1. Hesitei entre terminar hoje o blogue ou em mudar nele qualquer coisa. Na realidade, esta aventura surgiu do acaso da minha fortuita desocupação "intelectual" quando abandonei as funções que exercia no Teatro Nacional de São Carlos, em 2003. Para evitar a inevitável sensação de privação que o abandono voluntário de um lugar e de pessoas que me eram queridas - por causa de outros lugares e de outras pessoas menores - sempre provoca, dediquei-me a isto. O regresso a funções menos estimulantes também ajudou. A dado passo, o Portugal dos Pequeninos partiu numa direcção inesperada. Os apontamentos quotidianos, muito por força do "exterior", chegaram demasiado depressa à "política", depois de uma fase inicial muito marcada pelo "trauma" cultural. Dei por mim a ser um dos mais ferozes "combatentes" do imenso equívoco que foi a liderança do governo por Durão Barroso, primeiro, e por Santana Lopes, depois. Tentei modestamente denunciar a "secagem" cívica e cultural que estes dois percursos complementares representaram. Simultaneamente empenhei-me numa alternativa que acabou por surgir mais cedo e a qual eu apoiei.
2. No espaço e no tempo deste blogue, tornei-me "independente" de partidos - valha isto o que valer - sendo certo que sempre o fui intimamente, aceitando pagar por isso quase sempre uma pesada factura pessoal. Pelo caminho, perdi inevitavelmente "amigos". A propósito, ocorre-me uma frase que muito aprecio tirada do "prefácio" de Truman Capote ao seu livro Música para Camaleões: "quando Deus nos concede um dom, dá-nos também um chicote; e esse chicote destina-se unicamente à autoflagelação".
3. Por recurso a um outro autor meu muito estimado, Philip Roth, decidi mudar a designação deste blogue para Património. As não-sei-quantas centenas de postas que ficam para trás são isso mesmo, um património. Pequeno e irrelevante, mas meu. Isto não significa que eu entenda que o essencial do "Portugal dos Pequeninos" que nós somos venha a mudar significativamente depois do dia de hoje ou que o "respeitinho" do O'Neill desapareça como que por magia. Não, nada disso. Aliás, nem o endereço de acesso ao blogue é alterado e nem a epígrafe do poeta se modifica. Acontece que a posse do novo governo de maioria absoluta é, para mim que o defendi, muito mais um ponto de chegada do que um ponto de partida. Não conheço o que vem aí mas já disse o que tinha a dizer sobre o que ficou para trás.
4. Suportando-me nas palavras de Sartre, este meu "património" representará daqui em diante o mesmo "instante" de sempre, um "instante" que significa o envolvimento recíproco e contraditório do que passou pelo que se segue, naquilo que vamos deixar de ser, sendo já o que seremos.
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