23.5.04

O PARTIDO IV

O congresso do PSD terminou ontem, sem história, por volta das oito da noite, quando Santana Lopes acabou de falar. O que Durão Barroso vai dizer no encerramento não interessa. Vai certamente zurzir no passado, evocar a magnificência da "unidade partidária" e da coligação, e murmurar umas vagas promessas como chefe do governo. Na primeira fila estarão Paulo Portas e dois ou três súbditos populares que, compungidos, agradecerão o exercício. A maior parte das criaturas que dirige presentemente o PSD é oriunda de uma "facção" chamada "Nova Esperança", que conspirou contra Balsemão, nos anos 80, para levar Cavaco ao poder. A eles juntaram-se agora os habituais "cristãos-novos" e meia dúzia de oportunistas devidamente reciclados. Mais do que fiel a quem quer que fosse, a "Nova Esperança" alimentava-se da intriga e de uma vaga ideologia "liberal" e de "direita" que, a seu tempo, deveria "corrigir" qualquer "desvio" social-democrata do partido. A sua endémica contradição autofágica levou a que, em momentos sucessivos, tivessem estado uns com os outros, e uns contra os outros. Marcelo e Júdice, os mais velhos, associaram-se na liderança do primeiro. Barroso e Santana guerrearam-se intermitentemente até à actual mútua e cínica veneração, e ambos combateram sempre Marcelo no que puderam. Está, pois, na "massa do sangue" de Santana Lopes não se entender definitivamente com Barroso, como lembrava no Expresso Manuel Maria Carrilho (ver Tragicomédias, em Crónicas). A epifania de ontem, alegadamente virada para "coisas sérias", foi de uma imensa vacuidade e uma sombra da oratória "galvanizadora" que se costuma imputar a Lopes. Quis passar por estadista, falando do País e do Mundo, mas não conseguiu ir além do panfleto e do gracejo. Quis ser profundo e grave na análise, mas gastou a hora a vomitar lugares-comuns de efeito fácil. Em suma, fingiu que bajulou Barroso e este fingiu que acreditou na bajulação. Se for preciso, Lopes não se coibirá de dar amanhã ou depois uma entrevista a dizer o que disse e o seu contrário. É este o "equilíbrio partidário" que mantém o PPD/PSD. Para o desastre ser completo, foram ainda recrutados para os lugares cimeiros do partido figuras como Arnaut e Helena Lopes da Costa, a "grande" vereadora da CML de Santana Lopes e "grande controleira" da Distrital de Lisboa, do impoluto António Preto. É para esta gente que Barroso pede confiança e que tenham confiança nele. Não merecem, obviamente, nenhuma. Trinta anos depois da criação do PSD, e depois de Sá Carneiro, Emídio Guerreiro, Sousa Franco, Menéres Pimentel, Francisco Balsemão, Mota Pinto, Nuno Brederode dos Santos, Rui Machete, Cavaco Silva, Fernando Nogueira e Marcelo Rebelo de Sousa, e com o partido de novo no poder, isto é o melhor que se pôde arranjar.

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