31.10.06

POLÍTICAS DO ESPÍRITO


Um povo que não respeita a sua história ou, pior do que isso, que "adapta" a história ao bel-prazer do momento, é um povo sem memória e, a prazo, condenado. Uso o termo "povo" porque, em democracia, é suposto o governo dele emanar. A ministra da Cultura, uma amável professora catedrátrica de Letras do Porto, como não podia deixar de ser, quer deixar a sua "marca de Zorro" no sector que lhe entregaram. A colecção Berardo não só não chega, como nem sequer foi ela que tratou do assunto. E, assim como asssim, é do comendador. O resto são pagamentos e simpáticas cedências provisórias ao Estado. Deu-lhe, por isso, para o tal "museu da língua e dos descobrimentos" no único espaço que restou da Exposição do Mundo Português, dos idos de 40, o "museu de arte popular", a Belém. A coisa ministerial tem, aliás, uma designação horrenda: "Mar da Língua - Centro Interpretativo das Descobertas". Certamente não passará de mais um "pólo" masturbatório para sentar os amigos e os primos dos amigos. O pavilhão que sobreviveu à Exposição, e cuja concepção pertenceu ao arquitecto Jorge Segurado, acolhe o conceito estético-político de uma época da história portuguesa do século XX que muito democrata "esclarecido" não consegue engolir. Teria sido porventura bom que ele não tivesse existido, mas o facto é que existiu. A resposta de Pires de Lima para a eliminação daquele espaço e do respectivo acervo é concludente: "A vida dos museus não é eterna. Eles nascem, vivem e morrem. Não devemos estar presos a uma atitude conservadora." E, depois, não resistiu à sua própria ideia de "política do espírito", se é que tem alguma: "É preciso fazer opções quando se faz política cultural. Um museu da Língua e dos Descobrimentos é mais aberto e mais rentável". De acordo com a professora, o novo museu "é de uma importância fundamental para a autoconsciência da língua". Esta da "autoconsciência da língua" esmaga qualquer pedragulho dos anos 40, não é verdade? Será que a ministra tem "consciência" do que anda a dizer? Depois, o novo museu "será meramente virtual, sem acervo físico, apostando nas novas tecnologias e na interactividade". Isto é, o "plano tecnológico" também serve para rasurar a história. Alguém ainda tentou explicar à ministra que o museu de arte popular - vide Público - "é, em si mesmo, um documento histórico incontornável para o estudo da história do Estado Novo." Pois é. Todavia, a "política do espírito" agora é outra ou nenhuma. A diferença é que ninguém falará destes quando morrerem.

Adenda: Agradeço a António Machado a precisão sobre o que sobrou da Exposição.

7 comentários:

JSA disse...
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JSA disse...

Caro João, o Público agora tem a edição online grátis. A qualidade pode não ser muita, mas dá para uns linquezinhos. Fica esse.

Anónimo disse...

Só uma palavra pode resumir isso de que falas, Palhaçada, boa semana

Rui Fonseca disse...

Não vou comentar o facto de um "museu" ser abatido para dar lugar a outro. Não porque o assunto não seja merecedor mas porque o Autor do post já disse o suficiente.

Gostaria, contudo, de comentar a ideia da instalação de um "museu"
virtual da língua portuguesa.

Estava em S. Paulo quando ali foi aberto ao público o "museu" que, provavelmente, inspirou a senhora
Ministra. E fui visitá-lo.

Talvez por estar no Brasil, o que vi comoveu-me. Não se trata, propriamente de um "museu" no sentido corrente da palavra, mas de uma exposição, em grande parte com recurso às novas tecnologias da informação, da evolução da língua que é a nossa pátria.

Mas o que mais me tocou foi a afluência de público. Desconheço se o interesse ainda se mantem ao nível daquele que observei nos primeiros dias. Porque testemunhei filas de gente de todas as condições sociais a aguardar horas pela oportunidade de entrar.

Se em Lisboa o sucesso for semelhante talvez a inicitiva seja mais bem sucedida e menos controversa que o Plano Nacional de Leitura.

AM disse...

Uma citação do Formiga Bargante: (http://formigabargante.blogspot.com/2006/10/gente-estranha-esta.html)

"Que de uma penada se destrua o último vestígio de um projecto museológico coerente e único para se entender o que durante a ditadura era entendido, e praticado, como cultura popular, erradicando do nosso passado e da nossa memória colectiva este testemunho, não é importante.

Que o acervo de cerca de 25.000 peças seja depositado num museu ou disperso por vários, também não é importante."

E um comentário com uma precisão:

O Museu de Arte Popular, não é o "único espaço que restou da Exposição do Mundo Português".
Restam o Padrão dos Descobrimentos, o espaço urbano da Praça do Império, e também aquele edifício que foi o Belém Clube Museu que tem uma relação directa (mais ao nível do desenho urbano do que da arquitectura) com o MAP.

É apenas mais um gravíssimo atentado, ao património, à memória, mas que importância é que isso poderá ter quando comparado com a necessidade de a ministra subir nas sondagens e com a necessidade de animar o circo mediático das notícias sobre a "reformista" governação. Pensará a ministra que ao inscrever o seu nome nas tristes memórias das nossas políticas sem cultura escapa da remodelação?

Unknown disse...

Mais um Momento-Chavez da actual ministra da cultura Pires de Lima à semelhança dos mega bytes mediáticos do PM Sócrates.
As declarações da ministra da cultura são autênticas pérolas de discurso de política cultural, nomeadamente a de que a vida dos museus não é eterna, eles nascem, vivem e morrem...talvez até quem sabe vão para o Céu depois de morrerem transformando-se em mais uma estrela cintilante na Via Láctea...
Pois é Pires de Lima é no fundo, bem lá no fundo uma evolucionista...é a sobrevivência dos mais fortes a funcionar...
Portugal dos pequeninos no seu melhor.

dorean paxorales disse...

Espero a todo o momento a extinção do jardim público quase homónimo ao seu blogue. Porventura só tem escapado à atenção dos reformistas pós-modernos pela localização. Mas estou certo que lá chegaremos.