1. Os Gregos, na sua infinita sabedoria, usavam o termo kairos para designar a coincidência entre um "bom argumento" e a ocasião certa para o expôr. Em menos de vinte e quatro horas, dois quase ministros de José Sócrates, o das finanças e o dos negócios estrangeiros, apareceram em público "a falar", descurando o kairos. O que teve de avisado o silêncio do primeiro-ministro indigitado no processo de constituição do governo, faltou, na primeira oportunidade, a Campos Cunha e a Freitas do Amaral.
2. Mesmo que o pense e o venha inevitavelmente a pôr em prática, o propósito anunciado de aumento de impostos não foi seguramente a melhor maneira de Campos Cunha se "apresentar". Apesar de se tratar de uma competente escolha, Campos Cunha não é manifestamente um "político". Ao contrário do que muitos defendem, a pasta das finanças - como praticamente todas as pastas ministeriais - é um cargo eminentemente político e de gestão política. Para tratar da "intendência", os ministros - que definem a "estratégia" e a "política" dos seus sectores - devem depositar a confiança "técnica" nos seus secretários de Estado - também eles gestores "políticos", mas num nível distinto -, nos membros do seu gabinete e nos seus directores-gerais. O que um ministro faz primeiramente é "política" e não contas ou outra coisa qualquer. Ao colocar a hipótese de aumentar os impostos, banalizando numa entrevista radiofónica uma assunto sério (a consolidação orçamental), Campos Cunha revelou falta de "traquejo" político que, no curto e no médio prazo, lhe poderá ser fatal.
3. Já o caso de Diogo Freitas do Amaral é ligeiramente diferente. Pode dizer-se que Freitas estava "mortinho" para voltar ao protagonismo político, fosse ele qual fosse. Tal como na altura achei perfeitamente natural o seu apoio à maioria absoluta do PS e farisaicas as críticas que lhe dirigiram, da mesma forma encaro com tranquilidade a sua ascensão a ministro de Estado e a terceira figura do governo. Não obstante o papel que terá que desempenhar junto de um primeiro-ministro com uma "frente externa" ainda debilitada, Freitas verdadeiramente "não aquece nem arrefece", mau grado se ter em excessiva boa conta. De facto, pareceu-me perfeitamente deslocada a declaração sobranceira e paternalista que Freitas fez ao Expresso, segundo a qual terá "esperado" para ver qual seria a composição do governo e, só depois de concluír que era "boa", é que aceitou "dar a cara". O que pensará o chefe do governo desta "avaliação" do professor?
4. A melhor "cabeça" política que está no governo, imediatamente abaixo de José Sócrates, é António Costa. Contudo, sozinho não opera milagres. Estes dois exemplos de "anti-kairos" político, e o passado recente de má memória, recomendam que não se desvalorize a coordenação política do executivo. Sobretudo quando o governo praticamente não dispôe de nenhum período de "graça", algo que já se sabia e que, em menos de 48 horas depois do seu anúncio, se confirma amplamente. Não escondo a minha condição de apoiante deste executivo e, como tal, o meu direito a ser mais exigente com ele do que alguns dos seus apressados críticos. É um dever de consciência e de cidadania. Até para evitar que se entregue gratuitamente o kairos aos adversários mais atentos e aos inimigos de má-fé.
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