28.7.11

A PASSO DE CARACOL


«O que na verdade se passa é que a Europa tem vivido num estado que Jean-Paul Fitoussi, no próprio dia da Cimeira, designou no Le Monde como «a paralisia da decisão». Paralisia que é acentuada pela diferença entre a crise financeira que se tem vivido, e a crise do euro que agora nos ameaça: é que enquanto o motor da primeira foi a cupidez, o da segunda é a virtude pública que se impôs com a visão austeritária da Europa e dos seus problemas. Com esta visão, consolidou-se a ideia absconsa que no futuro só há despesas e dívidas, não há receitas. O que, naturalmente, só pode levar ao aumento das taxas de juro e ao aperto do garrote sobre os devedores. É assim, explica J.-P Fitoussi, «que a especulação se revela auto-realizadora, produzindo as condições de insolvabilidade: alta das taxas de juro e, portanto, do serviço da dívida, aritmeticamente compensada por uma redução das despesas e um aumento dos impostos.» A especulação, acrescenta, não podia desejar melhor que esta política de impotência que, a pretexto das responsabilidades nacionais, tem gerado uma verdadeira irresponsabilidade europeia. É por isso bom perceber que, se finalmente nos afastámos um pouco desta irresponsabilidade com a última Cimeira Europeia, isso se fez todavia a passo de caracol.»

M. M. Carrilho, Contingências

2 comentários:

Nuno Oliveira disse...

A meritocracia é o cerne de toda a educação. Ela é inversamente proporcional ao conceito de democracia e livre opinião. Quanto mais nos esforçamos para merecer, menos liberdade temos. Quem a implementa certifica-se disso. Toldados por uma ilusão de democracia, envidamos esforços para que a nossa vida seja melhor, numa adoração obscura do dinheiro. Que nos rege a todos. Democratas ou não. É curioso ver a moda da discussão entre os méritos da grande política versus a tecnocracia. Os tempos dos grandes líderes políticos, dizem muitos, já lá foi. Os políticos que chefiam os países desta pseudo-União e os tecnocratas de Bruxelas trabaham sem grandes objectivos aparentes. Porque não sabem? Ou porque não podem? Será, talvez, porque não estão a trabalhar para nós? Será que, como ouvi alguém dizer no outro dia, o projecto Europeu é um projecto de elites? Eles sabem o que estão a fazer. O problema é que nós, os iludidos, não sabemos quais são os verdadeiros objectivos. E continuamos a rezar, de joelhos e virados para Bruxelas, tal qual o Tratado de Lisboa manda, esperando por esse milagre da multiplicação do pilim venerado.
Paralisía? Sim. Daquilo que temos dentro da caixa craniana. Temo que o resultado possa ser parecido com o que aconteceu na França a Luís XVI...

Anónimo disse...

Carrilho é bom a citar - isso devemos reconhecer-lhe. De um modo geral concordo com Nuno Oliveira. Acrescento também para lembrança da 'esquerda fácil e optimista', assim como dos 'políticos' que agora são chamados a dar soluções, que o dinheiro (afinal a riqueza que viabiliza tudo...) não se inventa em caves de Bancos Centrais ou em rotativas sem freio produtoras de desvalorização sem freio e de inflação galopante. A Europa é flácida, sofre de impotência, é preguiçosa. Mas os tempos do Estado Social que a todos socorria não podem voltar mais. Não há dinheiro. É dessa visão dourada que a preguiça europeia tem terror de se separar. Especialmente o socialismo do Norte da europa - ainda convencido que poderá manter tudo como está. Também o sr. carvalho da silva 'acha' que as conquistas de Abril e os direitos adquiridos 'são para sempre'. Nem nas sagradas escrituras esta noção de eternidade é tão vincada como a que a Intersindical, o PC e outros afirmam acerca dos 'direitos adquiridos'. A Europa não é competitiva, ponto final. E esta realidade vem de fora, é-lhe imposta, não é uma invenção. Que podem então 'fazer' os políticos apenas habituados a ganhar eleições usando mentiras? (ou seja, a "jogar o jogo democrático"...)

Ass.: Besta Imunda