24.5.04

A CASA DOS BUDAS DITOSOS

Talleyrand, ministro dos negócios estrangeiros da França, à época do Directório, recomendava aos jovens aprendizes da diplomacia que se masturbassem antes de irem para o trabalho. Tal exercício - justificava - permitia-lhes "desembaciar" as respectivas mentes, pelo menos durante a parte da manhã. Trata-se de uma excelente terapia para a presuntiva "reforma da administração pública" e uma forma singela de assegurar a "alegria no trabalho". É precisamente sobre o papel do sexo nas nossas vidas que João Ubaldo Ribeiro concebeu um texto para uma série literária em torno dos pecados, publicada no Brasil. A ele calhou-lhe a "luxúria" e o livro tem por título A Casa dos Budas Ditosos (editado, entre nós, pela D. Quixote).Este livro produziu uma obra teatral, um monólogo que a actriz brasileira Fernanda Torres executa com o maior profissionalismo. O António Lagarto, director do Teatro Nacional D. Maria II, com inteligência, sensibilidade e pouco dinheiro, trouxe até Lisboa a Fernanda para uma curta série de espectáculos que termina no próximo domingo, dia 30, seguindo para o S. João, no Porto. Fica uma amostra da escrita de Ubaldo Ribeiro, dita por Fernanda, uma bela homenagem a uma língua comum. E uma reflexão lírica, cómica e trágica acerca daquilo que julgamos que é o bem e o mal dentro de nós.

Explicar que sou um grande homem e não digo que sou uma grande mulher pela mesma razão por que não existe onço, só onça, nem foco, só foca, tudo isso é um bobajol de quem não tem o que fazer ou fica preso a idiossincrasias da língua, como aquelas cretinas feministas americanas que queriam mudar history para herstory, como se o his do começo da palavra fosse a mesma coisa que um pronome possessivo do gênero masculino, a imbecilidade humana não tem limites. Sou um grande homem fêmea, da mesma forma que os grandes homens machos são grandes homens machos, fica-se catando picuinha porque o nome da espécie é por acaso masculino e não neutro, como é possível que seja em alguma outra língua, como se a gramática resolvesse alguma coisa nesse caso. Explicar isso, não existem grandes homens e grandes mulheres, existem grandes homens machos e grandes homens fêmeas. Não há nada mais ridículo do que galeria de grandes mulheres isso e aquilo, fico morta de vergonha. A espécie é humana, como Panthera uncius, Panthera leo, um onça, no feminino por acaso, outro leão, no masculino por acaso, questão de língua, exclusivamente. Explicar isso como quem explica a um marciano. A um terráqueo. Escuta aqui, terráqueo, deixa de ser débil mental. Bem, ambições inúteis, vamos ao trabalho.

Sem comentários: