9.6.11

A HERANÇA ENVENENADA


«Pela primeira vez em Portugal, um primeiro-ministro eleito perdeu umas eleições legislativas. E isso aconteceu com o pior resultado que o PS teve nos últimos vinte anos. Sócrates despediu-se depressa, tinha preparado no teleponto um longo discurso em que, mais uma vez, procurou negar a verdade e fugir às evidências - sobretudo a de que deixa um país encurralado e à beira da ruína e um PS embalsamado e com os seus valores patrimoniais fundamentais muito abalados. O que o discurso revelou - apesar do que dizia o teleponto - foi, por um lado, um Sócrates aterrorizado com o juízo da história e com o lugar que ela certamente lhe reserva, associado à bancarrota de 2011. E, por outro lado, a obsessão em condicionar o natural debate interno sobre as lições que há que tirar deste desaire, que se traduziu na perda, em seis anos, de um milhão de votos. Tudo indica que a vida não vai ser fácil para o Partido Socialista, que fica agora à mercê de uma diabolização política que não vai tardar, em previsível resposta ao funambular optimismo dos últimos tempos. É que Sócrates deixa nos braços do PS uma herança envenenada, que é a de ter que "ser oposição" a um programa que ele próprio assinou. O socratismo corre, assim, o risco de se tornar numa verdadeira maldição para o PS. Isso só não acontecerá se houver, desde já, lucidez e coragem para reconhecer que, com este julgamento dos portugueses, o tempo dos álibis acabou e se abre agora um tempo de debate e de balanço. Um tempo de debate, porque infelizmente a capacidade de ouvir, de pensar e de debater, que deve sempre acompanhar o exercício democrático do poder, foi um défice constante, e crescente, destes seis anos. E um tempo de balanço, porque só com efectivo espírito de responsabilidade, mas também com verdadeiro sentido patriótico, será possível reconquistar a credibilidade perdida. Em suma, o PS precisa, antes do regresso ao combate político, de dar ao País um forte sinal político, mas também ético, feito de humildade e de verdade. Este vai ser, sem dúvida, o maior e o mais imediato desafio da sua próxima liderança. Com a vitória da "coligação" PSD/CDS, o País entra agora numa nova fase. Se se trata de um novo ciclo político ou, apenas, de uma nova legislatura, só o tempo o dirá. Mas seria bom ter consciência que a crise em que Portugal tem vivido traduz, no essencial, um prolongado e difícil impasse, constituído por um cerrado nó de problemas que esta primeira década do século XXI, em particular nos últimos dois anos, agravou pesadamente. E estes problemas são fundamentalmente três: o problema cultural, o problema económico e o problema financeiro. O primeiro decorre da falta de valores e de visão estratégica que permita pensar com consistência um rumo para o País, capaz de se afirmar ao mesmo tempo no quadro europeu, no âmbito lusófono e na globalização. É isso que pode dar aos portugueses uma ideia global de si próprios como sociedade e como nação, dotados de convicções e de projectos colectivos. Só com este problema bem equacionado se poderão definir as audazes apostas que é preciso fazer para resolver o problema económico, de modo a conseguir essa articulação tão difícil, que é a de se atingir um crescimento significativo do País, aumentando o emprego para os portugueses, nomeadamente para as qualificadas novas gerações. E só com estas bases é que o problema financeiro virá a ter outra solução que não seja a dos habituais cortes atrás de cortes, amparada num constante aumento de pressão fiscal. Incapazes de, até ao momento, equacionar e resolver este nó de problemas, acabámos nas mãos de uma troika que o fez à sua maneira, segundo um "memorando" cujo cumprimento nos condiciona em tudo no imediato, sem, contudo, garantir nada a prazo, como de resto a tragédia grega bem tem mostrado nesta últimas semanas. Com um dado novo, que merece muita atenção: é que agora o que está em causa não é o incumprimento, por parte da Grécia, do plano estabelecido, mas - o que é bem diferente - o facto de a sua concretização não ter conduzido ao resultado previsto pela troika há um ano. O que só pode reforçar as mais sérias apreensões sobre o caminho e o destino da União Europeia.»

M.M. Carrilho, DN

3 comentários:

Anónimo disse...

O PS herdou e tem nas mãos um enorme aborto, que é ele próprio.

Anónimo disse...

...parece que em 1995 o endividamento era de 10% do PIB. E isto já com as políticas de "destruição do tecido produtivo" postas em prática "por Cavaco Silva"; segundo o PCP da altura era assim que a coisa se passava. Guterres veio dar o golpe de misericórdia - aumentando brutalmente a administração paralela e criando uma irresponsável máquina de atirar dinheiro para cima de modos de vida estéreis a todos os níveis. Durão lamentou-se, nada fez; e fugiu. Carrilho alerta para "um problema cultural" onde refere, e eu vejo, a falta de rumo e de objectivos: o que é ser português? porque 'querem' os portugueses 'continuar', e como? Como pretendem 'melhorar'? ("melhorar", para mim, não é só ter um plasma novo e umas pantufas da moda). Num País normal, numa nação dotada de um povo de mentalidade saudável - e com um passado tradicionalmente de trabalho e de esforço - esta questão nem se põe! Apenas a vejo constantemente exumada nestas alturas de crise EM PORTUGAL. Em outras paragens ela é natural, permanente, genética e não precisa de ser referida: seria como falar do sono, da sede, da fome, da alegria, de catar piolhos - tudo coisas naturais. A incompetência, o desnorte e o pacto com crimes - que foi o resultado dos governos sócrates - são apenas o expediente estafado da fuga para a frente e da ausência total de patriotismo, e da noção "do que se é", cuja falta tem abalado o País desde 1974 - sem cessar. As nossas muletas (espantoso, como as encaramos...), que têm passado por nobres e grandes desígnios nacionais, partiram-se sempre deixando-nos caír: CEE, Maastricht, o Euro, Lisboa, etc, etc. Será que não há quem perceba que não existem os tais 'almoços grátis'? (na verdade, nunca na história da humanidade existiram) e que se nos mantivermos vivos isso nunca se deverá aos nossos lindos olhos?

Ass.: Besta Imunda

Ana Cristina Leonardo disse...

Portugal é um país demasiado velho, com fronteiras demasiado antigas. No meio da balbúrdia que é a Europa - em que um país como a Itália tem 150 anos, a língua francesa só "uniformizou" a França no final do século XVIII, para não falar de coisas muito mais recentes que resultaram da I e da II Guerras, ou das independências pós queda do muro de Berlim, nós somos uns paradinhos. E parar é morrer.