28.10.06

"O" ANTÓNIO


Numa noite destas, enquanto trabalhava no livrinho "Portugal dos Pequeninos", à minha frente, na tv, passava uma enternecedora entrevista de Judite de Sousa ao sofredor, melancólico e grande escritor dr. António Lobo Antunes. Desde logo, o tratamento era de grande intimidade. Para Judite, o dr. Lobo Antunes era "o" António. "O" António, aqui há uns anos atrás, tinha um razoável pó às entrevistas. Deixei-o por alturas de "Auto dos Danados" e só voltei, muito tempo depois, por causa das crónicas. Ainda tentei ler "Que farei quando tudo arde?". Tenho por aí espalhados mais livros "do" António, porém, confesso, não tenho pachorra para os ler. Fico sempre com a sensação de que, à semelhança do que acontece com as edições americanas dos seus textos, "o" António não perderia nada se retirasse entre cem a trezentas páginas dos seus "romances". É que um homem perde-se, entre o tédio e o não avanço da "trama", naqueles tropismos pseudo-originais, "a la Faulkner", "do" António. O pacto leonino que tem com a sua editora, a D. Quixote, não o salva, mesmo assim, de um honroso quarto ou quinto lugar em vendas nacionais face a uma inesperada e inexplicável Inês Pedrosa, a uma Lídia Jorge ou ao bardo Manuel Alegre. Outro dia, "o" António decretou que o "romance" de Rui Cardoso Martins, também da D. Quixote (de onde é que havia de ser?), era o melhor "primeiro livro" que ele tinha lido. Não foi só ele. A sra. D. Clara Ferreira Alves, por acaso assalariada das "Produções Fictícias", do dito Rui, naquele maravilhoso programa "Eixo do Mal", também teceu encómios, apesar de o livro ser em português. Em suma, "o" António, aquele que em tempos idos venerou o PC, mas que "à" Judite de Sousa disse que tinha "tido medo" num comício em que estava de tudo de punho erguido aos berros - um momento de "humanização" do sr.dr. - está aí para as curvas e para produzir mais bacamartes "literários". Alguém há-de ler, nem que sejam só as primeiras cinquenta páginas. É que por aí, normalmente, ficamos esclarecidos.

10 comentários:

António Torres disse...

"O" prezado.
Ter a coragem de afrontar, uma das maiores estrelas, talvez mesmo, segundo dizem, o "primus inter pares" daquele estimável firmamento profissional ou artístico, além de demonstrar um louvável desprendimento de seguidismos basbaques e admirações extasiadas, demonstra claramente que “O” João, pela forma como se arrisca, é um gajo que, como diria "O" António, "os tem no sítio".
A literatura em apreço oferece atributos e resistências a quem a enfrenta, que poderiam ser resumidos nas expressões de – empanturrar sem nutrir, enriquecer o vocabulário sem cultivar realmente, e no final, no sítio em que devia deixar saudades, deixa uma desagradável sensação de tempo desperdiçado.
Também, como diz, frequentemente nem anda nem desanda, antes pelo contrário.
Resumindo, uma merda.
Tem no entanto, pelo frequente recurso ao vernáculo, a graça de trazer à memória "tiradas" e "pensamentos" gravados nas portas das casas de banho do meu liceu, já lá vão uns anitos, e que por higiene me reservo de aqui transcrever.

Maria de Fátima Filipe disse...

Ena pa, ganda bronca...........;)e agora?

Anónimo disse...

Caro JG,
o meu prognóstico é que vocemecê nunca passará de um bom blogger tuga.

LIVROS, LITERATURA, OBRA LITERÁRIA, escrevem os outros.

Anónimo disse...

Éngracado, nunca o vi de punho erguido na Praia das Maçãs...

Certamente serão os ares de Sintra...

Anónimo disse...

O parolismo nacional tem destas coisas. Dantes ficava bem bater no Saramago; era chique e de direita. O homem nem vírgulas sabia pôr quanto mais escrever.

Agora é moda bater no Lobo Antunes. Não o leram - como já era hábito com o Saramago - ,mas aguçam os dentinhos para mordiscar-lhe a fímbria do vestido (que imagem estranha).

O provincianismo é mesmo assim - veste-se de capelinhas (que poético)

Anónimo disse...

...não, não é "por aí que ficamos esclarecidos"!!!!
Lobo Antunes não é fácil de ler, porque é MUITO PROFUNDO, porque revela na escrita o que nos vai no subconsciente e que, a grande maioria, nem o que tem à tona da sua mente consegue perceber.....portanto, assim, é difícil de o entender....Será o ESCRITOR da posteridade! E os Portugueses entendê-lo-ão quando forem mais CULTOS...no próximo milénio!!!

Além de grande escritor, António Lobo Antunes tem um humor muito refinado....

Anónimo disse...

Caro JG

Vou pel’ o António leonino e igualmente pel´o José nobel – tão diferentes no berço e nos topos e tão semelhantes no portuguesmente das rivalidades e dos tropos

Esconjurar a celebridade que ostentam para quê? Lê-los só se com prazer, nunca com ódio

E passe bem com o seu blog de eleição que sempre acompanho com a máxima atenção

João Teago Figueiredo disse...

É a primeira vez que aqui venho e logo para me deparar com um post destes. Bem sei que é complicado entender a literatura sem trama, sem enredo e aquelas coisas que normalmente são os ingredientes das telenovelas e de lixo como 'Equadores' e coisas do género. O autor do post incorre num gravíssimo erro de leitura quando resume a qualidade de um romance ao facto de ter enredo e, nesse sentido, ao facto do "não avanço da trama" nos livros de Lobo Antunes. O problema está precisamente no facto de não conseguir encarar a escrita literária como um processo de linguagem e não de "histórias", é nesse sentido que o próprio Lobo Antunes diz que "a história é o prego onde penduramos o quadro". Ora, caro JG, quando conseguir ver o quadro e deixar o prego de lado vai entender que está a ler um dos maiores escritores que a língua portuguesa alguma vez viu nascer. Até lá vai continuar a apreciar Dan Brown's e outros que tais, inundado de pregos até ao pescoço que nunca o deixaram ver os quadros e os museus lá fora. Até sempre.

João Teago Figueiredo

Tabaleao disse...

e se eu dissesse que o 'e se eu gostasse muito de morrer' é mesmo bom, apesar de eu não ter lido nada de lobo antunes?

e que dizer mal de livros que não se leu, porque alguém, de quem não gosta, gostou - é feio?

'e se eu gostasse muito de morrer' é um livro sobre a realidade mórbida, melodramática, suicida e ao mesmo tempo extravagante e hilariante - do alentejo, em particular de Portalegre.

tudo é descrito ao pormenor - a própria capa do livro, as chaminés branca e preta da robinson que são um simbolo, quiçá uma metáfora da cidade de Portalegre - dos Portalegrenses.

Rui Cardoso Martins foi comparado a tarantino, Portalegre a twin peaks.

a diferença??

Onde está a ficção e onde está a realidade?

twin peaks é fictício.

Portalegre É real.

Sim, também eu vou ser julgada por ser de Portalegre e defender este livro - tal como Rui Cardoso Martins é de Portalegre. Mas tenho a vantagem de reconhecer histórias - não estórias - histórias - que nunca me recontaram tão bem.
Tenho a vantagem de saber onde acaba ou começa a ficção. E queiram saber meus caros - que a mistura de ficção com realidade nesta obra (eu já lhe chamo obra, para mim já o é) é capaz de vos surpreender - (não, porque eu não conto, por pudor, por causa daquele 'algo' que leva as pessoas estranhas de uma terra estranha a protegerem estranhamente as outras).

Mas deixo no ar que são as coisas mais banais de cada episódio contado que se afastam da realidade, e que são as partes mais reais as que o tornam mais estranho, nauseabundo, peculiar e divertido.

Antes de criticar um livro - especialmente um tão incrivelmente perturbante e assombroso, com humor negro e drama verdadeiro à mistura - leia-o.

De Portalegre já dizia Régio:

"Lá vem o vento suão que enche o sono de pavores, faz medo, esfarela os ossos, dói no peito sufocado e atira os desesperados às cordas com que se enforcam nas traves de alguns desvãos. Em Portalegre dizia - cidade onde então sofria - coisas que terei pudor de contar seja a quem for."

Rui Cardoso Martins não teve pudor... e contou.

...

Tabaleao disse...

Fonte: Informação recolhida da contra capa do livro.

«Rui Cardoso Martins

O nosso autor nasceu no Alentejo - Portalegre, formado em comunicação social pela Universidade Nova de Lisboa. Foi um dos fundadores do Público, onde ainda escreve a crónica "Levante-se o réu". Enquanto jornalista cobriu alguns momentos importantes da nossa história, como o cerco de Sarajevo, a guerra da Bósnia e as primeiras eleições livres na África do Sul.
Fundador das Produções Ficticias, co-criador do Contra-Informação, onde escreve desdo o 1º episódio. Ainda no registo humorístico escreveu para o Herman Enciclopédia, Conversa da Treta e para o Inimigo Público. Escreveu para o cinema o argumento do filme Zona J.»


então... ainda acha que o sucesso dele se irá dever a Lobo Antunes???