O António Valdemar, no suplemento "cultural" do Expresso, escreve sobre o livro da foto. Vergílio Ferreira era uma verdadeira "língua de prata" ainda por cima talentosa e ferozmente independente. Deu-me muito gozo, em pleno curso de direito, ler os dois primeiros e fresquinhos Conta-Corrente, emprestados pela minha saudosa professora de inglês do liceu. Nessa altura, algumas das "personagens" visadas ainda me eram estranhas. Este Diário Inédito (Bertrand Editora) data de quase quarenta anos antes da saída da Conta-Corrente. A "catilinária" do Valdemar, contra o que ela pretende, é um convite subreptício a ir já comprar o livro. Por duas razões. Valdemar acha que V. Ferreira, ao dar conta do "ambiente" cultural e literário que contribuiu para a sua formação, entre 44 e 49, também devia ter derramado sobre a "angústia" anti-fascista e anti-salazarista que perpassava - ou que deveria obrigatoriamente perpassar - pelos "intelectuais" da época. «Graves omissões» ou passagens de «gato sobre brasas», eis como Valdemar qualifica tamanha desvergonha, digamos assim, não traduzida em letra de forma pelo autor de Aparição. O perfeito intelectual anti-fascista, segundo Valdemar, tinha forçosamente de escrever, por exemplo, sobre a «constituição e expansão do MUD» ou a maravilhosa «candidatura de Norton de Matos». Ou seja, este Diário Inédito poupa-nos, pelos vistos, aos lugares-comuns que conhecemos - e que V. Ferreira conhecia porque nunca foi suspeito de "colaboracionismo" - acerca da vulgata neo-realista inspirada pelo fim da guerra em tantos intelectuais "orgânicos" que andaram anos a fio a prometer-nos o "futuro" e o "progresso". Depois, e ainda segundo o crítico, Ferreira comete o sacrilégio de «investir» contra Régio e de «arrasar» Torga, dois monumentos à chatice literária nacional. Quem define Torga como «mixórdia de pederneira, bruteza e casebres da Beira ou Trás-os-Montes» faz mais pela história da literatura portuguesa que dezenas de babugens "correctas" que constam dos manuais tradicionais. O António, desde que promoveu a transladação do "mestre" Aquilino para o Panteão Nacional, tomou as dores de uma "escola de pensamento" dedicada a revolver as ossadas de alguns ex-campeões nacionais em maçada literária e em anti-fascismo "orgânico". Alterna, nesta meritória tarefa, com o dr. Soares quando este não está virado para os seus novos amigos latino-americanos. Por isso, e só por isso, devolvo-lhe a bola preta que destinou ao livro de Vergílio Ferreira. No hard feelings.
6 comentários:
ferreira dispensava o rótulo de anti-fascista porque estava acima disso. o antónio pertenceu a loja liberdade e justiça por desajustamento.foi social-democrata e nos últimos anos mudou a direcção dos seus ataques e os seus gostos.fui aluno desse chato que foi régio
Muito bem!
Não foi o crítico Valdemar que declarou que deve muito da sua formação jornalística ao então director do DN, Augusto de Castro, conhecido pelas suas simpatias pelo Dr. Salazar? Pelos vistos, continuamos nesta triste saga, passados mais de 30 anos da revolução dos cravos: de um lado, os bons que são os neo-realistas, os jacobinos e os maçons, do outro, os simpatizantes do Estado Novo, os católicos e os conservadores em geral. Como diria o outro, não há .. que aguente!
Muito bem dito. E nem a propósito, acabo de receber um e-mail de um Director de Serviços da Direcção-Regional de Educação do Centro, informando que vai decorrer, na Guarda, o curso de "Monitores de Desporto para Pessoas com Deficiência Intelectual" (sic). Acho que toda a gente se devia inscrever.
O pseudónimo Valdemar é um caso, mas não merece estudo, tal a insignificância da criatura. O seu jornalismo "anti-fascista" fez-se na reportagem das "Construções na Areia" do DN. O que diz tudo.
Quando andava na Faculdade de Letras de Lisboa, na 1.ª metade dos anos 80, ainda o V. Ferreira era bem odiado por uma certa ala da faculdade, lá mais para os departamentos de literaturas. Continua, apesar de morto, a gerar grandes dores de estômago. Há um registo absolutamente verrumante, numa das primeiras conta-correntes, para certos ideólogos neo-realistas. Diz respeito ao homicídio da mulher de Louis Althousser pelo próprio e o peso que o seu marxismo teria no acto. Pena não ter o livro à mão, pois mereceria citação. É uma das desconstruções mais cáusticas que vi até hoje da pretensão do marxismo a ser filosofia.
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