20.5.04

PORTUGAL...POSITIVO?




Um grupo de compagnons de route da actual maioria, vulgo "Missão Portugal", lançou-se noutra "campanha", desta feita destinada a fomentar a nossa "auto-estima". Estes nobres missionários intitulam-se "Portugal Positivo", e para quem quiser saber do que se trata, basta dar um toque no último link da lista da direita. A ideia não é nova. Já em diversas campanhas partidárias apareceram slogans que, no fundo, repetem a ideia por outras palavras. "Juntos vamos conseguir", "Portugal não pode parar", Vamos a isto" e ditos do género, são uma e a mesma maneira de tentar "passar" a ideia de que "agora é que é". O hiper-positivo Marcelo Rebelo de Sousa lembrou-se de convidar, para uma conferência inserida no que chamaram "O Dia Positivo", o Dr. Vasco Pulido Valente. Provavelmente perante alguma consternação dos presentes, Pulido Valente recorreu à história para demonstrar duas ou três coisas nada positivas e demasiado evidentes. A primeira, a de que sendo nós irremediavelmente "atrasados" e "subdesenvolvidos" (o verbo correcto é "ser" e não "estar"), assistimos periodicamente, desde o século XVIII, pelo menos, a pueris tentativas de "recomeço" e de "salvação" de cada vez que um iluminado, eleito ou não, nos pastoreia. Normalmente limitam-se a imitar, em mau, o que conhecem. Cada programa político "novo" é uma "mudança", "a" mudança, de preferência gerida, no topo político e funcionário, por verdadeiras não-pessoas, cheias de "auto-estima", que vegetam na maior impunidade. Por outro lado, havendo "mudança" e persistindo a "crítica", é preciso encontrar culpados para o "bota-abaixismo", com a habitual sede no Restelo, conhecida toca de "velhos". Finalmente, os "costumes", a nossa verdadeira auto-estima, aquilo que nos distinguiu sempre dos outros povos e que provocava "visitas de estudo" à barbárie instalada nesta cauda da Europa. Por séculos e séculos, prosadores de várias origens suspiraram pela "reforma das mentalidades" (Sérgio) como a enorme panaceia para "mudar" a Pátria. E a "educação", jamais pensada com um módico de bom-senso e de adequação às realidades, nunca ajudou. Como lembrou Pulido Valente, em qualquer outro país, desprovido dos elevados índices de esquizofrenia que nos atormentam há gerações, campanhas com as do "Portugal Positivo" não fariam qualquer sentido. Ça va de soi. De manhã, na rádio, Inês Pedrosa, uma eminência cultural do Portugal contemporâneo, "grande escritora" e também conferencista, enunciava o seu conceito de "ver-as-coisas-pelo-seu-lado-positivo", algo que me soou tão profundo como os comentários dos taxistas ou da Cinha Jardim. O estilo "saint-exupéry chique" desta rapaziada "positiva", não provoca nenhum tipo de sismo. É uma mistura de voluntários do "banco alimentar" com bancos a sério. Estão supostamente fora dos partidos, mas bebem no melhor neoliberalismo em curso. Não é por acaso que António Borges, essa mística promessa da economia portuguesa, ia encerrar a conferência. Portugal positivo? Auto-estima? A resposta foi dada na citação de Eça de Queirós, lida por Pulido Valente e extraída de uma das "Cartas" de Fradique Mendes a Madame de Jouarre. Depois de várias peripécias na sua chegada a Lisboa por via férrea, vindo do Porto, e uma vez chegado ao Hotel Bragança a bordo de uma caleche cujo cocheiro lhe pediu "não menos de três mil réis" pelo transporte, Fradique é reconhecido pelo homem, "à luz do vestíbulo" que lhe batia na face. "Então, são três mil réis?", pergunta Fradique. Responde o homem:
-Aquilo era por dizer...Eu não tinha conhecido o sr. D. Fradique...Lá para o sr. D. Fradique é o que quiser.
Humilhação incomparável! Senti logo não sei que torpe enternecimento que me amolecia o coração. Era a bonacheirice, a relassa fraqueza que nos enlaça a todos nós Portugueses, nos enche de culpada indulgência uns para os outros, e irremediavelmente estraga entre nós toda a disciplina e toda a ordem. Sim, minha cara madrinha...Aquele bandido conhecia o sr. D. Fradique. Tinha um sorriso brejeiro e serviçal.Ambos éramos portugueses. Dei uma libra àquele bandido!

O "somos todos Portugal" do novo reformador da Pátria, o Dr. Barroso, está todo aqui. Positivamente.

Adenda: Pulido Valente mencionou as observações que alguns visitantes do País, no século XVIII, deixaram em livro. No seu artigo habitual no Diário de Notícias, António Valdemar cita algumas dessas prosas. Vale a pena ler(link).

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