24.4.04

LIBERDADE I

O Independente, da minha amiga Inês Serra Lopes, anda a publicar uns livrinhos interessantes e com bom aspecto. Esta semana saiu um volume que reúne textos de outros tempos - dos "anos de chumbo" - de Victor da Cunha Rêgo, escritos em Portugal e no Brasil. Victor foi "meu" director no Semanário, um hebdomadário que, dessa época, apenas conserva o nome. Eu estava a acabar um sofrível curso de direito e fui parar ao jornal para colaborar em coisas de "cultura". Vagueei por lá entre 1984 e 1986. A imagem do "director" recortava-se sibilina em raras aparições no corredor do andar da Duque de Loulé e na sala de paginação. Eu escrevia umas coisas esquecíveis sobre Borges ou Mapplethorpe que Victor mandava dizer pelo João Amaral que apreciava. E eu apreciava os seus concisos editoriais que reuniam em dois ou três parágrafos a sua visão do mundo e do País. Que visão era essa? A que sempre foi, desde o assalto ao Santa Maria, do PS à AD, de Madrid à RTP, dos jornais às mulheres. Era a visão de um aventureiro melancólico da liberdade que não acreditava no optimismo antropológico. A última vez que estive com o Victor foi em 1996, num colóquio sobre a Europa promovido pela Gulbenkian. Trocámos umas impressões sobre a sua intervenção e um abraço, que eu não imaginava que fosse o último. À semelhança do Malraux de Jean Lacouture, sobre Cunha Rêgo também se poderia escrever a biografia de "uma vida no século". Por isso ele, mais do que muitos, é uma "figura de Abril". Porque, como escreveu, no fim de contas, cada um faz o que quer.

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