreal Acosta - Orlando Zapata Tamayo - ...

http://kontratempos.blogspot.com

Anónimo disse...

"Melhor sorte" seria o regresso dos "retornados" de Miami e da sua "economia de casino", não?

O retorno da iliteracia, da miséria e da doença? A par dos "maquedonaldes", da "coca-cola", da CNN?...

Melhor sorte, muito melhor sorte, mereciam era o Haiti, El Salvador, a Nicarágua, a Rep. Dominicana, a Guatemala, a Bolívia, a Colômbia, etc., etc., etc....

Para quem tem a espinha na vertical: ainda há quem prefira morrer de pé a viver de joelhos.

Ao contrário de vossas mercês...

Anónimo disse...

Em Cuba morre-se de pé, de facto, mas em frente a um pelotão de fuzilamento.

Anónimo disse...

Quatro visitas a Cuba? E eu a imaginar que para determinados críticos do regime cubano visitar a ilha era colaborar...Mas isto são armadilhas da memória.

Anónimo disse...

O Saramago é da mesma cepa do Fidel. Ambos morreram há muito tempo mas não se convencem disso.

joshua disse...

Intelectuais da piça! Não terem tido distanciamento crítico em relação ao regime, não terem protestado veementemente contra os silenciamentos, as execuções, contra o sangue!

Até admito, por simpática e até necessária, uma certa resistência à manápula prostituidora dos EUA na sua agressividade económica, nos seus símbolos de colonização comercial, mas era preciso gritar contra o sangue e a mentira lá, onde ela grassava e enchia de silêncio e de medo um povo com identidade.

Era preciso.

Neste aspecto, Boaventura, Saramago e outros atraiçoaram a humanidade nesse pacto mefistofélico com Fidel.

Joaquim

Anónimo disse...

Não posso estar de acordo com a ditadura castrista de limitação ao pensamento e à mobilidade dos cubanos. Contudo, como você próprio afirma, este regime apostou como nenhum outro em alfabetização e saúde, coisa que poucos países no mundo se podem orgulhar. E isto sim é defensável, assim como a resistência única que fidel conseguiu manter ao totalitarismo dos EUA, e isto sim, para mim, claro, é louvável. E aqui concordo inteiramente com Saramago e com Boaventura Sousa Santos, para mim duas pessoas de grande valor, apesar de nem sempre gostar ou concordar com o que escrevem ou pensam.

Mas que fazer, para mim portugal dos pequeninos é esta terrivel sina de o pior inimigo de portugal serem os proprios portugueses com esta autoestima tão baixa e esta invejazinha sempre tão latente que nos faz ter a maldicencia sempre a flor da lingua e encontrar sempre por onde criticar e nada por onde elogiar. DEve ser por isso que a maior parte dos nossos pensadores, intelectuais e artistas se sentem sempre mais reconhecidos fora do país que dentro

Anónimo disse...

Assim sim vamos no bom sentido...

Anónimo disse...

Ó João, você tirou férias em Cuba enquanto lavravam incêndios em Portugal e aconteciam outras calamidades? E esteve em algum resort para turistas? Ai ai...

Anónimo disse...

Resistir à ingerência dos EUA não implica viver em ditadura.
A educação e a saúde são, efectivamente, bens essenciais, mas a liberdade de expressão e a qualidade de vida não são menos importantes.
Por isso, concordo com este post.
Ser intelectual de esquerda, à maneira de Saramago e de Boaventura, é ser selectivo na sensibilidade à dor - o sofrimento nas ditaduras canhotas é o preço a pagar pela independência ideológica (e, virtualmente, económica); o sofrimento nas ditaduras dextras decorre da pata fascista de quem não respeita a escala de valores da liberdade. A dualidade de avaliação é o elixir dos intelectuais de esquerda. Sem o néctar do "ideologicamente puro", definham as causas que alimentam o seu ego de vanguardas iluminadas.
Castro morrerá, como todos nós, na horizontal, apesar da sua “alma revolucionária”.
Felizmente, para ele, nunca sofrerá em vida a dor que incutiu aos cubanos que se limitaram a pensar diferente. Em Cuba o preço a pagar pela diferença de pensamento ainda é a prisão, ou mesmo a morte, sob o epíteto de traição à pátria ou de subserviência ao imperialismo capitalista. Esta é a prática dos quiméricos defensores das “amplas liberdades”, desde que convergentes com a linha oficial dos comités revolucionários. Deus nos poupe de tais elites "bem pensantes". Já basta o que foram os regimes do leste e o que ainda resta da arqueologia marxista-leninista-estalinista-maoista-...

Anónimo disse...

Estes comunistas anónimos a querer defender o indefensável.É como ir ás bruxas.Acreditam piamente...

Anónimo disse...

Para os que veneram a "democracia" Cubana aqui vai um trecho de uma notícia do Diário Digital. Vale a pena ler.

"Cuba ameaça multar quem vir TV estrangeira por satélite.

O Governo cubano ameaçou quarta-feira, através da imprensa, com uma multa que pode ascender a mais de sete anos de ordenados, todos os cidadãos do país que tenham aparelhos ilegais para captar televisões estrangeiras por satélite.
Numa altura em que a Administração norte-americana pretende reforçar as emissões da TV Martí, o canal de televisão criado para transmitir informação pró-norte-americana para Cuba, as autoridades da ilha aumentam o controlo sobre os equipamentos ilegais de captação das emissões por satélite.

De acordo com o diário oficial Granma, as autoridades cubanas consideram que «grande parte da programação que se recebe por essa via é de conteúdo destabilizador, intrometido, subversivo, e apela, cada vez mais, à realização de actividades terroristas».

A multa imposta a quem «instalar ou manter instalados ilegalmente equipamentos, antenas ou outro dispositivos para serviços de telecomunicações de carácter limitado« pode chegar aos 30.000 pesos cubanos (1.052 euros), acrescenta o órgão oficial do Partido Comunista Cubano.

Tendo em conta que o ordenado médio em Cuba ronda os 12 euros mensais, um cubano arrisca-se a ter de juntar os rendimentos de sete anos e quatro meses para pagar a multa.

No raciocínio do Governo cubano, ver a TV Martí, ou qualquer dos canais de televisão que emitem dos Estados Unidos, é pactuar com «as recomendações contidas no primeiro capítulo do plano de anexação de (George W.) Bush que pretende destruir a Revolução cubana».

Esse plano «inclui a distribuição de computadores, rádios de onda curta, antenas de satélite, descodificadores, faxes e fotocopiadoras aos seus mercenários aqui (Cuba)» e o aumento do financiamento de «emissoras radiofónicas e televisivas que insolentemente portam o nome do Herói Nacional José Martí».

O Governo cubano está preocupado com a «avalancha de propaganda comercial que mostra a aparência do capitalismo» que os cidadãos cubanos podem ver nos canais de televisão captados sem controlo, mas também «as mensagens anti-cubanas e até pornografia com crianças, adolescentes e adultos».

Mensagens e imagens que estão a anos-luz «dos valores culturais, educativos e patrióticos que predominam nos nossos programas televisivos», acrescentou o Granma.

A multa para os prevaricadores, estabelecida pelo Decreto-Lei 157 de 1995, situa-se entre os 10.000 e os 20.000 pesos cubanos, «mas os inspectores têm poder para aumentar a multa até metade da quantia máxima (mais 10.000 pesos), o que poderá levar à imposição de sanções pecuniárias de até 30.000 pesos», explica o jornal.

As autoridades cubanas já começaram a confiscar antenas de satélite em vários municípios da Velha Havana, mas, apesar dos avisos, milhares de cubanos continuam a usar antenas e receptores camuflados das formas mais surpreendentes, diz o correspondente da agência EFE na capital cubana.

Dezenas de pessoas podem aceder ao mesmo serviço pagando a um vizinho com receptor que lhe dá acesso às emissões através de um cabo, às vezes com centenas de metros de comprimento, criando uma mini-rede popularmente conhecida como «rede aranha».

Até agora a TV Martí emitia apenas quatro horas ao sábado através de um avião C-130, forma usada pelo Governo norte-americano para impedir que as autoridades cubanas interferissem no sinal enviado para Cuba."

Anónimo disse...

O Boaventura é uma figura. Um amigo meu que foi aluno dele de doutoramento em Coimbra contava-me histórias de pôr os cabelos em pé.

Não é que o tipo organiza jantares de alunos num restaurante local (defronte do Portugal dos Pequeninos - nem de propósito...) em que, como à antiga portuguesa, ele é o pater familias por excelência? A "democracia participativa" fica à porta para não incomodar o lambe-cu que ele tao zelosamente promove.

Direitos das mulheres? Ao mesmo tempo que põe os cornos à mulher com uma tipa a quem arranjou emprego lá no centro dele, vai para a televisão defender as teses mais politicamente correctas que é possível imaginar - parece que é mais fácil defender em público uma generalidade do que respeitar a sua própria mulher.

Marcha em Caracas, terra do neo-fascista Chavez, contra os EUA mas vai buscar o "pay-check" todos os Outonos a uma universidade americana. Entretanto, engana descaradamente o Estado português: o semestre passado nos EUA a dar aulas passa, na informação que dá à FCT, por investigação feita...em Portugal (o tipo é docente na FEUC pelo que deveria dar 6 meses de aulas em Coimbra e fazer 6 meses de investigação - em exclusividade)

As histórias são tantas e tão escabrosas que já me esqueci de quase todas elas - por uma questão de higiene mental. Mas quem o conhece sabe do que falo...