Parece que alguns dos pseudo-cómicos oficiais do regime "parodiaram" Ricardo Pais (o encenador e antigo director do Teatro S. João do Porto) no Largo do São Carlos, comparando-o a Júlio Dantas. Teriam usado o famoso "manifesto" de Almada Negreiros para "gozar" Pais. Apesar de não entender o cabimento de uma macacada deste género em frente (e organizada) pela OPART que, em má hora, gere o único teatro lírico nacional, penso que atingimos um ponto de abastardamento nacional (basta atentar num 1º ministro que afirma, sem se rir, que ainda está para nascer um 1º ministro capaz de fazer melhor do que ele...) em que qualquer palhaçada dita "cultural" será sempre um mal menor. Sobretudo julgo que, a bem da "avaliação" do "respeitável público", nada deve ser proibido ou excluído. O "público", aliás, gosta de se ver (bem) representado. Mas regressemos a Dantas porque Pais deixou de me interessar há uns anos. O melhor do artigo da Helena Matos no Público nem sequer é a malfadada cronologia do improvável "socratismo" de que os referidos cómicos "idiotex" narram exemplarmente o esplendor. O melhor - por ilustrar o contrário destes tempos de gente que possui todas as qualidades dos cães menos a lealdade - é o que a Helena debita sobre Dantas. Até porque o "pim" de Almada liquidou-o aos olhos da parola intelectualidade indígena. E não merecia.
«Não me interessam muito as razões que levaram estes actores a estabelecer esse paralelo entre Júlio Dantas e Ricardo Pais. O que eu queria mesmo era um pretexto para falar do Dantas e sobretudo desmanchar aquele sorrisinho consensual, género "tão moderninho que eu sou!", que nasce quando o nome do dito Dantas é pronunciado. Durante anos o que conheci de Júlio Dantas foi o que dele escreveu Almada Negreiros. Um trabalho sobre o primeiro filme sonoro português, A Severa, fez-me interessar pela figura do tão ridicularizado Dantas. Não foram as excelentes letras dos fados que me levaram a considerar que talvez o Dantas não fosse apenas o boneco que dele fizera Almada. Foram sim umas cartas. Mais propriamente as cartas que escreveu a um preso de seu nome José Carlos Amador Rebelo. Até ao dia 6 de Fevereiro de 1931, Amador Rebelo era uma figura conhecida nesse meio cultural que anunciava ir revolucionar e organizar o cinema português em moldes modernos. O que o levara a esse mundo foi o seu talento não para o cinema mas sim para arranjar dinheiro. Quando Leitão de Barros avança para a realização do primeiro filme sonoro português, a Sociedade Universal de Super Filmes, produtora da fita, procura Amador Rebelo, que garante boa parte do capital de A Severa. Acontece que desgraçadamente o dinheiro não era de Amador Rebelo mas sim do BNU, onde Amador Rebelo tinha o invejado cargo de inspector-geral e de onde desviara o dinheiro para financiar A Severa. Às onze da noite do dia 6 de Fevereiro de 1931, João Ulrich, então director do BNU, entrou no Torel para apresentar queixa por desfalque contra Amador Rebelo. Desde esse momento a grande preocupação da gente moderna da cultura e do cinema foi desvincular-se desse homem a quem até há uns dias enviavam telegramas pedindo dinheiro para fazerem a sua obra: "A escola Alves Reis, em cuja árvore genealógica entronca José Amador Rebelo, seu jovem e aproveitado discípulo deve ser expropriada e arrasada" - lê-se na revista Cinéfilo escassos dias depois da denúncia do BNU. Amador Rebelo seria preso e julgado. E é aí, na cadeia, que entra o nome de Júlio Dantas, pois, ao contrário de outros, fossem eles cineastas, escritores ou artistas muito mais modernos, revolucionários e tidos como menos oficiosos, Júlio Dantas não se esquece de Amador Rebelo e escreve-lhe para a cadeia procurando encorajá-lo. Certamente efeminado e postiço como lhe chamou Almada, vaidoso e egocêntrico como o descreveu pitorescamente Marcelo Caetano, a verdade é que Júlio Dantas é também o intelectual que desempenhou com qualidade os cargos que teve e o homem que não fez de conta que não conhecia um amigo e que, nos anos 20, se opôs ao grupo moderníssimo de radicais que pretendia retirar duma livraria do Chiado exemplares das Canções de António Botto. Júlio Dantas tem representado convenientemente o papel do intelectual em que literal e historicamente falando é moderno malhar mas a vida (e no caso de Júlio Dantas a própria morte) e a sua teia de compromissos, fraquezas, glórias e princípios é sempre bem mais complexa do que as certezas inscritas nas frases dramaticamente sonoras e frequentemente belas dos manifestos.»
«Não me interessam muito as razões que levaram estes actores a estabelecer esse paralelo entre Júlio Dantas e Ricardo Pais. O que eu queria mesmo era um pretexto para falar do Dantas e sobretudo desmanchar aquele sorrisinho consensual, género "tão moderninho que eu sou!", que nasce quando o nome do dito Dantas é pronunciado. Durante anos o que conheci de Júlio Dantas foi o que dele escreveu Almada Negreiros. Um trabalho sobre o primeiro filme sonoro português, A Severa, fez-me interessar pela figura do tão ridicularizado Dantas. Não foram as excelentes letras dos fados que me levaram a considerar que talvez o Dantas não fosse apenas o boneco que dele fizera Almada. Foram sim umas cartas. Mais propriamente as cartas que escreveu a um preso de seu nome José Carlos Amador Rebelo. Até ao dia 6 de Fevereiro de 1931, Amador Rebelo era uma figura conhecida nesse meio cultural que anunciava ir revolucionar e organizar o cinema português em moldes modernos. O que o levara a esse mundo foi o seu talento não para o cinema mas sim para arranjar dinheiro. Quando Leitão de Barros avança para a realização do primeiro filme sonoro português, a Sociedade Universal de Super Filmes, produtora da fita, procura Amador Rebelo, que garante boa parte do capital de A Severa. Acontece que desgraçadamente o dinheiro não era de Amador Rebelo mas sim do BNU, onde Amador Rebelo tinha o invejado cargo de inspector-geral e de onde desviara o dinheiro para financiar A Severa. Às onze da noite do dia 6 de Fevereiro de 1931, João Ulrich, então director do BNU, entrou no Torel para apresentar queixa por desfalque contra Amador Rebelo. Desde esse momento a grande preocupação da gente moderna da cultura e do cinema foi desvincular-se desse homem a quem até há uns dias enviavam telegramas pedindo dinheiro para fazerem a sua obra: "A escola Alves Reis, em cuja árvore genealógica entronca José Amador Rebelo, seu jovem e aproveitado discípulo deve ser expropriada e arrasada" - lê-se na revista Cinéfilo escassos dias depois da denúncia do BNU. Amador Rebelo seria preso e julgado. E é aí, na cadeia, que entra o nome de Júlio Dantas, pois, ao contrário de outros, fossem eles cineastas, escritores ou artistas muito mais modernos, revolucionários e tidos como menos oficiosos, Júlio Dantas não se esquece de Amador Rebelo e escreve-lhe para a cadeia procurando encorajá-lo. Certamente efeminado e postiço como lhe chamou Almada, vaidoso e egocêntrico como o descreveu pitorescamente Marcelo Caetano, a verdade é que Júlio Dantas é também o intelectual que desempenhou com qualidade os cargos que teve e o homem que não fez de conta que não conhecia um amigo e que, nos anos 20, se opôs ao grupo moderníssimo de radicais que pretendia retirar duma livraria do Chiado exemplares das Canções de António Botto. Júlio Dantas tem representado convenientemente o papel do intelectual em que literal e historicamente falando é moderno malhar mas a vida (e no caso de Júlio Dantas a própria morte) e a sua teia de compromissos, fraquezas, glórias e princípios é sempre bem mais complexa do que as certezas inscritas nas frases dramaticamente sonoras e frequentemente belas dos manifestos.»
8 comentários:
Reagiram como você os burgueses enfatuados que insultaram Almada-Negreiros quando ele escreveu o Manifesto Anti-Dantas...
Obrigado João Gonçalves pela sua franqueza – "Pais deixou de me interessar há uns anos" –... É óbvio que o Ricardo Pais é um homem de "talento", quanto à ARTE, essa está a maior parte das vezes nos colaboradores de que tão habilmente se rodeia – justiça lhe seja feita (a ele R. Pais)! O grande problema com o Pais está no modo como foi gerindo a sua carreira pessoal em detrimento da artística! Utilizando quem lhe era útil, deixando-os cair quando achava que já não serviam os seus desígnios. Ao longo dos anos (desde que foi para Comissário de Teatro em Coimbra pela mão de Santana Lopes, com quem tinha tido UM GRANDE DIFERENDO), fomos assistindo a uma colagem sua a tudo o que fosse PODER, ou que lhe pudesse trazer PODER. Assim, manipulando nos bastidores foi colocando peões aqui e ali, deixando-os cair conforme fizessem ou não o que ele queria, sobretudo se não lhe fizessem concorrência!... A última vítima é o Nuno Carinhas (agora director do S. João), que durante anos foi um lacaio do Pais – mas finalmente teve a recompensa que tanto ambicionava!... Mas até quando?... Muito em breve, quando não fizer o que o Pais quer, ou como quer, sentirá na pele o fel do Pais – que não suporta ver os seus súbditos no seu "patamar". Consulte-se a lista de "fazedores de teatro" que foram excluídos do S. João... Alguém por acaso, em 12 ou 15 anos, viu por lá o Jorge Silva Melo? Mas viram lá imensas vezes o NUNO CARINHAS!... Até o Fragateiro foi acolhido no S. João com uma produção da sua programação no D. Maria II... E lembram-se do modo como o crítico do Expresso, João Carneiro, foi tratado a 1ª vez que disse mal duma encenação do Pais - A Castro? Foi "insultado" no jornal do próprio Teatro S. João!... Isto passou a ser o Ricardo Pais no seu melhor!
A origem ideológica dessa srªHelena explica muita coisa dessa chica esperta.
Tomara qualquer desses notórios borra-botas socretinos, que pensaram insultar Ricardo Pais comparando-o a Júlio Dantas, um centésimo da qualidade literária (e humana) do autor da "Ceia dos Cardeais".
A que misérias está a descer este país!
E nunca mais chega o Outono, com a grande vassoura...
Quem escreve desta forma, sofrerá, melhor, usufruirá, de santa Liberdade ou santa ignorância?
Só tarde me dei conta de que o pseudo-espectáculo concebido para o Largo de São Carlos, promovido, ao que parece, pelo Teatro Nacional D. Maria II, se destinava a glosar (contra Ricardo Pais) o famoso "manifesto" anti-Dantas, de Almada Negreiros. Pseudo-espectáculo que foi primeiro aceite, depois recusado, a seguir suspenso e finalmente autorizado pela OPART.
Não quero discutir aqui os "vícios privados" ou as "públicas virtudes" de Ricardo Pais. Interessa-me, sobretudo, o Dantas.
Publiquei no meu blogue, em 26 de Maio, um post sobre Júlio Dantas, no 47º aniversário da sua morte.
Porque era um académico ilustre, porque foi um dos mais profundos conhecedores da língua portuguesa, porque publicou dezenas de livros que na forma e no conteúdo são textos notáveis (poesia, ensaio, ficção, teatro), porque os seus discursos constituem das mais belas peças de oratória depois do Padre António Vieira (sim, é verdade, embora muitos desconheçam ou ignorem propositadamente esta verdade), porque a maior parte das suas peças foi representada com um êxito que faz inveja à maioria das actuais produções teatrais, porque desempenhou brilhantemente funções de ministro e de embaixador, porque foi um inovador nos temas das suas peças, algumas das quais foram extraordinariamente arrojadas para a época (tal como o "Mar Alto", de António Ferro, que foi proibido pelo Governo Civil de Lisboa em plena I República), e porque escreveu "A Ceia dos Cardeais", que está traduzida em dezenas de línguas, por tudo isto e possivelmente mais Júlio Dantas tornou-se um mal-amado da literatura portuguesa.
Esquecido pela direita (a que não pertencia), ignorado pelo centro (que vive a sua própria ignorância), atacado pela esquerda (de quem no fundo estaria porventura mais próximo) que julgou ler nele um camareiro real (ou papal), não sabendo medir as distâncias no tempo (a sua obra tem um século), Júlio Dantas foi empurrado para o limbo do esquecimento, de que apenas sai pela evocação do famoso manifesto de Almada, utilizado a torto e a direito sem que se saiba bem porquê.
Não vi a paródia do Largo de S. Carlos, que aliás não me interessa. Mas os ecos que me chegam neste blogue esclarecem-me o suficiente para poder denunciar a ignorância, a estupidez, o oportunismo ou mesmo a má-fé de todos quantos se encarniçam a apoucar o Dantas, sem dele terem lido, porventura, uma única linha!
Afinal, ser-me-ia também fácil, se estivesse possesso de estultícia, escrever agora aqui:
MORRAM TODOS OS DETRACTORES DO DANTAS. PIM!
Ali em baixo, ontem como hoje, um homem de visão. Um governante impar. Socrates!
fac de letras de lisboa. almada num estrado alto pinta um painel.entra o Prof Manuel Antunes (SJ).dialógo iniciado por Almada:
-és todo espírito
-és todos olhos
fui amigo do Prof. almoçavamos quinzenalmente. não por publicar os meus trabalhos mas por amizades. lamento que "peixinho vermelho na pia da água benta" lhe tenha dito que era diabético sem mandar fazer análises. não conseguir salvar este saudoso amigo. considero que foi crime premeditado para eliminar um indesejável.
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