31.3.04

A IMAGEM



Os inspectores do SEF anunciaram uma greve para a altura do Euro. Os polícias ameaçam protestos para o mesmo momento. Este fim de semana já apareceu uma pequena vaga de incêndios. Etc, etc. Estas coisas ocorrem no muito vulnerável sector da segurança pública e da protecção civil, sob as juras aparentemente preocupadas de todo o governo. Certo é que, tirando umas inócuas reuniões e uns inúteis congressos, nada praticamente foi feito para a "prevenção" em matéria de incêndios. A sua "época" anuncia-se uma vez mais gloriosa, com Figueiredo Lopes a continuar despreocupadamente a passar ao lado. Excelente "imagem". Já Arnaut, o ministro do Euro, diz não acreditar que nenhum português queira pôr em causa a "imagem" de Portugal, isto a propósito das "ameaças" dos homens das forças de segurança e equiparadas. Para ele, eu devo ser um "mau" português, já que me estou absolutamente nas tintas para o Euro 2004. A cepa da entourage de Durão Barroso é constituída por gente da estirpe de Arnaut, uma "promessa" que alcançou o estrelato ministerial quando o mais elementar bom senso aconselharia a que não passasse da porta de um gabinete governativo. Nada disso: é nas mãos "dele" que repousa politicamente o grande evento do ano. Lidas com maior atenção estas e outras declarações em torno da "imagem" do País, por causa das três semanas de futebol e de um espectáculo de rock, por um lado, e olhando à crua realidade, por outro, fica-se com a sensação que é completamente irrelevante que as coisas funcionem verdadeiramente ou não. O que importa é que "pareça" que funcionem, pelo menos enquanto durar o circo. Aquilo a que chamam "imagem" é, em registo débil, o "fazer de conta". Sinto que alguns membros do governo ainda não se aperceberam da imagem desgraçada de que disfrutam no País, justamente por causa do "faz de conta". E não tenho a certeza de que o primeiro ministro já tenha captado, do "conjunto", esta bela "imagem" que começa a confundir-se com a sua.

30.3.04

MÚSICA PARA CAMALEÕES

Leio no Diário da República que o governo renovou, sem pestanejar, a "comissão de serviço" do director do Teatro Nacional de São Carlos. A ironia desta "ópera bufa" é que, depois de ter sobrevivido a dois ministros socialistas, a vários "colegas" de conselho directivo e a umas quantas trapalhadas que andam a ser tratadas em sede própria, tudo indica que Paolo Pinamonti irá sobreviver aos que hoje o nomearam. Convém, portanto, fazer de conta que foram três anos de "paraíso". Não foram. Contudo, quem é que verdadeiramente se importa com isso? Como não sou hipócrita, não vou desejar venturas a Pinamonti e aos seus ajudantes de circunstância, fora e dentro do Teatro. Talvez a história lhes reserve uma nota de rodapé. Neste tempo de camaleões, merecem-se realmente uns aos outros. Só que a memória do Teatro merecia melhor, tal como o País merece urgentemente "outra coisa".

29.3.04

CRIANÇAS... NORMAIS?

Não imaginei que voltaria a falar de Villas Boas. Ainda há bem pouco tempo, por causa de adopções de crianças por casais não heterossexuais, a criatura disse coisas fantásticas, impróprias para a sua formação e para as funções institucionais que desempenha, apesar de, nesta matéria, estar muito bem acompanhado pela generalidade da Pátria (ver o "post" O "Natural" aqui). Na semana que passou, rejeitou a hipótese de crianças portadoras de HIV poderem ser admitidas no "seu" Refúgio Aboim Ascensão. Segundo ele, o Refúgio destina-se a "crianças normais". Instado sobre isto, Bagão Félix, como é seu farisaico costume, desvalorizou, dizendo tratar-se de um mero "episódio" circunstancial que a "obra" de Villas Boas supera claramente. Eu não discuto a "obra" do senhor, certamente generosa e competente. O que considero insustentável é que Villas Boas faça constantemente da discriminação o seu verbo. Alguém meta na cabeça da criatura que a utilização do termo "normal", nestas matérias, é perigosa e tem como contraponto, pelo menos, o "anormal". Por causa da sua formação, Villas Boas deve ter lido Michel Foucault. Não aprendeu nada. Por mais quanto tempo é que vai ficar à frente da instituição que, na sua cabeça, dirige para "normais", e que é para servir crianças?
CRÓNICA DE UMA CANDIDATURA ANUNCIADA



Não tem manifestamente os dotes do pai, embora faça uso regular da "frontalidade" familiar. Encarou com soberba a sua "obra" municipal e julgou que, sem praticamente se mover, o eleitorado de Lisboa, agradecido, o reconduziria. Perdeu mais pelo desdém e pela indiderença com que encarou a campanha autárquica, do que por um qualquer julgamento negativo do seu desempenho. Fechado esse ciclo, ele próprio começou outra vida e quer agora regressar ao "combate" através de uma candidatura a secretário-geral do partido, a que finalmente deu letra de forma. O impulso que levou João Soares a ser desta vez mais claro é igualmente claro. Soares já percebeu que o conluio para substituir Ferro Rodrigues o ultrapassa. Apesar de não ter "tropas" como Coelho ou Sócrates, ou mesmo um Costa em fase de "desferrização", João Soares joga o seu eterno voluntarismo para cima da mesa. A altura. no entanto, não podia ser a pior. O PS não pode perder-se no seu umbigo e tem que falar à Nação, e já nas eleições europeias. Ferro tem aguentado estoicamente tudo isto. Até algumas diatribes deste blogue e dos seus próximos. Dada a grande probabilidade de ficar à frente nestas eleições, eu, se fosse a ele, antecipava o congresso para uma data qualquer imediatamente posterior ao voto. Porque a seguir vem o tal "ciclo eleitoral" que só termina nas legislativas de 2006, e o País precisa de saber qual é o rosto definitivo do PS para enfrentar um Barroso mal acompanhado e mal amado. Dê lá por onde der, e por muito que lhe custe, dificilmente esse rosto será o de João Soares.

28.3.04

APOCALÍPTICO



O Sr. Saramago, o nosso venerável Prémio Nobel, está de volta. Desfez-se em entrevistas e lança o seu Ensaio sobre a Lucidez perante uma esperável plateia de bonzos. Mário Soares e Marcelo Rebelo de Sousa encarregam-se da apresentação. A presença dos dois servirá porventura para contrabalançar as descrenças democráticas de Saramago. Quem ignorasse por completo o "estado da arte" do mundo no presente e lesse ou ouvisse a autor, podia julgar que estávamos a viver um momento Blade Runner, povoado de "replicantes" e de andróides assassinos, em luta com eficazes e "sentimentais" defensores de "boas" causas. Saramago não acredita definitivamente no homem, aparentemente já não ouve os "amanhãs" que cantam e lamenta deixar esta "merda de mundo" pior do que a encontrou. Apela ao protesto através do "voto em branco", a partir da alegoria do livro, mas lá se encaixou na lista da CDU para as "europeias". É este Saramago apocalíptico e contraditório que dois dos maiores optimistas da política portuguesa vão comentar. Cada um certamente a pensar num "futuro" radicalmente diferente daquele que Saramago entrevê ou que, por toda uma vida, andou a prometer para si próprio e para o mundo. Verdadeiramente Saramago nunca foi outra coisa senão o mesmo visionário amargurado que transparece nestas entrevistas e nos últimos livros, a milhas e milhas dos sóis radiosos que jamais brilharão.

25.3.04

A "EXCELÊNCIA"

A coligação está convencida de que vai "reformar" a administração pública numa ou eventualmente duas legislaturas. Para o efeito, tem andado a preparar um "pacote" legislativo cuja última novidade consistiu num diploma da Assembleia da República que cria uma coisa chamada "sistema integrado de avaliação do desempenho da Administração Pública". A referida lei socorre-se dos lugares-comuns e dos jargões recolhidos nos manuais de gestão de organizações e de recursos humanos, traduzidos em brasileiro, e que, desde os anos 80, inundam as prateleiras dos cursos de sociologia, economia ou gestão. Estão lá todos: a "mobilidade", a "excelência", a "qualidade", a "responsabilização", a "demonstração de competências profissionais", o "mérito", a "transparência", a "cultura da exigência" ou "as competências de liderança". Tudo visto e ponderado, registo apenas duas novidades. A primeira, a consagração da "diferenciação e reconhecimento do mérito e excelência" através de um sistema de "percentagens" ou de quotas. Trocado por miúdos, isto significa que poucos serão os escolhidos e que ainda menos serão os eleitos. Substitui-se a avaliação rotineira pela subjugação ao "encaixe" burocrático e "amiguista" nas vagas disponíveis para os "excelentes", obviamente "excelentes" aos olhos de quem os acha subtis. A segunda novidade é a que institui a avaliação dos dirigentes. A ideia não é má. Porém, como não está previsto aqui nenhum sistema de "percentagem" de "excelentes", como para a massa funcionária, não são de esperar grandes modificações ou ansiedades, desde que esses dirigentes assegurem o "respeitinho" e promovam os "excelentes" certos. Em suma, o que é que isto representa? Que se vai reforçar a "motivação" dos funcionários? Que vão ser seriamente avaliadas as competências, os comportamentos
profissionais ou as capacidades para liderar ou para gerir? Não creio. Isto apenas vai fazer disparar nos funcionários e nos dirigentes, ou em alguns deles, pelo menos, o que neles há de pior: a avidez medíocre, a pequena ambição carreirista, o oportunismo, a "facada nas costas" e a concupiscência com o "chefe" que se segue. Uma "excelência"!

24.3.04

A CARIDADE BETA

O evangelista Bagão arrastou Durão Barroso para uma patética cerimónia na qual foram anunciadas "medidas" para a "protecção" e "promoção" das famílias, em particular, das numerosas. O evento foi enobrecido com a prestação canora de uns meninos "bem", acompanhados por uma mini orquestra. Para seguir à risca a sua "promessa" de mudança de "disco", Barroso procura agora libertar-se da contabilidade burocrática, promovendo o lado "social" da governança. Acontece que o "social", tal como ele é entendido pela direita representada por Bagão, raramente ultrapassa o limiar da solidariedade ou da caridade "betinhas". Nas suas beatas cabeças, a chamada "instituição familiar", gerada em torno do sacrossanto matrimónio, é meio caminho andado para a salvação e para o fim da pobreza, já que - entendem eles - esta é mais do foro "moral" do que qualquer outra coisa. Por isso, quando falam em "famílias numerosas", não é decididamente nas dos bairros periféricos de Lisboa ou do Porto que estão a pensar. Em que é que esta gente pode ser beneficiada fiscal ou economicamente? Não existem sequer para o primeiro efeito, e são seguramente uma maçada para o segundo. Uma tal "associação das famílias numerosas", um conjunto harmonioso de "tias" e de "tios" cheios de meninos e de meninas, e que é muito "reivindicativa", passa completamente ao lado disto. Esta "direita social", mentalmente muito "boazinha", muito "FNAT"e muito "bazar da caridade", encara com enorme sobranceria o fenómeno da indigência. Basta olhar à diferença de tratamento que o ministro deu à divulgação das tais "medidas" e os não-comentários que lhe mereceram os dados recentemente divulgados - pelos seus próprios serviços - em matéria de pobreza e de fome. Num caso sorrisos, música e primeiro-ministro, no outro umas notas esparsas e incomodadas, deixadas ao cuidado de uma assessora de imprensa. É a "caridade beta" no seu esplendor.

23.3.04

SÃO CARLOS, PORQUE...

Porquê, pois, falar tanto do Teatro Nacional de São Carlos? As pequenas prosas que este blogue tem dedicado ao assunto, desde Junho do ano passado, resumem o essencial e já davam para um opúsculo...Quem, sabe, um dia. Só para não deixar o Henrique Silveira sem resposta, alinhavam-se umas quantas linhas muito directas, em jeito de sumário.

Devemos prestar atenção ao que se passa no Teatro Nacional de São Carlos:

- porque é o único teatro de ópera nacional;

- porque tem um volume de despesas de funcionamento brutal e é pago quase exclusivamente pelos contribuintes (o "quase" é por causa do mecenato BCP, instituído por protocolo no tempo de Carrilho, e com termo certo), o que justifica a avaliação, por entidade independente, do trabalho (gestão e produção artística) até agora realizado pelo "projecto Pinamonti";

- porque tem uma história e uma tradição que honram a cultura portuguesa e a cidade de Lisboa;

- porque a actual direcção não sabe estar à altura dessa história e dessa tradição, vivendo de fait divers e de frivolidades, em permanente "teoria da conspiração" - coisa própria de gente imatura - , com apoio proporcionado a partir do Ministério da Cultura;

- porque a manutenção do status quo se deve naturalmente ao poder político sediado na Cultura, de que são "epígonos conjunturais" o Dr. Amaral Lopes (sim, é verdade, também existe um ministro...) e o seu dedicado chefe de gabinete, outro "mestre" na "teoria da conspiração", ambos demasiado virados para o "social" da coisa e a para a circunstância, e menos para o incómodo da "avaliação" cultural e política;

-porque esta saga inóspita deve entrar no "inventário" dos dois anos de governação "cultural" de D. Barroso por interposto Roseta;

- porque apesar da indulgência cristã com que H. Silveira analisa o mandato do director do Teatro, um módico de bom senso aconselharia a sua remoção a breve trecho dessas funções, podendo quedar-se pela direcção artística, se, depois de devida e amplamente avaliada a sua prestação nestes três anos, tal fosse recomendável (convém lembrar que coordenadores, assessores, chefes disto e daquilo, maestro titular muito ausente, etc etc...é tudo da responsabilidade da direcção que é "um" mais "duas");

-porque- e finalmente - se trata do "meu" Teatro de sempre, o primeiro em que entrei menino para aprender a gostar de música, e de onde me vi forçado a sair mais "adulto" do que quando lá cheguei, de novo, há dois anos.

Nota: Para fornecer os "números" relativos ao orçamento do São Carlos, fui ao site do Ministério da Cultura. Apesar do dom de ubiquidade da adjunta do Ministro e do Secretário de Estado para as questões financeiras, ainda ninguém se lembrou de "actualizar" o orçamento... que "parou" em 2002, o último orçamento "socialista". Mesmo aí se pode ver que, a par com o então IPAE e com o Instituto de Comunicação Social, o São Carlos detinha dos maiores orçamentos de funcionamento de entre os organismos do MC, situação que permanece praticamente inalterada.

22.3.04

ENTRE O CÉU E O INFERNO


O Hamas jurou vingar a sangue o assassinato do xeque Yassin, com a frase "vamos abrir as portas do inferno". Pelos exemplos conhecidos, talvez seja para levar a sério esta bela e tenebrosa imagem. De facto, não podemos representar o que o referido xeque significava no "imaginário" político e religioso de milhares de palestinianos e, por simpatia, de milhões de árabes. Seguramente o suficiente para que muitos deles se deixem imolar no fogo ateado pelos seus próprios corpos contra o ocupante judeu. O gesto do anafado Sharon, justamente condenado por meio mundo, vai certamente provocar mais do mesmo, ou mais "em pior". É só esperar para ver. Enquanto o movimento "Hamas" perdia o seu dirigente espiritual, por cá comemoravam-se os 97 anos da Irmã Lúcia. Lembram-se dela? Nas suas últimas "aparições" públicas, Lúcia revelava-se mais lúcida do que se poderia esperar, deixando transparecer uma certa "esperteza" popular num discurso sempre coerente na sua incoerência. Cada povo tem a emanação divina que merece. Daqui em diante, o céu de Yassin abre as "portas do inferno". Mais modesto, o céu de Lúcia é a mesma luz, entrevista pelos "pequenos", no cimo de uma árvore plantada na planície então deserta e infernal do lugar pobre de Fátima.
À PERGUNTA DO CRÍTICO...

Porquê falar tanto deste teatro [Nacional de São Carlos]? ... responderei mais logo, apesar do Henrique Silveira já ter dado a sua opinião: Porque a ópera é um assunto apaixonante. Porque o S. Carlos é a instituição que recebe mais dinheiro do estado em termos musicais. É pago por mim e por uma data de gente que nem sequer consegue ser bem atendida num hospital público e que vai pagando salários principescos a gente que nem sequer merecia um pontapé no rabo no dia do despedimento com justa causa. Tenho mais do que o direito de falar sobre o assunto, tenho a obrigação. Sinto esse dever moral.

21.3.04

MELHOR É IMPOSSÍVEL


MELVIN:
That's not true. Some of us have great stories... pretty stories that take place at lakes with boats and friends and noodle salad. Just not anybody in this car. But lots of people -- that's their story -- good times and noodle salad... and that's what makes it hard. Not that you had it bad but being that pissed that so many had it good.


-diálogo do filme As Good as It Gets (Melhor é Impossível , de James Brooks, 1997, com Jack Nicholson e Helen Hunt)

Detesto o Inverno. Esperei pacientemente por este dia "um" da nova estação. Um desastre. Não só o tempo mudou- está uma insuportável ventania- como, por razões familiares, acabei a almoçar sozinho, rodeado de anónimos domingueiros bem dispostos, devidamente equipados com as suas inefáveis criancinhas ruidosas. Como estou em fase de transladação e de arrumação de livros, levei para companhia um pequeno livrinho de Henry Miller, que estava noutro lado, de seu título O Sorriso aos Pés da Escada (Edições Asa). Entre percebes, imperial, cabrito e vinho tinto - tudo a que tinha direito...-, fui relendo o epílogo do livro. Como hoje é dia de poesia e de primavera, eu tinha pensado em não fugir ao cliché de aqui colocar poema. Porém, em dois ou três parágrafos de Miller redescobri mais poesia do que em estafadas rimas pobres para consumo fácil. Como eu, a vida e os deuses andamos de costas uns para os outros, como o mundo se insinua volátil e violento, como o "outro" já não é o que era e a entrada da primavera ainda menos, ficamos com as palavras de Miller, um escritor a que nunca nos devemos cansar de voltar. Melhor é impossível.

A alegria é como um rio: corre incessantemente. Parece-me ser esta a mensagem que o palhaço procura transmitir-nos: deveríamos participar no fluxo e movimento contínuos, não pararmos para reflectir, comparar, analisar, dominar, mas continuarmos a fluir, sempre e sempre como a música. Tal é o dom da renúncia, que o palhaço realiza simbolicamente. A nós compete-nos torná-lo real.
Em nenhuma época da história da humanidade esteve o mundo tão cheio de sofrimento e de angústia
[esta prosa é de 1948, mas podia ser de hoje...]. Contudo, aqui e além, encontramos indivíduos que não estão contaminados, manchados pela dor comum. Não são criaturas sem coração, longe disso! São indivíduos emancipados. Para eles, o mundo não é que nos parece. Vêem-no com outros olhos, dizemos que morreram para o mundo. Vivem, no momento que passa, com toda a plenitude, e a radiação que deles emana é um perpétuo hino de alegria.(...) Todas estas abençoadas almas que me fizeram companhia, testemunharam a terna realidade da sua visão. Será nosso, um dia, o seu mundo quotidiano. de facto já é nosso - simplesmente, estamos demasiado empobrecidos para lhe reivindicar a propriedade.

20.3.04

ESTAR CALADO

Eu sou insuspeito de "anti-soarismo". Quase sempre aprecio os comentários e as observações oportunas que Mário Soares traz à nossa paupérrima opinião pública. Esta semana, porém, Soares, ao pronunciar-se acerca do combate ao terrorismo, afirmou que seria preciso mudar de estratégia e, eventualmente, "negociar" com essa rapaziada, tentar compreender as "suas motivações", já que é materialmente impossível extingui-los a todos. Salvo o devido e muito respeito, é incompreensível esta posição de Soares, um homem experimentado em todos os terrenos. Em primeiro lugar, não julgo que se possa comparar a Al Qaeda, por exemplo, com os antigos movimentos de libertação das nossas colónias, tratados pelo regime como "terroristas". Os movimentos de emancipação anti-colonialista não têm rigorosamente nada a ver com estes assassinos anónimos, frios e erráticos, cujos objectivos essenciais estão a milhas de qualquer "negociação política". Em segundo lugar, não há um ténue sinal de que esta gente esteja interessada em dar-se a "conhecer" e em "ser compreendida", e, muito menos, de que esteja interessada em "nos" conhecer. A única coisa que verdadeiramente lhe importa é a humilhação colectiva pelo medo, pelo terror e pela morte. Intui-se, pois, com relativa facilidade, que não há "diálogo" possível ou verosímil com isto, sendo certo que o islão não pode ser confundido com homicidas sem rosto e que a salvaguarda do cosmopolitismo também passa pela denúncia persistente desta nova barbárie. Vir, nesta altura "do campeonato", sugerir conversações impossíveis com quem nem sequer é nem quer ser identificável, faz tanto sentido como defender a invasão do Iraque por causa das "armas de destruição massiva" - que não estavam lá -, ou por causa do próprio "terrorismo", um mal claramente apátrida. Por uma vez , Soares perdeu uma excelente ocasião para estar calado.

19.3.04

O SÍNDROME DA MOCHILA

Dei-me ao trabalho de assistir à entrevista que o primeiro-ministro deu na televisão pública. Ao contrário do que é costume - refiro-me à sua imagem de "resistente" -, achei Durão Barroso cansado. De tal forma que, em determinada altura, eu próprio "passei pelas brasas". Escusado será dizer que a mensagem do chefe do Governo não se afastou praticamente nada do que tem sido o seu "discurso" oficial, um discurso que, segundo as últimas sondagens, não convence ninguém. Só em dois momentos me pareceu que Barroso "variou", no bom sentido. O primeiro, quando esclareceu com alguma firmeza que a escolha do apoio do PSD a um candidato presidencial dependia exclusivamente dele, e que este não era o momento para fazer isso. O segundo, quando pediu aos órgãos de comunicação social que não entrassem numa espiral alarmista em relação ao problema do terrorismo. Julgo que o Presidente da República também apelou no mesmo sentido. Ainda bem. Depois do frenesim da pedofilia, seria inconcebível que as câmaras da televisão se virassem agora para a primeira mochila ou para o primeiro pacote largados nos bancos de um jardim. A mitomania portuguesa e a paranóia habitual tenderão, nos próximos tempos, a ver uma bomba em qualquer objecto nitidamente não identificado. É sobretudo fundamental que, por causa da mochila às costas, da cor da pele, da origem geográfica ou da peça de roupa, se não instale o mínimo clima de suspeição e de discriminação na sociedade portuguesa. A garantia da segurança dos bens e das pessoas não pode, sobre nenhum pretexto, dar azo a qualquer deriva securitária que menorize ainda mais a nossa tão apoucada cidadania. É bom que não se explore este "síndrome da mochila" e que se mantenha, nesta matéria, algum realismo político e um infinito bom senso.

18.3.04

PEQUENO, DEMASIADAMENTE PEQUENO

1. O Teatro Nacional de São Carlos, de que fui efémero dirigente, vive presentemente perdido algures entre o delírio e a intimidação. Pressinto que só não há mais "tensão" interna porque o ambiente é "musical"... O director artístico, que é simultaneamente o director do Teatro, para evitar ter de se relacionar directamente com os corpos artísticos - coro e Orquestra Sinfónica Portuguesa - dispôe de uma figura chamada "coordenador" dos ditos, cujo último titular, tanto quanto sei, se fartou pura e simplesmente do "estilo" dirigente em vigor. O "estilo" é dado fundamentalmente pelo director e por duas senhoras que, em conjunto com parte do gabinete governamental na Ajuda, perfazem a "direcção" efectiva da Casa. Tudo, naturalmente, estimáveis criaturas, repletas de legítimas ambições e com os "contactos" adequados para os tempos em que vivemos. Duvido, porém, que essas ambições coincidam com as expectativas reais do Teatro e com a sua inserção no panorama geral da música em Portugal. O tal "estilo" - errático, mesquinho, prepotente e "pequenino" - revela mais insegurança e pusilanimidade do que qualquer outra coisa. Tudo sob um manto diáfano de um notável exercício de relações públicas destinado a ocultar o essencial. Enquanto dura o "interregno", eu praticamente abstenho-me de frequentar a Casa. Prefiro a minha discoteca. Porém, sei o que se passa. Nomeadamente que a Elisabete Matos, prevista e programada solista no último concerto sinfónico, não apareceu. Não foi a primeira vez que tal aconteceu sob a responsabilidade de Paolo Pinamonti e, a avaliar pelo texto que a seguir reproduzo, sem quaisquer explicações por parte do Teatro. No país virtual da cultura, é como nada de grave se passasse. Por todos os motivos, talvez não fosse má ideia efectuar-se proximamente um "follow up" da inspecção/inquérito realizada em 2001/2002, ao TNSC, pela Inspecção Geral das Actividades Culturais. Um trabalho de auditoria, isento e objectivo, certamente teria muito para "relatar".

Elisabete Matos

2. Segue a opinião do critico musical, que não é o Henrique Silveira, por sinal já a "pagar a factura" de, nos seus textos, não dizer aquilo que o director do Teatro quer ler: nem todos pertencem à "tarimba" de Jorge Calado, do Expresso. Tudo realmente em pequeno, demasiadamente pequeno.

Solistas da Missa de Beethoven no CCB último domingo
Soprano Ricarda Merbeth.
Meio-soprano Olga Savova
Tenor Jorma Silvasti
Baixo Kurt Moll

Que dizer dos solistas; penso que são do pior que se pode ouvir hoje em dia.
Uma concepção da vocalidade velho com utilização da voz como se fosse a única finalidade da criação musical em vez de elemento integrante e estrutural, componente, da partitura. Dito curto e grosso: cantaram todos forte e "profissional" e utilizo esta palavra no seu significado pior; sempre igual sem modulação, sem participação, sem tratamento da voz, sem nenhum respeito pelo texto e sem uma dicção apropriada; o que é isto!? Contudo estiveram presentes, operários de uma arte que precisaria de inspiração. Todos andaram a fugir aos andamentos e a fazer exibicionismo da própria vocalidade que se mostrou, de facto, obsoleta e inútil.
É demasiado fácil. Parece que o Doutor Pinamonti faz de Director artístico apenas tendo como meio o auscultador do telefone. Há muita gente hoje em dia que sabe, e pode, fazer melhor do que estas velhas glórias. Ainda por cima os gostos, as técnicas, a aproximação à execução destas obras mudou profundamente nestes últimos anos e parece que o TNSC, com o Dr. Pinamonti e o Maestro Peskó à frente, nem repararam. Começa a perceber-se por que razão Elisabete Matos cancela todos os trabalhos com o S. Carlos. Sem ser dada uma explicação cabal pela direcção.

17.3.04

A GRANDE ILUSÃO

Como disse no post anterior, não me parece que haja nada para comemorar na vitória do PSD de há dois anos. Digo isto por ter contribuido para o efeito. Morais Sarmento, o taumaturgo, explica que tudo o que foi "preparado" nestes dois anos, frutificará na segunda parte da legislatura e que "já se sente" (ele sente...) a "inversão do ciclo". Perdão, mas do que é ele que está a falar? Pelo caminho, está praticamente consumada a diluição do PP, uma entidade eleitoralmente insignificante, no PSD, e deste na "ideologia" do primeiro. Uma justa alegria para milhares de sociais-democratas! De resto, foram dois anos a enxotar o "centro político", a irritar a classe média, a deprimir o "social", a negar o "económico" e a promover brilhantes mediocridades. Vale a pena continuar assim? O Jumento, a prova viva da recôndita inteligência de algumas alimárias, sugere e eu acompanho: vamos mas é discutir o que nos interessa, ou senão corremos um sério risco de passar metade desta legislatura a discutir a Casa Pia e a outra metade o Bin Laden. Há muito para discutir neste país, incluindo a forma como as nossas forças de segurança são geridas, ou como estão equipadas; mas também há um sistema de educação que nos promete sermos tão atrasados daqui a vinte anos como somos agora; ou um sistema de saúde que parece um mealheiro para alguns interesses; ou um buraco fiscal que nos espreme a existência. E termina, perguntando: vamos fazer um intervalinho para não enjoar?Ou, pergunto eu, para quê insistir na grande ilusão?

15.3.04

PEQUENOS EQUÍVOCOS COM IMPORTÂNCIA


Primeiro. Durão Barroso decidiu comemorar os dois anos de governo de coligação, mandando os seus ministros pelo País em inúteis peregrinações junto dos fiéis. O eco das respectivas perorações chegou aos jornais no momento mediaticamente menos oportuno. Ninguém deu por nada. E nada de especial se perdeu. A conversa oscilou entre a habitual retórica da "retoma" semi-invisível e do crescimento económico anão, e a desvalorização das eleições europeias. Numa sugestiva imagem televisiva do jantar de "aniversário" no Porto, a que presidiu D. Barroso, via-se este ladeado pelo Sr. Marco António, o promissor cacique do PSD/Porto e, numa das mesas, o Sr. Ferreira Torres, do PP e do "direito à indignidade". Dois anos depois, o País dá evidências de que está precocemente farto das "companhias" escolhidas pelo primeiro-ministro. Do governo à maioria, da "rapaziada" dos lugares aos "papagaios" do regime, está criado um clima em que nos perguntamos como foi possível, em tão pouco tempo, gerar tantos "anti-corpos" no lugar onde, brevemente, reinou a esperança. Comemorar, pois, o quê ?


Segundo. Como uma ou duas desgraças nunca chegam sós, o grande amigo de D. Barroso, o Sr. Aznar, saiu vexado de oito anos de poder razoavelmente bem exercido. Acontece que o "povo" não aprecia ser enganado, sobretudo quando está profundamente ferido. A remoção do PP "pela direita baixa" e a emergência do PSOE do discreto Zapatero representam um dado importante no momento por que passa a Europa. Dividida entre a "tentação atlântica" e o reforço do seu "núcleo duro", a Europa "tagarela" e impotente, viu entrar- lhe portas adentro, da maneira mais espectacular e trágica, o terrorismo assassino. As bravatas musculadas do "quarteto açoreano" começam a revelar-se no seu impotente esplendor. Aznar foi só a "primeira vítima". As grotescas manobras mal amanhadas e apressadas de "reforço da segurança" interna e as "garantias" juradas de que "não há problemas", não valem rigorosamente nada perante o atomismo dos ataques terroristas e a nossa impotente vulnerabilidade. Há um ano, quando tudo começou no Iraque, houve quem avisasse que, quais criadores de abelhas, os "salvadores da democracia iraquiana" podiam estar a lançar um autêntico vespeiro assassino sobre o mundo. No "nosso" mundo, felizmente, existem eleições livres e, mesmo que tardiamente, tudo se pode remediar. Por enquanto, resta-nos esperar que a nossa quase total irrelevância possa ser a "salvação".


Terceiro. Eu leio e normalmente gosto das crónicas que Clara Ferreira Alves escreve na revista Única do Expresso, sob a designação de A Pluma Caprichosa. Li igualmente com imenso agrado o primeiro livro que as colige, com o mesmo título. Sucede que na última crónica, Clara decidiu exprimir, em "letra de forma", a sua repulsa por Cavaco Silva. A graça, a elevação, a fina ironia, o traço impressivo, a frase oportuna e "culta" que Clara costuma emprestar aos seus textos, varreram-se por completo desta pequena abjecção. Entre outras pérolas, Clara antevê o "futuro" nas pessoas de Santana Lopes e de Paulo Portas, e personifica em Cavaco o putativo regresso a um medonho e indesejável passado. Eu percebo por que é assim. Não foi a Clara Ferreira Alves, sagaz cronista e amante de livros, quem escreveu o panfleto. Foi uma outra Clara, a que dirige a Casa Fernando Pessoa e que, como tal, é "empregada" de Santana Lopes, quem quis "agradar" ao "chefe". Apesar do gesto ser humanamente compreensível, por que não seguiu, Clara, nesta matéria, o conselho de Wittgenstein?

13.3.04

EMBUSTES

Marie Claude Pietragalla

Na edição do Le Monde, de 11 de Março, vem uma história curiosa que de seguida reproduzo no original. Se retirarmos os aspectos meramente pessoais relativos a Marie Claude Pietragalla, se mudarmos os nomes dos intervenientes e algum circunstancialismo, e se, no lugar da Pietragalla, imaginarmos a direcção de um teatro de ópera em Portugal (descontando, naturalmente a beleza e o talento profissional da bailarina), no lugar dos administradores que não "aguentaram" a Pietragalla, alguns vogais do tal teatro de ópera e, se em vez do "ambiente" criado pela bailarina-directora no Ballet de Marselha, pensarmos no ar malsão, disfarçado com imenso perfume de mulheres, que se respira no referido teatro, a "história" poderia perfeitamente escrever-se em português, feitas as necessárias adaptações. Para quem domine a língua francesa e se interesse pelo futuro da ópera em Portugal, trata-se de um mero passatempo, estilo "veja as diferenças". A maior de todas é que Marie Claude Pietragalla já não é a "direcção" do Ballet de Marselha. No entanto, foram precisos seis anos para que o poder político, central e municipal, em França, tivesse percebido o que é que se passava. Como cá é tudo geralmente "de compreensão lenta" ou do estilo de "assobiar para o lado", e como nem sequer está em causa nenhuma "estrela", é provável que aos três anos que já passaram se somem outros tantos. Lá como cá, os embustes levam tempo a cair. Mas caem.

Pietragalla l'étoile vaincue

por Michel Samson

Tout avait si bien commencé. Le 28 septembre 1998, Marie-Claude Pietragalla danse avec le Ballet national de Marseille (BNM), dont elle vient de prendre la direction, sous la bénédiction conjointe de Catherine Trautmann, ministre socialiste de la culture, et de Jean-Claude Gaudin, maire UMP de Marseille. La danseuse étoile de l'Opéra de Paris, sauvagement belle, corse et indépendante, est acclamée par le public et les représentants des tutelles administratives présents à cette première. "Et si les applaudissements saluaient l'étoile, ils étaient comme autant de souhaits de bienvenue", écrit La Provence sans se tromper.

La belle Gisèle en a besoin. Roland Petit, qui a régné en monarque absolu sur le ballet durant vingt-six ans, est parti avec ses chorégraphies : vexé qu'on n'ait pas nommé le successeur de son choix, il interdit qu'on joue ce qui est le cœur de répertoire du ballet. A 35 ans, Marie-Claude Pietragalla se lance dans une tâche titanesque. Elle bâtit un répertoire, invite des chorégraphes, en même temps qu'elle danse, administre et prépare la diffusion des œuvres à peine écloses. Arrivée la première dans les locaux cubiques et blancs bâtis pour son prédécesseur, elle ne quitte les studios que pour son bureau du deuxième étage quand la troupe est partie. Le soutien ne lui manque pas : "J'ai trouvé toutes les équipes très motivées, remarque-t-elle à ce moment-là, les danseurs sont formidables et les chorégraphes qui viennent sont étonnés par leur capacité à s'adapter à tous les styles."

Ceux qui ont, depuis, rompu avec elle ont le même souvenir : "On a travaillé d'arrache-pied pendant six mois", se souvient une ancienne, qui accueillait "une telle star"avec enthousiasme. Corps de ballet, un autre ancien parle de "la bouffée d'oxygène apportée par une si belle danseuse".

La grande aventure prend forme au moment de Sakountala, création qui mêle des danseurs et des artistes de cirque dans une évocation flamboyante de la vie de Camille Claudel. Dans le maelström d'énergies déployées, les premiers craquements passent inaperçus. Travail acharné, don total de la créatrice, les danseurs acceptent l'intensité, mais sont parfois effrayés. La chute sans dommage d'un technicien d'un haut mur du décor provoque par exemple une inquiétude qu'ils taisent. Le spectacle triomphe à Marseille, puisque treize mille personnes viennent le voir au Dôme. Mais il a coûté cher et s'exporte mal, en tout cas pas autant que le travail investi aurait pu le laisser espérer. Marie-Claude Pietragalla estime aujourd'hui que la diffusion en a été "sabotée" et qu'à partir de ce moment-là une sourde résistance à tous ses projets s'installe dans l'administration de la compagnie, qu'elle trouve pléthorique. Elle croit encore qu'elle pourra la bousculer, mais c'est le contraire qui se passe : les choses se crispent. La future déléguée syndicale Jacqueline Ginoux, déjà membre de la CGT, travaille d'ailleurs dans l'administration du ballet. La lutte entre les deux femmes va être terrible.

Chez les danseurs, le remplacement de titulaires par des intermittents ou des élèves choque, mais le turnover est encore accepté. D'autant que beaucoup ont été titularisés alors qu'ils vivaient dans la précarité sous le règne de Roland Petit. Et des jeunes artistes arrivent, attirés par le prestige immense de "la Pietra". Ils sont encore émus de la rencontre, comme ce soliste qui avoue : "Elle m'a appris à entrer sur scène."

La crise qui couve s'envenime avec la retombée des enthousiasmes initiaux et les difficultés à tout tenir à la fois : renouvellement du répertoire et tournées, installation sur les grandes scènes et volonté d'ouverture vers de plus humbles salles. Dans la troupe, les mises à l'écart sont vécues douloureusement. Les rivalités et les lourdeurs administratives exaspèrent Marie-Claude Pietragalla, qui devient cassante après avoir demandé qu'on la tutoie. Devant les machines à café où l'on se repose, où l'on mange, fume et bavarde, les rumeurs vont bon train. Les réputations s'y font et s'y défont. Une danseuse commente : "Je me disais : est-ce que je vais danser si je prends un café avec untel ?"

La bonne ou mauvaise humeur de la nouvelle directrice désireuse de changer les choses deviennent le baromètre d'une ambiance qui s'alourdit. Une soliste qui a connu les deux se souvient : "Avec Roland Petit, c'était dur. Mais, avec elle, on éprouvait surtout un sentiment d'injustice." Ceux qui veulent s'adresser à elle n'osent plus : "Je n'avais qu'une peur : être sous le feu de Pietra", dit un danseur, qui deviendra délégué du personnel. Mais tant que les danseurs restent cois, rien ne peut bouger dans un ballet : ils en sont l'âme.

Il faut pourtant parler, partager ses inquiétudes, en faire part aux tutelles - ville, ministère et région. Quelques salariés décident de se rencontrer hors les murs, dans un bar blotti au fond du parc Borély, à quelques centaines de mètres du ballet. En ce mois d'avril 2001, dans une ambiance un brin conspiratrice, le soir venu, des danseurs et des administratifs rencontrent donc Serge Botey, adjoint à la culture, et Jean Mangion, directeur de la culture de la ville de Marseille. On leur raconte les tensions, on leur décrit une situation financière et administrative catastrophique - et on leur demande la discrétion.

Le lendemain survient un choc brutal dont l'écho retentit encore trois ans après. Fulminante et glacée, Marie-Claude Pietragalla réunit tous ses danseurs dans le grand studio, le lieu même de la vie, des répétitions, des exercices, l'endroit familier et magique où tout se joue. Et elle lance : "Vous ne sortirez pas d'ici tant que je ne saurai pas qui était là-bas." Les conjurés sont abasourdis d'avoir été trahis, stupéfaits d'être ainsi traités. Le silence est interminable mais personne ne se dénoncera.

De ce moment resteront des traces indélébiles. D'abord sous la forme d'une section syndicale CGT, créée à ce moment-là, qui deviendra une interlocutrice obligée, une informatrice des tutelles, et s'adressera parfois au public avant les représentations. L'inscription des conflits dans un cadre syndical, après tout bien ordinaire, prend dans cette entreprise où les corps et les ego jouent un rôle majeur une dimension pathétique : tout désaccord s'y fige. La disgrâce passagère perd toute fluidité, le "désaccord esthétique", avancé comme argument, cache des divergences syndicales, et réciproquement. Ensuite, à compter de ce jour, la haine s'instillera dans cette maison de la danse. Marie-Claude Pietragalla se dit aujourd'hui persuadée que ses propres danseurs ont, par moments, voulu l'agresser physiquement - et qu'elle l'a senti durant les représentations. Les danseurs rient ou enragent de cette accusation qu'ils trouvent insensée. Cette polémique serait ridicule si elle ne disait l'intensité atteinte dans le ressentiment.

La crise, devenue publique, inquiète les tutelles. Le ministère de la culture diligente à l'automne une inspection, achevée en février 2002, qui rend hommage au travail de la directrice : "La construction d'un nouveau répertoire et les conditions de sa mise en œuvre constituaient un véritable défi que Marie-Claude Pietragalla a relevé", y lit-on. Il prend cependant en compte les faits dénoncés par les contestataires et les minimise : ils "n'ont jamais eu (...) un caractère de gravité tel qu'on puisse les apparenter à une quelconque forme de harcèlement moral". Le texte constate que la "mauvaise organisation est avant tout structurelle et commande une refonte approfondie de l'organigramme". Il a pour résultat de commencer à le transformer : Mlle Pietragalla reste l'incontestable directrice artistique mais, pour qu'elle puisse se consacrer à son art, on nomme un administrateur général. Les tutelles, qui redoutent de se séparer d'une artiste magnifique, reconnue et adorée du public, lui ont donc accordé une deuxième chance.

Marc Sadaoui, ancien directeur de cabinet de Catherine Trautmann, arrive en juin 2002 pour prendre en charge l'administration de cette institution troublée. Sa compétence, au départ reconnue de tous, son onctuosité doivent permettre de ramener le ballet vers des eaux plus sereines. Il se met au travail mais échoue à reformer en profondeur la maison secouée de conflits. Et qu'un amour va encore agiter. Car Julien Derouault, danseur soliste, et Mlle Pietragalla vivent une passion qui devient l'affaire du ballet : l'ami de la directrice est en effet nommé chorégraphe adjoint et, comble de maladresse, se fait élire délégué syndical Force ouvrière, avec 22 % des voix. Tout se complique un peu plus. Ses déclarations ne sont plus perçues que comme la voix de la direction, ses colères comme celles d'un porte-parole. Et il n'est pas adroit : il s'emporte en traitant des danseurs de "mongoliens" ou de "fascistes". Des mots qui, exactement rapportés ou non, sont gravés dans les esprits de ceux qui n'étaient pas les plus mal disposés à l'égard de son amie.

Et voilà que, le 2 février 2004, Marc Sadaoui, écartelé, démissionne sans crier gare, avant de se murer dans le silence. La crise explose : il est, en effet, le troisième administrateur à partir depuis septembre 1998. Le premier a quitté son poste quand "la Pietra" est arrivée, mais deux autres ont aussi jeté l'éponge. La majorité du personnel manifeste sa colère avec une pétition demandant le départ de la directrice : elle est signée par soixante-deux salariés sur soixante-dix-huit, dont "87,5 % des danseurs". Pour la première fois de leur vie, le 19 février, danseurs et danseuses bravent le froid pour se mettre en grève et manifester devant l'hôtel de ville. Le ministre Jean-Jacques Aillagon, présent à Marseille ce jour-là, lâche l'étoile qu'il a reçue deux fois dans les mois précédents : il déclare publiquement qu'elle devrait démissionner. Elle s'y refuse, ce qui rend la situation d'autant plus inextricable qu'elle est enceinte, et donc protégée. Quelques jours plus tard, les contestataires interrompent une conférence de presse de présentation du programme que doit danser le Ballet national à La Criée, Théâtre national de Marseille. Ils annoncent qu'ils se mettront en grève si leur directrice n'est pas partie d'ici au 11 mars, jour de la première. Et ils obtiennent gain de cause : le conseil d'administration se réunit le 27 février et prend acte "de la volonté de monsieur le ministre (...) que soit engagé le processus de renouvellement de la direction du BNM". Le préavis de grève est levé, le ballet dansera jeudi 11 mars.

Il répète Métamorphoses II, chorégraphie de Marie-Claude Pietragalla pour six danseuses à qui elle ne parle plus. Ces "danseuses masquées sont le reflet d'un quotidien privé d'expression et noyé dans l'anonymat", dit l'argument écrit de la chorégraphie. Aux répétitions qui se tiennent dans les locaux du ballet, les danseuses travaillent sous la direction de Julien Destel, danseur soliste, répétiteur dévoué, respecté de toutes et qui, geste après pointe, fait défiler les figures. A La Criée, les répétitions sont fermées. On apprend que la chorégraphe, murée dans son silence, est installée en haut de la grande salle. Elle transmet par micro ses corrections à son chorégraphe adjoint, Julien Derouault, qui les transmet à son tour aux danseuses.

Un technicien qui assiste à ces répétitions sans échanges directs assure que, malgré la haine palpable qui règne dans la troupe, le spectacle sera "magnifique". Il se persuade que le ballet assurera "demain, comme il l'a fait partout et toujours, son travail et que le public, qui est toujours resté fidèle, le reconnaîtra". Et brusquement, ce costaud au long passé professionnel, se met à pleurer : "Vous ne vous rendez pas compte comme c'est dur. Je n'ai jamais vu ça. Ce n'est pas dur : c'est inhumain comme ambiance, inhumain..."

Evidemment blessée, Marie-Claude Pietragalla, qui a refusé de recevoir Le Monde pour cet article, n'est pourtant pas du genre à s'avouer vaincue. Le soir de ces répétitions qui font pleurer son régisseur, elle est invitée au Théâtre Toursky de Richard Martin, où elle a dansé Ni Dieu ni maître sur Léo Ferré, idole du lieu. Face à cent cinquante personnes venues lui dire leur amour, "la Pietra" passe, sans ciller, de l'émotion face à tant d'amour affiché à une froide colère. Elle revient sur les détails "de la grande manipulation" dont elle est victime et annonce au public outré qu'elle vient de recevoir une lettre de licenciement pour faute grave. Une femme submergée de timidité sort un morceau de papier sur lequel elle a écrit son compliment de peur d'être trahie par l'émotion. Elle se lance :"J'ai beaucoup d'amour pour vous, vous êtes l'étoile merveilleuse qui nous est tombée du ciel." Les négociations entre la danseuse étoile et le BNM se poursuivent pourtant. Mardi soir 9 mars, elles échouent. Pietra s'oppose alors à ce que le ballet joue ses chorégraphies : le spectacle à La Criée est annulé. Marseille a tourné la page Pietragalla.


(Le Monde, 11 de Março de 2004)

12.3.04

MADRID, 11 DE MARÇO DE 2004

REMORDIMIENTOS EN TRAJE DE NOCHE

por José Luis Piquero

¿Qué estoy haciendo aquí, qué hacemos todos
copa en mano, apurando el indolente
pitillo de la fiesta, tan tranquilos
y pasándolo bien, como si nada
sucediese en el mundo, como si
tuviésemos derecho y fuese lógico?

Hagamos una pausa. Considero
las desdichas del prójimo: una guerra
remota, la sequía en las regiones
del hemisferio sur, o una explosión
en una calle atónita, rompiendo
en mil pedazos cuerpos como el mío.

Cosas que causan víctimas, monstruosos
terremotos, miseria. Y no obstante,
¿acáso es justo que la indiferencia
sea cifra de culpabilidad?

Sabemos que convierte en inocente
a la víctima: haber sido la víctima,
estar allí en el momento indicado,
naciendo, paseando, siendo uno,
como si no existiese una inocencia
original, sino sólo complejos resortes
del azar que repartiesen
inocencias terribles.

Es así
que el condenado a muerte inspira alguna
simpatía. Nos consta que, a su vez,
es víctima, instrumento de un designio
inescrutable, brazo de otros móviles.
Y sobre todo, aquel a quien mató,
qué fue sino uno más, otro culpable
que cualquier circunstancia expuso un día
a mortal inocencia.

Por lo tanto
la indefensión redime, y al fin somos
cada uno de nosotros potenciales
víctimas y posibles inocentes,
y ser culpables sólo es un estado
de probabilidad, como una espera.

Y estamos aquí solos, con la carga
de la culpable y frágil salvedad,
sabiendo que pudimos ser los otros,
nacer allí, pasar en ese instante,
pero siendo nosotros y aliviados
y pasándolo bien, que es lo más lógico.

Empuñando la copa y el pitillo
como imposible escudo contra el miedo.


Monstruos Perfectos

11.3.04

QUESTÃO DE "CABEÇAS"

Cerca de dois mil cientistas e investigadores franceses apresentaram simultaneamente a demissão. Protestam contra os cortes orçamentais para o sector e reclamam, do governo e do Presidente da República, um sinal de que a investigação científica não vai correr perigo por causa da "intendência". Pertencem aos diferentes níveis das respectivas "cadeias" hierárquicas, ou seja, não são apenas os pieds noirs da investigação gaulesa quem se incomoda. Esta situação, aparentemente constrangedora para a pátria das Luzes, seria impossível por cá, por diversas razões. Desde logo, porque não temos propriamente uma tradição robusta em matéria de investigação científica e tecnológica. O que há é frágil, pequenino e muitas das vezes "a leste" da realidade "nacional" que supostamente deve servir. O francamente "bom", tende, assim que pode, a escapulir-se para fora e por lá fica a medrar. Os governos, todos, incorporam num ministério a investigação científica, mais como uma "flor na lapela" do que qualquer outra coisa. A mais recente excepção foi, no consulado de Guterres, Mariano Gago. Se a "intendência" é má para a investigação em França, imagine-se o que não será aqui, particularmente nestes tempos de feroz contagem das décimas. Finalmente, há a questão da atitude "cívica". É inimaginável vermos os nossos investigadores, ou outra "classe" qualquer, e os seus dirigentes, a "baterem com a porta" desta forma. A inveja, o ciúme, o ressentimento, o egoísmo, enfim, a infinita "dor de cotovelo" nacional, de mão dada com o proverbial "respeitinho", impedem qualquer extravagância deste género. E, depois, a qualificação, não sendo para nós uma prioridade política, nada pode dizer ao cidadão comum. Entre a bola, o betão, o jet set e a Casa Pia, de um lado, e "maçadas", do outro, não há que hesitar. Tudo, em França como aqui, se resume, afinal, a uma "questão de cabeças".

10.3.04

O OURIÇO E A RAPOSA

Num maravilhoso ensaio sobre Tolstoi e Dostoievsky - mas que é bem mais do que isso... - , Isaiah Berlin recorre à fábula do ouriço e da raposa para introduzir o seu tema. Fá-lo nos termos seguintes:

There is a line among the fragments of the Greek poet Archilochus which says: 'The fox knows many things, but the hedgehog knows one big thing'. Scholars have differed about the correct interpretation of these dark words, which may mean no more than that the fox, for all his cunning, is defeated by the hedgehog's one defense. But, taken figuratively, the words can be made to yield a sense in which they mark one of the deepest differences which divide writers and thinkers, and, it may be, human beings in general. For there exists a great chasm between those, on one side, who relate everything to a single central vision, one system less or more coherent or articulate, in terms of which they understand, think and feel-a single, universal, organizing principle in terms of which alone all that they are and say has significance-and, on the other side, those who pursue many ends, often unrelated and even contradictory, connected, if at all, only in some de facto way, for some psychological or physiological cause, related by no moral or aesthetic principle; these last lead lives, perform acts, and entertain ideas that are centrifugal rather than centripetal, their thought is scattered or diffused, moving on many levels, seizing upon the essence of a vast variety of experiences and objects for what they are in themselves, without consciously or unconsciously, seeking to fit them into, or exclude them from, any one unchanging, all-embracing, sometimes self-contradictory and incomplete, at times fanatical, unitary inner vision. The first kind of intellectual and artistic personality belongs to the hedgehogs, the second to the foxes.

Em síntese, o que Berlin nos explica é que, do mundo da literatura ao do humano puro, ao do "demasiado humano", encontramos fundamentalmente dois tipos de pessoas. À primeira categoria pertencem aqueles que são movidos por orientações, princípios e objectivos permanentes que se sustentam na coerência e na constância, aos olhos dos próprios e aos olhos dos outros. Na segunda categoria estarão os que, por motivos psicológicos, fisiológicos ou de demais natureza, se comportam de forma errática, "centrífuga", difusa, e sempre em situação de grande precaridade ética, na prossecução, consciente ou inconsciente, dos seus "objectivos". Os primeiros pertenceriam à classe dos "ouriços," enquanto que os segundos seriam as "raposas". Isaiah Berlin abre o ensaio citando Arquíloco, o poeta grego: "a raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma coisa muito importante". Lembrei-me deste texto por causa dos comentários que o lançamento do livro de Cavaco Silva anda a provocar nas habituais e conhecidas "cabecinhas comentadeiras". Quase todas conseguiram ler nas entrelinhas do livro e das apresentações feitas pelo autor, sinais de que ele "avança" e sinais de que ele "não avança". Parece que, ao fim destes anos todos, ainda não conseguiram captar a essência do homem. A última coisa de que Cavaco precisa e quer, é confundir-se com uma "raposa", espécie que grassa por aí, devastando a nossa paupérrima paisagem política. Não é por acaso que ele pergunta ao jornalista se acha que ele (Cavaco) sente saudades da "vida político-partidária". Podia ter dito "política" apenas, mas não disse. Não foi inocente nem predador inconsequente. Foi "ouriço". Ao estado a que isto chegou, começa a ser claro que só Cavaco e mais um ou outro "ouriço", facilmente identificável, é que ainda sabem "coisas muito importantes".

9.3.04

NA HORA CERTA (actualizado)



Como um puto ansioso perante à ameaça de se ver privado de um brinquedo cobiçado, Santana Lopes fez questão em reagir, algures na Europa central, ao lançamento de um livro em Lisboa. Falou desse livro como coisa inteiramente do passado, respeitável na contabilidade dos eventos que lhe dizem directamente respeito, porém sem que o autor tivesse o "direito" a revelar os seus (dele, Lopes) "sentimentos" e intimações. Lá muito mais para diante, se for caso disso, ele próprio escreverá as suas memórias, depois de ter "servido" Lisboa, em particular, e a Pátria, no geral. Só o futuro lhe importa, disse, e o tal livro, juntamente com o autor, presume-se, é poeira passada. Santana Lopes, até pela circunstância de ser o primeiro vice-presidente do PSD, autarca da maior cidade e estratega da coligação, representa hoje, paradoxalmente, o "baronato" partidário de que Cavaco Silva, em dado momento, se fartou. Os "novos barões" estão agora no "pacto de geração" que julga poder mandar até, pelo menos, 2010. Toda a gente que pensa alguma coisa na sublime aliança, deve ter percebido que Cavaco já está para além da aritmética contratada entre Portas, Santana e Barroso. Muito menos depende dela. Praticamente basta-lhe querer ser candidato e, depois, Presidente. E é assim que deve ser, no tempo adequado, que não é este, o do calendário privado de Santana. Ironicamente, o primeiro-ministro que fazia gala em governar contra "os interesses", foi-se embora porque percebeu que, à conta do seu nome e do seu prestígio, proliferavam "novos riquismos" na casa política que ele engrandeceu sozinho. Esta pequena revelação, no 2º volume da Autobiografia Política de Aníbal Cavaco Silva (Círculo de Leitores e Temas e Debates), vale mais do que as escaramuças com Soares. Este Cavaco "escritor", mais solto, mais "político" e mais conversável, não deixa de ser o mesmo homem íntegro, responsável e credível que governou o País por uma década. Felizmente não tem feitio para "brincar às casinhas", não é excessivamente dado a "estados de alma" e apresenta um passado promissor. Palpita-me que os meus compatriotas saberão assinalar muito bem a diferença entre aventuras e certezas, na hora certa.

8.3.04

NO DIA INTERNACIONAL DA MULHER...

...o regresso de ulisses,

por MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS

O HOMEM É UMA MULHER QUE EM VEZ DE TER UMA CONA TEM UMA PIÇA, O QUE EM NADA PREJUDICA O NORMAL ANDAMENTO DAS COISAS E ACRESCENTA UM TIC DELICIOSO À DIVERSIDADE DA ESPÉCIE. MAS O HOMEM É UMA MULHER QUE NUNCA SE COMPORTOU COMO MULHER, E QUIS DIFERENCIAR-SE, FAZER CHIC, NÃO CONSEGUINDO COM ISSO SENÃO PRODUZIR MONSTRUOSIDADES COMO ESTA FAMOSA "CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL" SOB A QUAL SUFOCAMOS MAS QUE, FELIZMENTE, VAI DESAPARECER EM BREVE.
PELO CONTRÁRIO, A MULHER, QUE É UM HOMEM, SOUBE SEMPRE GUARDAR AS DISTÂNCIAS E NUNCA PRETENDEU SUBSTITUIR-SE À VIDA SISTEMATIZANDO PUERILIDADES, COMO FILOSOFIA, AVIAÇÃO, CIÊNCIA, MÚSICA (SINFÓNICA), GUERRAS, ETC. ALGUNS PEDANTES QUE SE TOMAM POR LIBERTADORES DIZEM-NA "ESCRAVA DO HOMEM" E ELA RI ÀS ESCÂNCARAS, COM A SUA CONA, QUE É UM HOMEM.

DESDE O INÍCIO DOS TEMPOS, ANTES DA ROBOTSTÓNICA GREGA, OS ÚNICOS HOMENS-HOMENS QUE APARECERAM FORAM OS HOMENS-MEDICINA, OS HOMENS-XAMAS (HOMOSSEXUAIS ARQUIMULHERES). ESSES E AS AMAZONAS (SUPER-MULHERES-HOMENS). MAS UNS E OUTRAS ERAM DEMAIS. E DESDE O INÍCIO DOS TEMPOS QUE PENÉLOPE ESPERA O REGRESSO DE ULISSES. MAS O REGRESSO DE ULISSES É O HOMEM QUE É UMA MULHER E A MULHER QUE É UMA MULHER QUE É UM HOMEM.



Mário Cesariny

7.3.04

NÃO POSIÇÕES

A esta geração que se orgulha da sua superficialidade.
Philip Roth

Primeira. A doutrina oficial do "PSD em coligação", devidamente verbalizada a propósito do incómodo assunto da IVG, é ter uma "não posição". Esta originalidade traduz-se, entre outras coisas, em "disciplinar" os deputados ou pô-los a dizer patetices inócuas. O objectivo é sempre o mesmo, não beliscar o "braço direito" da coligação, a verdadeira "mão que embala o berço". A encomenda prevista para as eleições europeias - a "força" - é apenas mais uma folclórica sequela do propósito. A julgar pelos "estudos de opinião", o PSD não está a ganhar nada com ele.

Segunda. O primeiro-ministro vai ao Brasil dar "conselhos" a Lula da Silva. Leva a costumada corte de empresários e a desafinada música da retoma anunciada. Só ele "puxa" verdadeiramente por isto. Os mesmos "estudos de opinião" mostram que a Pátria está pronta para dispensar praticamente todo o Governo, à excepção do "grande timoneiro". A uns dias de fazer dois anos de vitória, D. Barroso tem poucas razões para comemorar. Não se entende por que insiste em fazer da sua governação uma enorme "não posição", permanentemente refém de umas décimas burocráticas e de criaturas que se enganaram na vocação.

Terceira. O PS, em vez de aproveitar a "não posição" devidamente institucionalizada, insiste em mostrar ao País que não se consegue entender consigo mesmo. Pina Moura, ex-"cardeal", uma verdadeira ave de rapina, educada anos a fio no leninismo estalinista e rapidamente convertida às virtudes dos "interesses" rapaces, já deu o seu contributo contra Sousa Franco. Outros, menos vorazes, também não simpatizam com a escolha e vão roendo por dentro. Convinha perguntar-lhes se querem ou não querem ganhar as eleições europeias, ou se a isso, preferem a teoria conspirativa de um sotão cheio de pó.

Quarta. A propósito de um avião, de um pianista e de um futebolista, gerou-se um pequeno fait divers. É-me indiferente que os aviões tenham o nome de escritores, músicos, jogadores ou do sr. Asdrúbal. O ideal, para não melindrar ninguém, era terem números, como as ruas e as avenidas de Nova Iorque. O que eu não gosto é que, por causa de um tão efémero evento como o Euro 2004 - e exclusivamente por causa dele - se tenha "pintado" um avião de fresco, travestido de publicidade à bola e devidamente "renominado". Não enxergo (limitação minha) a utilidade da função e não me passaria pela cabeça comparar as personalidades dos Snrs. Eusébio e Viana da Motta nem as respectivas actividades, ambas certamente meritórias. Apenas registo o género de "prioridades" em vigor.

Quinta. Por estes dias, chega ao fim a comissão de director geral do director do Teatro Nacional de São Carlos. Iniciada em Março ou Abril de 2001 pelo Sr. Sasportes, e aplaudida de pé pelo actual poder político, de Belém a São Bento, esta passagem de Paolo Pinamonti pelo nosso único teatro lírico, caracterizou-se tanto pela genérica qualidade das produções que tem apresentado, como pelas trapalhadas que têm ocorrido sob a sua gestão. A perguntarem-se, da tutela a Jorge Sampaio, por que é que em apenas três anos, Pinamonti viu passar pela sua direcção meia dúzia de vogais - que nada tinham que ver entre si e que não podiam ser todos coincidentemente maus, uns demitidos, outros demitindo-se, e alguns cúmplices - , preferem, à boa e deslumbrada maneira portuguesa, "deixar arder que o meu pai é bombeiro" e encomendar-lhe novo mandato. Ámen.

6.3.04

A MONTANHA E O RATO

O Independente revelou nomes e fotos de 120 e tal pessoas que a investigação do "Processo Casa Pia" entendeu "mostrar" às testemunhas, eventuais vítimas de abusos sexuais, para efeitos de identificação de arguidos. Um dos incluídos no "álbum", Narana Coissoró, lembrou que ali estavam muitos nomes e fotos das "elites" nacionais, fossem de que área fossem, com a estranha excepção do sector das duas magistraturas e da polícia de investigação criminal. Tem razão. Já que aparentemente houve tanto cuidado em juntar o maior número possível de "figuras públicas" de diversas áreas, por que não foram colocadas fotos de mais sectores institucionais ou outros? A resposta parece-me relativamente simples. O procedimento, de per si, não é errado. É uma técnica de investigação como qualquer outra. Porém, neste caso, e logo desde o início, criou-se e deixou-se alastrar pela opinião pública a ideia de que por trás do crime estavam os "poderosos" e, sendo "poderosos", convinha que estivessem "em rede". Num País relativamente miserável como o nosso, "poderosas" são as figuras e os rostos que as televisões, as revistas e os jornais mostram. As magistraturas sempre olharam para isto com um misto de inveja e de ressentimento. Gostavam de "lá" estar e de "não" estar ao mesmo tempo. Ao consentir na orientação da investigação neste sentido, viram aqui mais uma oportunidade para "limpar" um "sistema" que intimamente desprezam. No meio disto tudo, porém, existem seguramente vítimas de um crime concreto. E não sabemos se os criminosos, os verdadeiros, vão ter o seu castigo ou se os inocentes vão ser absolvidos. O que sabemos é que a legítima indignação de muitos se confundiu demasiadas vezes com a demagogia barata e sensacionalista de alguns. Prestações como as do Sr. Namora, por exemplo, que começou no Expresso e acabou no jornal O Crime, dizem bem da sua extraordinária credibilidade e da "serenidade" com que tem "apoiado" a investigação. Tudo visto e ponderado, estou certo de que a justiça "justa" jamais poderá ser aquela que se apoia, ingenua ou convictamente, no "triunfo do recalcado". Ou, como disse Mário Soares, que também faz parte do "álbum", oxalá a "montanha" não acabe "a parir um rato".

5.3.04

CIDADÃO LIVRE

Numa rápida viagem pelo "blogoespaço", apercebo-me que o Gabriel "fechou" o seu blogue. Eu lastimo que o tenha feito, embora prossiga nesta "actividade" num outro espaço colectivo e prometedor, Blasfémias. Estes nossos pequenos entretenimentos valem o que valem, porém possuem a virtude maior de serem livres. Quando hoje percorremos a maior parte das folhas dos jornais, encontramos demasiada espuma e excessivo convencionalismo. Por aqui, entre nós e para os nossos eventuais leitores, sopra um suave vento de liberdade, comum aos conhecidos e aos anónimos. É este o maior património deste género de escrita, tantas vezes grave na sua (insustentável) leveza. O cidadão livre, que é o Gabriel, partilhou o que entendeu e até quando o entendeu. Não podia ser de outra maneira. Um cidadão livre é aquele para quem cada manhã é rouquidão e risco, exaltação e derrota, alguém que se olha a si e ao mundo bem de frente, tendo o cuidado de, em nenhuma circunstância, se curvar demasiado.

4.3.04

AINDA A CULTURA...



O compositor e Prémio Pessoa Emmanuel Nunes que, para felicidade dele, vive e trabalha em Paris, escreveu uma notabilissima "Carta Aberta ao Governo e ao Conselho de Administração da Casa da Música" do Porto, publicada na edição do jornal Público. Junto-a ao repertório de reflexões sobre o estado da cultura no "Portugal coligado" que têm sido escritos neste "blogue", matéria sobre a qual D. Barroso e os "seus" não conseguem acertar o passo.

CARTA ABERTA AO GOVERNO E AO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA CASA DA MÚSICA

Por Emmanuel Nunes

Este duplo endereço foi-me logicamente imposto na medida em que, caso as instituições ainda funcionem com um mínimo de rigor constitucional, certas decisões da máxima responsabilidade tomadas pelo CA da Casa da Música são necessariamente aprovadas pelo Governo na pessoa do ministro da Cultura. Decisões da máxima responsabilidade foram não só a expulsão de Pedro Burmester desse CA, como a sua não nomeação para o cargo de director artístico. Pedro Burmester cometeu um erro político tão grave quanto raro: ousou abertamente alertar as entidades governamentais e a opinião pública no sentido de que o CA a que pertencia preparava-se para desnaturar as funções primordiais do seu próprio projecto, tanto no plano arquitectónico interno, como, a longo prazo, nas bases fundamentais duma futura orientação cultural.

O projecto tal como ele o concebeu e defendeu possuía a semente desse erro: a Casa da Música deveria tornar-se um centro nacional e de utilidade pública ao serviço da vida musical e teatral de Portugal, e, através dessa função (não sem ela!), lograr uma projecção internacional simplesmente pela qualidade das diversas realizações - acção bem mais importante que a de qualquer embaixador cultural. Uma tal ambição é obviamente contraditória com a ideia de cultura enquanto mercadoria sujeita a critérios de mais-valia e de rentabilidade. Desgraçadamente, mas por uma espécie de justiça imanente, tais critérios levam sempre a uma projecção cultural quase nula e a uma rentabilidade ridícula. Neste sentido permito-me citar uma passagem da minha locução proferida na cerimónia de entrega do Prémio Pessoa: "Insisto mais uma vez na impossibilidade de uma irradiação autêntica da vida musical portuguesa, sem uma verdadeira vontade política, que passe pelo reconhecimento incondicional da importância do ensino especializado e da prática da música - ambos de nível europeu - no seio da nossa sociedade. É de certo verdade que um tal investimento político em nada mudará a tendência de qualquer panorama eleitoral. É ainda verdade que um tal investimento económico nunca será rentável da mesma forma, nem com a mesma eficácia imediata, de outros investimentos. Mas é uma verdade ainda certa que toda a elevação do nível de qualquer classe profissional conduz inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, ao desenvolvimento cultural, e por que não económico, de todo um povo." Em contrapartida, e neste caso concreto de manobra política: a verdadeira população cultural fica na mesma situação económica e com menos condições de cultura (os impostos não baixam em função da qualidade das proposições), enquanto que os chamados gestores culturais progridem financeiramente mas não no campo da sua cultura, a qual geralmente é pouca.

Consideremos concretamente o aspecto da projecção internacional como reflexo duma autêntica actividade nacional: em quarenta anos da minha actividade profissional em vários países da Europa, é com a criação do Remix Ensemble que, pela primeira vez, posso propor a qualquer manifestação internacional para a qual sou convidado a participação de um grupo português de música contemporânea como alternativa equivalente a qualquer outro grupo internacional. A razão reside simplesmente no funcionamento geral e nas prioridades da direcção do Remix, e na sua escolha da qualidade e mentalidade dos instrumentistas nacionais e estrangeiros que nele participam.

Nunca fui bem sucedido com as minhas exortações, por motivos diversos, junto dos ministros da Cultura José Carlos Sasportes e Pedro Roseta, para não falar de Pedro Santana Lopes, a quem tive o bom senso de nunca me dirigir. Num primeiro contacto por escrito com o actual ministro, e noutro contexto, assinalei "a minha desaprovação e quase indignação quanto aos resultados do último concurso para apoio às actividades musicais de carácter profissional e de iniciativa não governamental do IPAE, já que tive acesso casualmente a uma série de candidaturas apresentadas, bem como a algumas actas incompletas e não fundamentadas desse concurso... Como deve imaginar, não tenho a mínima intenção pessoal de pedir apoio económico ao IPAE, nem desejo ser convidado para fazer parte de futuras comissões" (10 de Março de 2003).

Em Junho de 2003, no Porto, após a eclosão do conflito com o ex-presidente do CA, tive uma conversa telefónica prolongada com Pedro Roseta, na qual declarei com firmeza a necessidade de manter Pedro Burmester como garante da boa finalização do projecto, e depois como director artístico da Casa da Música. Nem Jorge Sampaio alcançou tal objectivo, a quem, por uma antecipação casual, eu tinha escrito: "Permite-me que peça que dediques um tempo ínfimo do teu imenso trabalho a exercer uma certa vigilância sobre a orientação e a prática de uma política musical no nosso país" (8 de Janeiro de 2001).

Ao contrário do que declarou António Pinho Vargas - "a situação não é preocupante ainda" -, contraponho a minha convicção, sem qualquer alarmismo, de que a situação é gravíssima. No caso de o Governo não renunciar à "baixeza" política de eliminar Pedro Burmester, e de não estar disposto a dar a prioridade aos verdadeiros interesses da comunidade musical e cultural do país, assistiremos à destruição "pacífica" do mais importante projecto musical português dos últimos quarenta anos. Seria o que eu chamaria o luxo da miséria.

Pedro Burmester cometeu um erro político tão grave quanto raro: quis impor a cultura musical contemporânea em Portugal subindo os degraus passo a passo, e banir, tanto quanto possível, o oportunismo e a falta gritante de deontologia da tentação do elevador.
LUNA

O único canal radiofónico que emite quase consecutivamente música "erudita", a LUNA, vai desaparecer. Terá sido adquirido pelo grupo Media Capital e ignora-se o que seguirá. Apesar de apenas poder ser ouvido na área da grande Lisboa, é mais um pequeno bálsamo que se perde. A tirania do audiovisual sobrepôs-se à tradição de "ouvir rádio", essa suave companhia de vozes, sons e memórias que preenchia a solidão de muita gente por todo o País. Desconheço quais são os "índices" de audiência das frequências radiofónicas. Independentemente disso, e nem que fosse só para um ouvinte, a experiência dessa intimidade partilhada é quase sempre um feliz momento imaterial, para sempre perdido no tempo e no espaço.

3.3.04

A ORIGEM DO MUNDO


Gustave Courbet, L'Origine du Monde, Museé d'Orsay, Paris

Courbet nasceu em Ornans, em 1819. Não era dado a grandes leituras e interessou-se intensamente, desde cedo, pelo desenho e pela pintura. A partir de 1844, foi uma presença assídua no Salão de Paris. Os críticos reagiram favoravelmente à sua obra e foi-se tornando conhecido, com claras influências dos pintores "realistas" franceses, espanhóis e alemães do século XVII. Courbet , depois da Revolução de 1848, deixou-se atraír pelos ideais socialistas que se reflectiram em algumas das suas pinturas da época. Os seus últimos anos de vida foram bastante agitados. Durante o período da "Comuna", foi nomeado presidente do "comité para a preservação das obras de arte". Foi detido por envolvimento na destruição da "coluna de Napoleão", da Place Vendôme, em Paris. Morreu na Suiça em 1877, sendo "A Origem do Mundo", de 1866, uma das suas obras "realistas" e de referência mais conhecidas e, naturalmente, das mais polémicas.

2.3.04

MAIS ALARVIDADES

...detectadas a partir daqui e vistas por José Pacheco Pereira, cujos comentários minimalistas na SIC são infinitamente mais interessantes do que os mais recentes de Marcelo, nos últimos tempos demasiado dado ao tablóide "popularucho" e "futeboleiro". Pergunta Pacheco:

ESTÁ TUDO DOIDO?

Não sabia, vim agora a saber por uma referência de Medeiros Ferreira, que o avião da TAP que tinha o nome de “Viana da Motta” foi rebaptizado “Eusébio”. Já não há vergonha nenhuma, ou está tudo doido? Eu bem sei que neste país de trituradora já ninguém sabe quem foi Viana da Motta, um dos últimos alunos de Liszt, grande pianista e razoável compositor, que marcou como “mestre” na sua arte toda uma geração de músicos portugueses. Como muitos grandes pianistas anteriores às técnicas modernas de gravação, a qualidade da sua execução só existe na memória dos testemunhos e relatos da época, mas o homem existiu, não existiu? A Luísa Todi também existiu, não existiu? Pobre país que não se respeita a si próprio.
ALARVIDADES E PALHAÇADAS

O calibre das historietas e dos protagonistas que presentemente animam a Pátria, é tão baixo que seria cómico se não fosse trágico. Soube-se há uns dias que o gasto clown do regime, Herman José, em declarações em tribunal, teria dito que o Sr. Carlos Cruz era, entre outros mimos, "mau carácter e mau colega", como se ele próprio fosse , a contrario, um modelo virtuoso. No seu inominável talk show dos domingos, mistura com o mesmo à-vontade o professor Herrero ( o do "cagalhão na tola"), o "cu duro" e a "pomba gira", com personagens do chamado jet set, o "cor de rosa" e o institucional, gozando literalmente, e por igual, com todos. O tom quase reverencial com que estas criaturas fúteis se babam para cima de Herman, diz tudo. De vez em quando fingem umas escaramuças talvez por causa das audiências, e o circo continua. Na mesma linha circense, vamos encontrar aquele histórico autarca do PP, o Sr. Ferreira Torres, que motivou honestas indignações pelo seu comportamento, no "seu" campo de futebol, à vista das televisões. Eu não me surpreendo nem me amofino com estas peripécias. Contrariamente ao que se possa pensar, estes "não eventos" e esta gente raramente são a excepção. Já aqui o disse e agora repito: quem "compra" a democracia, tem que "comprar" tudo e em regime de "pensão completa". O glamour português, da tv ao campo da bola, é isto mesmo: um infinito rol de alarvidades e de palhaçadas onde todos estão francamente muito bem uns para os outros.

1.3.04

TANYA, A BARONESA

Os canais de televisão não se cansam de repetir o filme Out of Africa, baseado no texto homónimo e auto-biográfico de Isak Dinesen, a baronesa Blixen. No filme, é Meryl Streep quem compôe a figura da baronesa heterodoxa e que, tirando as suas insuportáveis "boquinhas", não desmerece. O livro de Dinesen é um poético fresco sobre África, e sobre o amor desta elegante dinamarquesa pelos nativos, pelas paisagens e pelos cheiros. Sobre Dinesen, recordo dois belos "retratos", ambos de dois americanos, também eles criaturas e escritores controversos, de quem falaremos noutro dia: Carson McCullers e Truman Capote. McCullers recorda: "how can one think of a radiant being ? I had only seen a picture of her when she was in her twenties: strong, live, wonderfully beautiful, and one of her Scotch deerhounds in the shade of the African jungle. When I met her, she was very, very frail and old but as she talked her face was lit like a candle in an old church." Tanya era o nome por que era tratada na intimidade a baronesa Karen Blixen-Finecke, uma europeia cosmopolita que teve uma fazenda em África....

I had a farm in Africa at the foot of the Ngong Hills. The Equator runs across these highlands, a hundred miles to the north, and the farm lay at an altitude of over six thousand feet. In the day-time you felt that you had got high up; near to the sun, but the early mornings and evenings were limpid and restful, and the nights were cold. The geographical position and the height of the land combined to create a landscape that had not its like in all the world. There was no fat on it and no luxuriance anywhere; it was Africa distilled up through six thousand feet, like the strong and refined essence of a continent. The colours were dry and burnt, like the colours in pottery. The trees had a light delicate foliage, the structure of which was different from that of the trees in Europe; it did not grow in bows or cupolas, but in horizontal layers, and the formation gave to the tall solitary trees a likeness to the palms, or a heroic and romantic air like full-rigged ships with their sails furled, and to the edge of a wood a strange appearance as if the whole wood were faintly vibrating. Upon the grass of the great plains the crooked bare old thorn trees were scattered, and the grass was spiced like thyme and bog-myrtles; in some places the scent was so strong that it smarted in the nostrils. All the flowers that you found or plains, or upon the creepers and liana in the native forest, were diminutive like flowers of the downs - only just in the beginning of the long rains a number of big, massive heavy-scented lilies sprang out on the plains. The views were immensely wide. Everything that you saw made for greatness and freedom, and unequaled nobility.

The chief feature of the landscape, and of your life in it, was the air. Looking back on a sojourn in the African highlands, you are struck by your feeling of having lived for a time up in the air. The sky was rarely more than pale blue or violet, with a profusion of mighty, weightless, ever-changing clouds towering up and sailing on it, but it has a blue vigour in it, and at a short distance it painted the ranges of hills and the woods a fresh deep blue. In the middle of the day the air was alive over the land, like a flame burning; it scintillated, waved and shone like running water, mirrored and doubled all objects, and created great Fata Morgana. Up in this high air you breathed easily, drawing in a vital assurance and lightness of heart. In the highlands you woke up in the morning and thought: Here I am, where I ought to be.