17.3.06

O PRIMEIRO DIA


A principio é simples, anda-se sozinho
passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no burburinho
bebe-se as certezas num copo de vinho
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado, que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E é então que amigos nos oferecem leito
entra-se cansado e sai-se refeito
luta-se por tudo o que se leva a peito
bebe-se, come-se e alguém nos diz: bom proveito
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
olha-se para dentro e já pouco sobeja
pede-se o descanso, por curto que seja
apagam-se dúvidas num mar de cerveja
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar, sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E entretanto o tempo fez cinza da brasa
e outra maré cheia virá da maré vazia
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.


Sérgio Godinho

3 comentários:

Anónimo disse...

... que bom lembrar-nos este "poema"

... é na realidade um BLOG que contem "sempre" pelo menos 2 elementos essenciais em todas as circunstâncias da VIDA

... "delicadeza" e "elegância"
... onde a percepção do "belo" é latente
... onde o "pormenor" é sempre cuidado
... leitura sempre “agradável”
... temas sempre “pertinentes”
... "perspicaz"
... muito “inteligente”

... pois
... "gosto" e, muito

... e, sem dúvida "alguma"

... "hoje é o primeiro dia do resto das nossas vidas"

Anónimo disse...

... e, ainda
... e, sem comparação possível é claro, a "imagem" me reportou ao que escrevi

... porque

A lua lá estava
Se via através das vidraças
Brilhante, como olhos apaixonados
Mas, de quem já não abraças
De quem fica a lembrança
Essa, que ainda resta
Mas que trespassa

A lua lá estava
Se via através das vidraças
O destino me traçava
Caminhos, que se cruzaram
Mas, não te encontrava

A lua lá estava
Se via através das vidraças
No jardim, ela reflectia
Toda a luz, cheia de graça
Luz, que às vezes trespassa
Corações, já em desgraça

A lua lá estava
Se via através das vidraças
Meu espaço invadia
Com seu brilho, me envolvia
E de mim então saía
Toda aquela energia
Que tanto eu queria
Que tanto eu necessitava
Minha mão então escrevia
Palavras sobre o que senti
Para a tela eu passei
Cores sobre o que vi

A lua lá estava
Se via através das vidraças
Olhei-a, mais uma vez e, vi
Depois ... adormeci

...

Anónimo disse...

ai que enternecedor
o cantinho dos poetas que gostam de cavacas