Abri isto para escrever sobre o aborto, sobre o esforço de cidadania feito por um pequeno grupo de simpáticos estudantes do antigo Liceu Camões, entre os dezassete e os dezoito anos, que quiseram ouvir o "não" e o "sim". Para comentar o jargão aprendido nas secções do partido e trocado pelo fim atempado do curso de direito do voluntarista representante da JS. Ou da clareza da jovem do BE que se fartou de falar na "legalização" do aborto sem saber do que é que estava a falar. Ou ainda da serenidade sistemática da Assunção na defesa do "não". Todavia, a televisão deu-me a notícia da morte de A. H. de Oliveira Marques. Antes de o conhecer pessoalmente, em 1980, na campanha da recandidatura do Presidente Eanes, já ele me "acompanhava", desde o liceu, com a sua utilíssima "História de Portugal". Nessa altura apetecia-me o curso de história, mas o horrível propedêutico da época arrastou-me para o direito na Católica. Um pequeno desvario a meio do curso, levou-me a uma passagem fugaz pela Universidade Nova, a da Avenida de Berna, da qual Oliveira Marques tinha sido, se não erro, presidente da respectiva comissão instaladora, o equivalente a "reitor". Foi sempre a sua casa, depois da saída de Letras e dos anos americanos. Foi graças à sua influência que, anos mais tarde, entrei para a Maçonaria Portuguesa, o Grande Oriente Lusitano, a única a que pertenci. Frequentei a sua antiga casa, em Alvalade, e aprendi muito com as conversas que partilhámos. Infelizmente adiei de forma irreversível visitá-lo na "Casa do Gato", a Santa Clara. O tempo, a vida, a falta de paciência e umas quantas pequenas divergências fizeram-me abandonar o GOL, depois de, com ele e outros amigos, termos formado a Loja Fénix, em 1989. Nunca tremeram a estima e a sincera admiração pelo homem e pelo intelectual. Víamo-nos no São Carlos, com o António Henrique no mesmo camarote de sempre, na primeira ordem. Era um genuíno maçon, um fervoroso republicano e um íntegro progressista. Eu, entretanto, mudei sendo o mesmo. Para a sua "Breve História de Portugal" escolheu como epígrafe uma frase do jovem Werther, o mais famoso herói romântico de Goethe: "warum wechst du mich, Frühlingsluft?... die Zeit meines Welkens ist nah". Esse "tempo" de que falava o malogrado Werther chegou hoje para o António Henrique. Que entre em paz no seu Oriente Eterno.
4 comentários:
«Portugal está condenado como nação, porque perdeu valores colectivos que definem um povo, uma sociedade, uma moral, uma política».
Adelino Maltez citando Oliveira Marques (tempo que passa)
Pois que seja, então. E que tal traduzir o Goethe para os não iniciados? Acho que o post não perdia nada da pompa funerária... perdia um bocadinho, está bem, pronto.
Ich bin ein anonymous
Excelente memorial. Lembraria ainda a subtil ironia do A.H.,e a sua paixão pela filatelia,tendo escrito o melhor texto sobre esse mais que hobby,a "História do Selo Postal Português",que possuo com amiga dedicatória. Lembrando o Werther e o seu gosto pela ópera porque não ouvir hoje in memoriam o "Pourquoi me reveiller" pelo Tito Schippa,que tantas vezes o cantou aqui em Lisboa?
Recordo o professor A.H., cuja morte prematura lamento, quando tanto havia ainda a esperar da sua pena, nomeadamente a conclusão da monumental História da Maçonaria em Portugal, que, por falta de saúde, por causa de outros trabalhos ou por momentâneo desinteresse, deixou inacabada. Mas muito lhe deve a história da Maçonaria e a história de Portugal. Não compartilhando inteiramente das suas ideias, mormente no que se refere à interpretação da Primeira República, reconheço que a sua intervenção se pautou pela utilização de vasta documentação para alicerçar as suas descrições e conclusões. Faço votos para que se constitua uma equipa credível e eficaz, que possa levar a termo, tanto quanto possível no espírito do autor, e num prazo razoázel a História da Maçonaria. Trabalho certamente difícil mas indispensável, e também forma de prestar uma homenagem póstuma ao prof. A.H. passado ao oriente eterno.
MINA
Enviar um comentário