12.4.05

O QUE IMPORTA



O suplemento Mil Folhas do Público de sábado último, trazia um artigo de Maria Filomena Mónica intitulado A Covardia dos Intelectuais, escrito a partir da leitura do livro do sociólogo Frank Furedi, Where Have All The Intellectuals Gone?, Continuum, London. Edito aqui parte desse artigo – sem link por causa da “nova política” do Público – porque o considero uma importante reflexão sobre o que importa, embora verdadeiramente ninguém se importe.


(…) As actuais políticas educativas constituem um cruzamento entre o infantilismo e a psicoterapia: menorizam os estudantes, porque os nivelam pelo menor denominador comum, e psicoterapizam a cultura, porque não querem beliscar a “auto-estima” dos adolescentes. O resultado é a ignorância dos jovens licenciados, muitos deles tendo frequentado, com enormes custos para as famílias, a universidade. Basta ver o concurso da RTP-1 Um Contra Todos para nos apercebermos até que ponto a falta de cultura geral aflige os portugueses.
O facto de a actual ortodoxia pedagógica contribuir para aprisionar os pobres na sua classe de origem não parece perturbar os responsáveis pela Educação – do PSD ou do PS – que, ao longo dos anos, se têm sucedido, à frente do ministério. Os seus filhos frequentam escolas privadas; são os outros, os filhos dos pobres, a ser sujeitos às experiências pedagógicas. Se fosse paranóica, diria que se trata de uma conspiração, por parte dos poderosos, para que os meninos pobres não compitam, no mercado de trabalho, com a geração nascida em berço de oiro.
No final, Furedi alarga a sua polémica a outros campos culturais, nomeadamente à televisão. Aqui, o seu objectivo é o de questionar o postulado que pressupõe serem as audiências elevadas incompatíveis com a excelência. A retórica que declara que aquilo que se está “a dar ao povo é o que ele gosta” tem como base a crença de que as massas populares são intrinsecamente estúpidas e, portanto, incapazes de seguir um raciocínio complexo ou de admirar uma obra de arte. Uma tendência paralela é o endeusamento da Internet como transmissora de cultura, tema retomado, entre nós, na recente campanha eleitoral, sob a designação do “choque tecnológico” proposto pelo PS. Num país de analfabetos, o computador transformou-se numa varinha mágica capaz de transformar um bronco num génio. Por outro lado, a profusão recente dos blogues pode dar a ilusão de que existe uma maior democratização da opinião pública. Nada é menos verdade: a maioria dos blogues são versões modernizadas do que dantes se escrevia nas paredes das casas de banho públicas. Os jornais, as rádios e as televisões continuam seguros nas mãos de quem tem dinheiro.(…)
Num momento em que tantos baixam os braços, Furedi continua a lutar e, mérito seu, a recordar o tempo em que existiam intelectuais, como Bertrand Russell (cuja “Autobiografia” recomendo), capazes de, em simultâneo, produzirem obras intelectuais de peso e de se envolverem nos debates contemporâneos. Na raiz do mal contemporâneo está a incapacidade de se estabelecer a distinção entre elitismo e exclusão social. Se é verdade que, por vezes, elites sociais e intelectuais coincidem, isto está longe de ser a regra, especialmente em Portugal, onde, desde sempre, as classes altas consideraram a cultura um adereço desnecessário. (…)

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