21.6.07

FAZER DE CONTA


Hoje é o dia mais longo do ano e, de acordo com os calendários - não com o calor - começa o Verão. Os meus meses mais amados são o precedente e este. Não dei praticamente por eles. Nada ajudou. O tempo, as pessoas, as circunstâncias. Eu. Há oito anos estava em Paris e observei que a luz solar entrava longamente pela noite adentro. E que andar pelas ruas sem destino estava próximo de um estado quase pueril de felicidade. Há sete, estava em El Salvador e aí o dia terminava a meio da tarde, por entre vidros fumados e paredes invioláveis com arame farpado. A zona "chique" de Salvador apenas permitia circular assim, de casa a casa, de hotel a casa, de casa a hotel ou restaurante. De então para cá, o meu nomadismo solar diminuiu. Por tabela, eu encolhi como ser humano. Encolhi e encalhei. Deixei de descolar para parte alguma. Talvez o rapazito de Havana, que me veio pedir dinheiro e que eu recusei, tivesse razão. "Tu não és mau, estás apenas amargurado", resumiu ele, numa frase, a vida inteira de um desconhecido. Fixei-me, pois, como amargo residente. Acabo o dia mais longo na Casa Fernando Pessoa e comove-me que um tipo de trinta anos como o João Pereira Coutinho, sempre tão radiante na sua brilhante melancolia, fale como ele escreve e escreva como ele fala. A Folha de São Paulo tem uma tradição autoral que faz de qualquer um dos nossos melhores jornais - não estou a ironizar - parecer papel de embrulho. Não era assim que eu imaginava o dia mais longo, porém foi aquela meia dúzia de palavras de apresentação de um livro que me recordou o melhor do Verão, o melhor de mim mesmo entretanto desaparecido. Na solidão mais prolongada do pc da qual já não se regressa de lado algum, ficam as palavras do João, na Folha, escritas um dia destes. "Montaigne sabia que só há uma coisa pior do que caminhar para o fim. É fazer de conta que ainda estamos no princípio."

9 comentários:

Anónimo disse...

Somos todos demasiado frágeis para vivermos entre o fazer de conta e a verdade. É ao que estamos condenados, e é uma coisa imensa que ninguém, em verdade vos digo, mereceria.

Anónimo disse...

Não é possível fazer de conta de que ainda estamos no princípio, mas é possível e salutar voltar ao princípio, mesmo que, inevitavelmente, se caminhe para o fim.
Hoje, quase com idade para ser avô, voltei, pelas mãos da minha filha de 5 anos às festas de fim de ano da pré-primária.
Haverá melhor forma de voltar (quase) ao princípio?
A vida é feita de pequenas coisas e de sucessivas viagens ao passado, mas sempre com esperança no futuro.
R.A.I

Anónimo disse...

Bom,

se continua a dizer que Salazar foi um grande homem(?), acriticamente, não me admira a sua desilusão.

É sinal seguro, que deixou de questionar a história e os tempos.

Que foi o que ele fez, por que ninguém teve coragem de lhe dizer que o seu tempo tinha passado.

Se se quer "entreter" pode propor:
- uma Regionalização, com redução drástica do número de Municipios (ex, cada Região, só pode ter, no máximo, um número de Câmaras igual ao número de Regiões -> 5 Regiões=>5 máximo câmaras por Região, com extinsão e englobamento nos "sobreviventes" dos restantes);

- um politica de recepção de imigrantes, sem criação de gettos ou tensões;

e outras coisas que se lembre.

Anónimo disse...

A propósito do ” salazarismo” de João Gonçalves, face ao óasis que este post hoje representa, insisto no poeta fingidor do Livro do Desassssego:

“Visto que talvez nem tudo seja falso, que nada... nos cure do prazer quase-espasmo de mentir.

Requinte último! Perversão máxima! A mentira absurda tem todo o encanto do perverso com o último e maior encanto de ser inocente...A perversão que não aspira dar-nos gozo, que nem tem a fúria de nos causar dor, que cai para o chão entre o prazer e a dor, inútil e absurda como um brinquedo mal feito com que um adulto quisesse divertir-se!”

Anónimo disse...

Caro João Gonçalves

"Caminhar" para o fim é um bom "principio"! Pior, é o vazio entre o que foi e o que é. Agora. Pior é a ausência de consciência dessa visão – que só se alcança quando realizamos permanentemente a memória! Eu vivo bem neste percusso/caminho. Para mim o "foi" e o "é" são o mesmo "sempre".

joshua disse...

Só para dizer que li muito bem esta posta. No meio de tudo, há ainda a Nobreza absoluta e a absoluta Presença de Cristo. É n'Ele que nos lavamos de toda a pátina amarga e por Ele que de Outra Coisa nos revestimos.

Anónimo disse...

Em Paris esteve MUITAS vezes ... há 8, 9, 10, 11, 3,1, 2 anos ... sei lá ... há MUITOS
Pelos vistos a ESTADA de há 8 MARCOU

Quando se ENTENDE o que se vem fazer a este MUNDO, o tempo é IRRELEVANTE

Há que VIVER cada momento, com a INTENSIDADE necessária para o mesmo.
Há que VIVER cada momento, com o DISCERNIMENTO necessário para uma ASSIMILAÇÂO PLENA para a EVOLUÇÂO necessária do nosso “EU”
PASSADO é a PONTE para o FUTURO
E ...é no PERCURSO, na dita PONTE que está toda a SABEDORIA
Em como APLICÁ-LA e ABSORVÊ-LA
A postura nesta VIDA é tremendamente importante, quer queiramos ou não
Ser POSITIVO, CRENTE e, não ELABORAR MENTALMENTE EXPECTATIVAS sobre algo que se pense e/ou goste ou pretende que assim venha a ser
SIMPLESMENTE abrace à VIDA e, ACEITE serenamente o que ELA lhe vai oferecendo
E, sabe PORQUÊ?
Sabe ... mas às vezes não queremos lembrar.
É no PRESENTE que se CONSTRÓI o FUTURO. E, fala quem já teve PROVA de tal
Desculpe a minha OUSADIA, mas

... Passado que é 1 ano desde que deixei de comentar e, continuo na mesma

Como é que uma pessoa tão INTELIGENTE/SENSIVEL de ELEVADA CULTURA e, CRENTE como o João AINDA escreve e transcreve esta MELANCOLIA/TRISTEZA neste POST

... ou será que o faz porque FAZ PARTE do seu ESTUDO PSICO/COMPORTAMENTAL/CULTURAL, and so on?

ATÉ SEMPRE



P.S.: Gostei de o vêr na CFPessoa

Anónimo disse...

Na sua despreocupação e miséria material, os rapazitos de Havana encerram a sabedoria das nações. Como, aliás, todos os outros de todas as regiões do chamado Terceiro Mundo. Sabedoria que os jovens do Ocidente materialmente mais rico foram progressivamente perdendo. Por isso, creio que estes são afinal menos felizes do que aqueles. Mas com o tempo e a globalização, tudo tenderá a uniformizar-se. E já não valerá a pena viajar. Que diriam hoje, ou escreveriam, Gide, Bowles, Loti, Montherlant, Winckelman e tantos outros?

Anónimo disse...

Éhh, «melancolia» é mesmo a palavra certa.
Certa ainda para esta «estranha leveza do ser» que delibera quanto à sustentabilidade da segurança social - depondo os «interesses instalados» com, por exemplo, 30 anos "desta merda" - e que reza assim :
- «O PSD anunciou esta sexta-feira que “não se opõe” à proposta de lei do Governo que altera a forma de cálculo da reforma dos funcionários públicos e que agrava a penalização das pensões antecipadas».

Antecipadas e não antecipadas.

Estes cagalhões que alternaram no alterne, (dezenas deles com aposentações vitalícias por troca de oito anos de serviços prestados à Pátria que os pôs), não têm vergonha ... estes é que são os «Sustentáveis».