30.10.06

LER NA RETRETE


Caro JCD: percebo-o. Tanto percebo que me parece que a coisa merece transcrição integral, com sublinhados meus.
PNL

por Eduardo Prado Coelho (O fio do horizonte, in Público)

A Casa Fernando Pessoa organizou um debate sobre o Plano Nacional de Leitura, com a habitual moderação de Carlos Vaz Marques. Não tendo o dom da ubiquidade, não tive a oportunidade de estar presente. Lamento, porque o tema interessa-me e o convite incluía um "dossier" com declarações várias sobre a questão. Acontece que a leitura destes textos tem aspectos impressionantes. Alguns são considerações equilibradas e razoáveis. Mas outros revelam a mais espantosa ignorância e vocação para a tolice desenfreada. Grande parte destas vem de blogues, que pela desenvoltura da escrita, uma espécie de tu cá, tu lá, parece que favorece o disparate.Tanta demagogia! Uma personagem anónima, em algo que se intitula "Rabbit"s Blog", diz esta coisa publicitária: "O Modelo e Continente têm umas promoções de autores que ganharam o Nobel a 3,50 euros. A vantagem deste programa é que, ao contrário dos programas estatais, não só não custa um cêntimo ao contribuinte como é capaz de pôr mais gente a ler". Deve tratar-se de um funcionário do Continente que se pretendeu pôr em bicos dos pés. E que, com esta oscilação entre um anarquismo de esquerda e um fascismo de direita, vai-se buscar sempre o grande argumento: o bolso dos contribuintes. Mas isto é secundário. Porque a grande estupidez está nesta incapacidade de diferençar entre a promoção de uns livros a preços mais ou menos ocasionais e o que deve ser a consistência e complexidade de um verdadeiro Plano Nacional da Leitura. Este é um dos tópicos, o que passa pela ideia de que se não pode gastar dinheiro público com projectos deste tipo. Ora eu devo confessar: sempre que ouço a expressão "o dinheiro dos contribuintes" puxo a pistola. E não costumo falhar os alvos.A segunda ideia, mais elaborada e requintada em demagogia, é a de que as pessoas lêem imenso, mas não lêem aquilo que os intelectuais queriam. Daí a fúria deles, desanimados por não serem promovidos. Isto tem ainda a ver com uma outra idiotice que se propagou: o Plano Nacional da Leitura teria por função dizer às pessoas o que devem ler. Neste plano, Vasco Pulido Valente, que até pode ser uma pessoa inteligente, acumula todas as coisas absurdas, insensatas e totalmente desconhecedoras da realidade que se podem dizer sobre estas matérias.Como se lê: num estilo mais ou menos aparvalhado, um tal senhor Luís Aguiar Conraria, no blogue "A destreza das dúvidas", diz que "nunca se leu tanto como se lê hoje; basta ver o sucesso em Portugal de Dan Brown ou de Miguel Sousa Tavares. As comissões de bom gosto acham que devíamos ler Sophia de Mello Breyner e não Margarida Rebelo Pinto. (...) Provavelmente mandavam-nos ler poesia do século XIV no original". Eis o que se chama alguém que sabe verdadeiramente o que é literatura. Quanto ao meu amigo José Saramago, afirmou que a leitura será sempre questão de minorias. É verdade, embora o número que constitui essas minorias varie conforme os países. Mas David Mourão-Ferreira dizia escrever para "uma imensa minoria", e é portanto no "imensa" que está a questão."
Apenas dois ou três comentários. EPC, como bom intelectual orgânico - seja lá qual for o regime - tem o "dever cívico" de defender aquilo que o regime apresenta como bom para a educação geral das massas e para a sua subtil introdução nos estudos literários. Em 1975, como em 2006. Não pode, por isso, deixar de se colocar do lado do obscuro Plano Nacional de Literatura, coisa que, pelos vistos, está perfeitamente esclarecida na sua extraordinária cabeça. Em segundo lugar, EPC, apesar de ser uma "figura de esquerda", permite-se - o que é que ele não se permite - exibir a sua superioridade intelectual sobre os assalariados do eng.º Belmiro de Azevedo, num comentário de excelente recorte literário sobre um bloguista. E fazer um trocadilho reaccionário acerca do "dinheiro dos contribuintes", como se o "PNL" se pagasse por si. Depois, é claro que na cabeça de EPC, Vasco Pulido Valente não pode jamais pronunciar-se - nem ele, nem mais ninguém que não pertença à nomenclatura "intelectual" do regime - sobre uma "realidade"(?) que é apenas "real" nas cabeças fulgurantes e amiguistas dos membros da referida nomenclatura. O resto é lixo e supermercados. Finalmente - e aqui EPC tem razão - a frase do Conraria não passa de um dichote idiota sem qualquer relevância. Se bem que me pareça que cada um é livre de ler ou de não ler o que lhe aprouver, não é certamente o "PNL" (e, muito menos, o EPC) que vai induzir o prazer de ler - o mau, o bom e o péssimo - nos putativos leitores. Entre nós, será sempre uma "imensa minoria" a fazê-lo. Nem que seja na retrete.

4 comentários:

Anónimo disse...

é preciso pachorra para perder tempo com o epc..

Anónimo disse...

O meu filho, quando tinha apenas 2 anos e pouco e, portanto, não sabendo ainda ler, fingia que sabia e pegava nom jornal fazendo de conta que lia - dava-lhe uma entoação sonora. Uma vez, com 9 anos, disse-me: "oh mãe, a ..... não sabe muitas coisas porque não lê! Podia comprar livros para aprender, até podia começar por ler a Maria ....."

Já tinha a sua noção de LEITURA...

Anónimo disse...

Eu parto a moca a rir com estes gajos.

Do outro lado, o Con(f)raria, acusa o EPC de viver à conta do erário público, armando-se, simultaneamente, em paladino da sua dama, o VPV. É claro que o Con(f)raria esqueceu-se de referir, no seu desabafo, que VPV sempre viveu à custa do Erário público, mas com uma diferença: passa a vida a atacá-lo. Um verdadeiro caso tomasino; não de Aquino, mas de Frei Tomás - faz como ele diz, não faças como ele faz.

O JG concede ser disparate o que diz o con(f)raria e considera - mais uma vez na sua bonomia liberal - que cada um deve ler aquilo que quiser. Mas não o que VPV quer, supõe-se! Mas eu fico mais descansado, porque fiquei a saber que o VPV se rendeu ao Dan Brown e à Margarida Rebelo Pinto.

Agora pergunto eu na minha ingenuidade: quando é que será que alguém recorda ao VPV que não só é trabalhador do Estado (no ICS) coisa que para a maioria deve soar inaudito, como em vez de publicar os seus livros pelo mesmo ICS pôe-nos a render em editoras comerciais. Nem o Dickens conseguiria inventar um tal personagem.

Questão de leitura? Nãoooo, questão de decência.

ps- utilizando a referência do JG a esse opúsculo sagrado do Miller seria necessário dar uns pontapés nuns cus de uns deuses...

Anónimo disse...

A febre do PNL entre as editoras é que vai ser um episódio lindo - leia-se, ridículo - de ver. Atente-se no caso desta "alternativa" chancela da Invicta, www.derivaeditores.pt, que avançou já com uma nova categoria para a classificação dos livros que oferece: ao lado do ensaio, da poesia, do livro infantil, etc, temos agora,... isso, adivinharam: os livros do PNL! Toda uma avenida para a ensaística literária se abre, agora, perante nós, meus amigos!

Grupo de Observação e Paródia dos PNLeiros Nacionais
GOPAPNLN