30.7.10

QUATRO A ZERO


O artigo que se se segue é de Eduardo Cintra Torres e está hoje publicado no jornal Público. É, em certo sentido, edificante. Comprova-se que o poder - na altura absoluto, da "esquerda moderna", protagonizado em "Deus Nosso Senhor" ou o "Está em Toda a Parte" Sócrates - fez o que pôde para silenciar quem o chateava com essa coisa horrorosa que é a verdade. Depois, evidencia-se que a ERC é uma aberração que deve, à semelhança de tantas outras, ser pura e simplesmente removida (como um tumor maligno) da constituição porque, pelos vistos, nem sequer se preocupa excessivamente em a cumprir. Finalmente, lamenta-se que colegas de profissão do "réu" (recordo que Cintra Torres quase que foi obrigado, um dia, a mostrar a sua carteira profissional na tv a instâncias de um dos citados no texto, salvo erro) se tivessem prestado a actos da mais reles vassalagem e do mais cobarde temor reverencial contra jornalistas. Só prova que não têm nem respeito por eles mesmos nem tão pouco pela profissão que escolheram. E que se comportam, para se manterem à tona da "respeitabilidade", como ténias e não como homens livres que deviam ser.

«No dia 20 de Julho, o Tribunal Criminal de Lisboa absolveu-me num dos processos que a RTP e a sua Direcção de Informação me moveram por causa do artigo "Como se Faz Censura em Portugal" (PÚBLICO, 20/8/06). A sentença, que abaixo cito, é uma excelente peça a favor da liberdade e do dever de informar e criticar e um aviso aos que pretendem usar a justiça para calar a opinião livre e a investigação independente dos factos. Entre 2006 e 2007, o aparelho de Estado processou-me quatro vezes: a RTP três e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) uma. Hoje, como então, considero que se tratou de uma acção do interesse do Governo, destinada a intimidar-me e a calar-me. O Governo estava num prolongado "estado de graça" proporcionado pela opinião pública e pela opinião publicada. A imprensa incensava o primeiro-ministro como um génio de extraordinárias qualidades nacionais e internacionais. Por isso, quando analisei naquele artigo a cobertura dos incêndios no Telejornal da RTP1 de 12 de Agosto de 2006, o Governo temeu a abertura de uma pequena brecha no consenso de que beneficiava. O artigo afirmava: "As informações de que disponho indicam que o gabinete do primeiro-ministro deu instruções directas à RTP para se fazer censura à cobertura dos incêndios: são ordens directas do gabinete de Sócrates." Era preciso calar-me, e depressa. O presidente da ERC, José Alberto Lopes, no dia seguinte ao artigo, antes de reunir a ERC, condenou-o e condenou-me. No mesmo dia, a RTP fez um comunicado sobre o meu artigo, o que é raríssimo, se não único, anunciando um processo judicial. A imprensa dedicou páginas ao "caso Cintra Torres". Deveria ter-se dedicado à acção ilegítima do Governo nos media, mas só o veio a fazer três anos depois. E o Parlamento quatro anos depois. O processo da ERC originou a sua primeira deliberação (1-I/2006) e a Recomendação 7/2006, documentos que ficarão como página negra na história da liberdade de imprensa. Além do absurdo de dedicarem mais de 200 páginas à demolição de um artigo de opinião (prática a que nunca mais recorreram), os reguladores tomaram uma decisão que os envergonhará para sempre: declararam que o director do PÚBLICO deveria ter censurado o meu artigo. O processo da ERC visava constranger-me e ao PÚBLICO e absolver a RTP e o Governo de qualquer interferência nos canais do Estado. Quatro anos depois, aqui fica o resumo do estado em que estão os quatro processos movidos pelo Estado contra mim. Processo ERC: O Tribunal Fiscal e Administrativo, única instância que pode apreciar juridicamente as decisões da ERC, anulou em Maio a Deliberação e a Recomendação, por ausência de audição prévia dos visados (PÚBLICO e eu). A ERC recorreu da sentença. Processo incêndios n.º 1: a administração da RTP, de Almerindo Marques e Luís Marques, e a Direcção de Informação - Luís Marinho, J. Alberto Carvalho, Carlos Daniel, J. Manuel Portugal e Miguel Barroso - apresentaram queixa-crime contra mim, o PÚBLICO e o seu director por causa do referido artigo. A 1.ª instância arquivou em 2007. A RTP recorreu. A Relação achou que o caso deveria ser julgado, mas apenas contra mim. O julgamento terminou com a minha absolvição. Assiste à RTP o direito de recorrer. O juiz escreveu: "A crítica à RTP não pode ser considerada ilícita por se referir à permeabilidade à pressão governamental a que se mostra recorrente" na sua história; no artigo, exprimi "uma opinião absolutamente legítima", tanto mais que é "notório" ser "sistematicamente" referida a "governamentalização da informação da RTP"; as afirmações que escrevi não foram ofensivas e foram "justificadas", pois procurei "criticar uma cobertura jornalística e uma interferência sempre recorrente do poder governamental no serviço público" de TV; cumpri o dever de informar, e actuei "no âmbito do interesse legítimo de informar, de criticar e de ter fundamento para, em boa-fé, reputar verdadeiras as informações veiculadas". O tribunal considerou ainda "totalmente improcedente" o pedido de indemnização que a RTP e os cinco directores de Informação me exigiam, de 180 mil euros. Processo incêndios n.º 2: a RTP e os mesmos indivíduos apresentaram queixa-crime contra mim por ter reiterado o teor do artigo num programa da RTP, a convite da RTP e para debater na RTP o artigo com um membro da ERC e outro convidado. O juiz arquivou. A RTP recorreu. A Relação confirmou o arquivamento. Processo governamentalização na RTP-Porto: a RTP e J.M. Portugal apresentaram queixa-crime por ter escrito que a ida de J.M. Portugal para a RTP-Porto visava "partir a espinha" à independência de que gozava o Jornal da Tarde, feito a partir dali. O processo foi arquivado. A RTP, como sempre, usando dinheiro público e uma sociedade de advogados privada, recorreu. A Relação confirmou o arquivamento. Em resumo: todas as decisões dos tribunais foram favoráveis às liberdades de expressão, de informação e de opinião. Quatro a zero a favor da liberdade e da nossa maturidade democrática.»

8 comentários:

Anónimo disse...

essa de citar Habermas discretamente para dar seriedade a um artigo de ECT é engraçada... Coitado do Habermas. A teoria serve para tudo.

João Gonçalves disse...

Não me tinha ocorrido Habermas. Mas ainda bem que existem patrulheiros com V. para poderem "ler" o inconsciente dos outros. Quanto a "dar seriedade", suponho que se refere aos tribunais. Leia antes o Céline a título de actividade consciente. Pode ser que se identifique com a ténia.

javali disse...

Fechem a RTP.

joshua disse...

Se há cidadão que eu admiro profundamente e de quem gosto é de ECT, disse-o já e repito-lo-ei.

Percebe-se que quem, como ele, exerceu a liberdade no seu sentido participativo e interventivo pleno, teve de sofrer às mãos do Aparelho. Quanto mais cidadão se é, mais se é aborrecido pelos mesmos.

É uma pena que a substância disto passe ao lado de tantas ávidas ténias. Um grande abraço para ele e naturalmente para ti, João, a quem leio com prazer e por quem faço as minhas preces de todos os dias. «Senhor, a noite veio e a alma é vil. Tanta foi a tormenta e a vontade! Restam-nos hoje, no silencio hostil, O mar universal e a saudade.» (MENSAGEM)

Anónimo disse...

Dr J Gonçalves
respeito as suas preferências "teórico-poéticas" - que, nalguns casos, partilho mas talvez com resultados e razões diferentes.
Não sou patrulheiro. E desgosta-me que puxe da palavra, mas é consigo.
A "seriedade" a que me refiro diz respeito ao argumentário de ECT e não aos tribunais (não que estes últimos sejam especialmente sérios... presumem-se sérios até prova em contrário).
Já li no passado mais do que hoje leio ECT. Deixou de me interessar dada a sua falta de seriedade intelectual que passa por defesa da liberdade. Como sabemos o que significa a expressão defesa da liberdade, prefiro não a usar neste caso - é uma questão de higiéne.
Talvez V não estivesse a pensar em Habermas (admito ter sido induzido em erro vendo o que me pareceu ser a confirmação da etiqueta do post). Mas, Céline aqui só se adequa na turtuosa e auto-complacente tristeza da existência, na agonia de uma alma sensível que vive incomodada como o mundo... qualquer mundo é um incómodo. Não na identificação que me propõe da "ténia" - o que aliás encontro antes na cruzada de ECT (a ténia que o atormenta) e no enjoo da sua alma agonizante, qual poeta do romantismo decadente olhando com desprezo visceral o mundo que existe apesar de toda a agonia desse ser, esse ente que á viu tudo.

M. Abrantes disse...

<<(...)apresentaram queixa-crime contra mim por ter reiterado o teor do artigo num programa da RTP, a convite da RTP e para debater na RTP o artigo com um membro da ERC e outro convidado.>>

Isto não parece nada saudável. Pelo contrário, se este excerto é fidedigno, parece até bastante doentio.

fado alexandrino. disse...

Há aqui muita coisa a considerar mas mais que tudo importa analisar a facilidade com que todos podem recorrer de tudo empatando anos e anos todos os julgamentos.
Quanto a incêndios no dia mais quente a TVI abriu o telejornal com eles e parou ao fim de doze minutos.
De parolos.

De nihilo nihil disse...

Acabem com a RTP ou vendam-na à IURD. Sempre renderá algum...