MELHOR É IMPOSSÍVEL?
I am not my own subject, proclamava há anos o último dos "romanos", Gore Vidal. Eu também concordo e tento não publicitar as minhas mais íntimas mortificações. Sucede que um pequeno fait divers na minha gloriosa "carreira" pública (leia-se, ao serviço do Estado), me impele a dizer qualquer coisa. Por uns acasos do destino, andei seis anos afastado da minha "base" e da minha "carreira". Nunca cheguei a sair do dito Estado e vagueei por lugares "não dirigentes" e "dirigentes" que, em diversas ocasiões e pelos motivos mais inexplicáveis, me deram imenso gozo pessoal e profissional. Parecia, pois, que eu tinha um currículo. E pensava -e penso- que o Estado se serve indistintamente em qualquer digna função pública. Digamos, porém, que a dada altura cometi a indelicadeza de me mover. Apesar de os governos defenderem a "mobilidade" dos seus funcionários, a "base" (qualquer que ela seja) não costuma simpatizar com os que partem. E simpatiza ainda menos com o seu putativo regresso. As únicas formas de "mobilidade" verdadeiramente consentidas e admiradas numa administração pública que "vende" "motivação", "modernidade" e intimações do género para consolo dos distraídos, são o cemitério ou uma sinecura política adequada (porque nem todas o são). O contrário disto representa um puro e simples "apagão" na biografia do "servidor" público, considerado um "peso-morto". Os anos passados noutras missões, ganhos ao cemitério ou nas referidas sinecuras, são como que "os anos em que não estivemos em parte nenhuma". É justo que se premeie quem, certamente por mérito próprio, nunca quis ou conseguiu fazer outra coisa em qualquer outro lado. As carreiras, aliás, foram instituídas justamente para promover essas respeitáveis criaturas, os "carreiristas" e os "fiéis". Eu não tenho grande jeito para "carreiras", confesso. As únicas que frequento, e pouco, são as "carreiras" da Carris. Para mais, não cultivo o temor reverencial e não me distingo particularmente pelo meu bom feitio. À semelhança de Vidal, sempre me preocupei mais com o que penso acerca dos outros do que com aquilo que os outros pensam de mim. Isso tem um tremendo preço de mercado que eu, mais ou menos tranquilamente, pago. Por dever de ofício e de cidadania, apesar de tudo, gostava que a nossa administração pública pudesse, um dia, vir a ser verdadeiramente cosmopolita e aberta. A sua misantropia paroquial, embrulhada em "papel reforma", não inspira nenhum tipo de confiança, nem motiva o mais optimista dos funcionários. Será que pedir melhor é impossível?
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