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31.3.09

OUTRO LUGAR, OUTRAS GENTES


«O que queria deixar aqui escrito é que as pessoas que me vão enchendo estas páginas numa viagem que se iniciou em Lisboa e a esta voltará, são as pessoas que me interessam e que as mostro, pois então. Que se saiba da existência de homens e mulheres que trabalham como nenhum de nós sabe ou jamais saberá. É no duro, a doer, não é como estar aqui sentada a escrever e a cair na rima, sem grand ou petit souci, como se dirá tudo isto em dutch? A vida destas pessoas não é a vida que sei de cor e que leio por aqui, por exemplo, da empáfia, desse abrir a boca de tédio e estúpida melancolia mas nunca de espanto (...). O que quero mostrar, claro, preto no branco, a cores, de todas as formas e feitios é a importância de ser vivo, mas desta forma, com orgulho, sem empáfia. E enquanto assim penso e escrevo estas notas, recordo os que vieram ter comigo a pedir fotografia de pose. E a rir os fotografei, e a rir deixaram-se ir na brincadeira para uma posteridade qualquer, sabemos lá nós qual, dank u wel. São as pessoas de Antuérpia, os estivadores e uma estivadora, ali ao centro, onde estava.»

Fátima Rolo Duarte, texto e foto. Porto de Antuérpia. 2009

19.5.07

GRANDES FRASES


Para António Leite-Matos, prestamista do século XXI, com futuro

"O mal não se perpetua senão no pretender-se que não existe, ou que, excessivo para a nossa delicadeza, há que deixá-lo num discreto limbo. É no silêncio e no calculado esquecimento dos delicados que o mal se apura e afina - tanto assim é, que é tradicional o amor das tiranias pelo silêncio, e que as Inquisições sempre só trouxeram à luz do dia as suas vítimas, para assassiná-las exemplarmente. Por outro lado, o que às vezes parece amor do mal é uma infinita piedade de que os "bondosos" e os "puros" se cortaram: uma compreensão e um apelo em favor de que o amor do "bem" não alimente nem justifique a monstruosidade do mal, tanto mais monstruoso quanto mais, psico-socialmente, a idealização desse "bem" o confinou a ser. [A vida] só é monstruosa, não porque algo o seja em si, e sim porque o repouso egoísta, a ignorância, a falsa inocência, são sempre feitas de um crescente juro de monstruosidade. Nenhum realismo o será, se recuar aflito, mas porque, aflito, não recua."

Jorge de Sena, 1971

O TEMPO DAS CEREJAS - 2

Quando a violência da primavera voltar
acolhe o que resta das visões
e o espírito voga aquém da alma.
Não sei o que dirão de mim.
Eu quis amar e não pude.


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Pouso no papel deste poema, a minha boca
na tua boca e os beijos não existem,
nem sequer ao vento uma leve cortina
que esvoace. Nada, rapace, nada sente
essa boca distante, a tua boca,
o peso de algodão da pena de uma ave,
lábios, língua, dentes, saliva.
Por quanto tempo ainda, noite em noite,
irei pela cidade sem beijar, sem
de verdade beijar em qualquer boca
essa fome que não beijei, a tua.


Joaquim Manuel Magalhães