«Ganhar tempo, protelar, durar... tem sido infelizmente assim desde o começo desta legislatura. Se repararmos bem, foi o que aconteceu com a formação do Governo, com a apresentação do seu programa no Parlamento, com a aprovação do Orçamento de 2010, que só entrou em vigor nos últimos dias de Abril!... E assim continuará a ser, com a inevitável remodelação, com as Festas de Natal e Ano Novo bem aproveitadas, o conveniente "interregno" das presidenciais, com a marcação do próximo Congresso do PS, etc. A máxima é "adiar para durar". Já também foi assim com a crise, e por isso estamos onde estamos. Primeiro, dizia-se que o crédito subprime era uma coisa "lá dos Estados Unidos", eles "que resolvessem os seus problemas". Depois, falou-se da crise como se se tratasse de uma espécie de mau olhado, garantindo que ela nunca nos atingiria. Todas as semanas lá se exibia umas providenciais décimas para insuflar optimismo funambular, imaginando que assim se mudava a realidade. Entretanto, todos os dados de fundo sobre a evolução da situação iam sendo ignorados, todos os avisos e alertas desvalorizados com uma sobranceria que a história não deixará de julgar pesadamente. E foi preciso um sério raspanete de Sarkozy, em Maio, um bom puxão de orelhas de Merkel, em Setembro, e, sobretudo, a iminência do colapso e do descrédito internacional total, para finalmente se reconhecer a crise. Acontece, todavia, que, para quem aposta sobretudo em durar, esta táctica se revela extraordinariamente eficaz, porque ela joga de um modo permanente com as expectativas mais legítimas e os receios mais fundados das pessoas: tornando-as primeiro cúmplices, para depois fazer delas reféns. E foi exactamente isso que, entretanto, aconteceu. Hoje, todos somos de algum modo reféns da situação criada: o País, a sociedade, os candidatos presidenciais, o partido que apoia o Governo, o calendário político, etc. Está refém o País, que não sabe como enfrentar as dramáticas dificuldades que todos os dias se multiplicam à sua frente. Está refém a sociedade que, por falta de rumo claro para o País, vai desperdiçando boa parte da sua energia e vitalidade. Estão reféns os candidatos presidenciais, que disputam a atenção dos cidadãos na indiferença geral. Está refém o próprio partido que apoia o Governo, que, num momento como este - sem dúvida o mais difícil desde 1974 - não revela capacidade para suscitar o mais elementar debate sobre os problemas do País. Estão reféns os cidadãos, atordoados pelas contradições entre a informação e a propaganda, e assustados não só com o que se anuncia mas também com o que se pressente. Entretanto, a semana foi sendo marcada por notícias muito preocupantes algum modo amplificadas pelo incómodo realismo de Nouriel Roubini - incómodo sobretudo por desde 1996 ter antecipado o essencial da crise -, que em entrevista ao Diário Económico insistiu no seu diagnóstico em relação a Portugal e avançou alguns conselhos. A novidade está não no diagnóstico (Roubini considera que Portugal bateu no fundo e que a sua fraca competitividade não deixa margem para ilusões) mas nos conselhos. Ele sugere que se antecipe o que vê como inevitável - o recurso de Portugal ao Fundo de Estabilização Financeira e ao Fundo Monetário Internacional. E defende que se faça, isso já, como um prudente passo preventivo, para evitar uma crise aguda e as suas terríveis consequências. Compreende-se bem que isto seja a última coisa de que os actuais responsáveis querem ouvir falar. Porque o espectro que fecha o cerco e consolida a nossa condição de reféns é o da chegada do FMI, descrita como se de uma verdadeira invasão se tratasse, que poria em causa uma soberania até aí impoluta. O artifício é, contudo, óbvio: ele visa astutamente preparar o terreno para, no momento oportuno, transformar os responsáveis pela situação criada em vítimas. E, assim, mais uma vez... fazê-los durar. Há alternativas? Há algumas. Por exemplo - como há muito defende J. Attali, e como felizmente há cada vez mais pessoas a pensar -, a criação de um Tesouro Europeu (a UE é a única entidade soberana no mundo sem dívida) que, em articulação com uma autêntica política orçamental comum, "absorvesse" uma boa parte da dívida dos países europeus, tornando assim possível o relançamento da União Europeia. Era esta campanha, não a dos futebóis, que Sócrates e Zapatero deviam pensar fazer por toda a Europa. Mas é disso que eles são reféns.
Manuel Maria Carrilho
4 comentários:
Este escrito de MMC é aterrorizador.
Não há problema... a NASA resolve.
Nada como um homenzinho verde para se esquecer este cinzento país e até as rubras leaks do amarelo Assange.
Rita
«Era esta campanha, não a dos futebóis, que Sócrates e Zapatero deviam pensar fazer por toda a Europa»
Lido há pouco no DN.
Isto começa a parecer-se com sociedades governadas por extra-terrestres.
A Europa, insiste em ir alimentando a sua decadência 'romana'.
JB
Ora bem, vejamos se entendo... para resolver as falcatruas Portuguesas vamos fazer uma maior a nível Europeu. Ou seja lixar os que não fizeram falcatruas.
Sócrates agradece a Carrilho, assim poderia lá ficar até 2020.
lucklucky
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