Ao vaguear pelo país de Agosto, ocorreu-me a letra de uma canção de Chico Buarque. Ele referia-se ao Brasil e “elogiava” metaforicamente – coitado – o nosso glorioso “Portugal de Abril”. “A coisa aqui está preta”, cantava Chico. Como, trinta anos passados, faz tanto sentido este verso brasileiro escutado em português! Há uma semana, Vasco Pulido Valente falava na “decadência do regime”. As coisas estão efectivamente pretas. A fragilidade de tudo começa a estar demasiado descoberta, se bem que nunca deixasse verdadeiramente de lá estar, oculta e perversa. José Sócrates, ainda o menos mau que se consegue arranjar, segundo as “sondagens”, manifestamente já não chega. Muito em breve, entram em cena, de novo, centenas de candidatos autárquicos. Um pavor. No meio deles encontram-se algumas notabilidades que se imaginam subtis e que, agora, se dizem “independentes”. São nódulos monstruosos gerados nos partidos e nas “localidades” que, com rotundas, prédios e prebendas, “ganharam” a indeclinável simpatia popular. E são a melhor imagem do que seria um país “regionalizado” por que muitos irresponsavelmente suspiram. A tragédia dos incêndios é outro monumento sagrado à inépcia dos poderes públicos e ao atavismo analfabeto do “localismo” caseiro. Quando ainda temos tanto de “terceiro-mundismo” para extirpar, vêm os ministros Pinho e Lino, com as suas tolas crenças no optimismo “obreirista”, devidamente abençoadas pelo primeiro-ministro, prometer milhões em “progresso”, pistas e “vitesse”. Finalmente, é o absolutismo caprichista da maioria que se encarrega da sua própria descredibilização. O episódio da Caixa Geral de Depósitos, as incompetências mantidas ou as “novas” que são nomeadas para cargos de direcção pública em nome da eterna concepção “familiar” de democracia e a percepção de falta “unidade de comando” disto tudo, fazem o “regime” resvalar para lado nenhum. É por isso que as eleições presidenciais se tornaram subitamente importantes. A geração que nos governa desde há, pelo menos, dez anos, é uma “geração perdida”, medíocre e cobarde. A emergência de Mário Soares e de Cavaco Silva constitui o seu melhor epitáfio. A coisa está preta.
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