A MÁ EDUCAÇÃO
Corre por aí grave indignação pelo "nível", no caso, "baixo", a que chegou nos últimos dias o "debate político". Desta vez, parece que os habituais jogos florais foram longe demais e, na "sede da democracia", ouviram-se extravagâncias do género "cobarde", "ignorante", "desonesto", "arrogante" e outra adjectivação mais suave. Cá fora, na campanha para as "europeias", o registo é sensivelmente o mesmo ou ligeiramente mais alarve. Houve até energúmenos com responsabilidades nas respectivas seitas que foram buscar aspectos físicos de outras pessoas para arrotarem umas graçolas. Portas, que é ministro de Estado e das tropas, não resistiu ao embalo das suas rídiculas hostes, e também disse a sua piada, com passarinhos e avós à mistura. Ao contrário daqueles que não dormem a pensar na "elevação" que deve presidir ao combate político, como se de um "chá das cinco" se tratasse, eu muito humildemente penso que esta "onda" nada tem de extraordinário. Por duas modestas razões. A primeira, consiste na péssima qualidade do pessoal político presentemente em exercício de funções. Não se pode manifestamente exigir "elevação" a quem, por natureza, a não tem. Os "príncipes" do regime, ou já morreram , ou retiraram-se. Desde há anos que estamos entregues a criaturas vulgares, no que isso tem de bom e de mau. O "novo homem português", sobre o qual o Dr. Cavaco tão laboriosamente teorizou, deu simplesmente "nisto". Por outro lado, não julgo que a questão "semântica" seja assim tão essencial aos costumes políticos. Pela circunstância de as pessoas estarem transitoriamente em determinados lugares, no governo ou no Parlamento, em Belém ou nos tribunais, isso não faz delas "vacas sagradas". Não obstante, o problema - se é que há algum - é diferente. É que, como tenho escrito, no "pacote" democrático vem tudo incluído. Até a má educação.
«Somos poucos mas vale a pena construir cidades e morrer de pé.» Ruy Cinatti joaogoncalv@gmail.com
31.5.04
30.5.04
VOTAR
Outra eminência pátria, o Prof. Deus Pinheiro, foi sumariamente elogiado pelo pérfido Marcelo. Este, de passagem por Portimão, como fez questão de salientar, aproveitou para "ir dar um abraço" ao fulgurante cabeça de lista da coligação dos Drs. Barroso e Portas. Pelo caminho, foi dizendo que Deus tinha sobre Sousa Franco a vantagem de ter sido comissário europeu e de "conhecer profundamente os dossiês europeus". Um pândego, este Marcelo. Se há coisa que tornou famoso em Bruxelas o Prof. Deus, foi precisamente a circunstância de ter sido um dos piores membros da Comissão Europeia, no tempo da infeliz e esquecível presidência de Jacques Santer. Para além disso, o Prof. é completamente destituído de qualquer talento político, coisa que Barroso sempre lhe agradeceu. É simplesmente um homem civilizado, com bom ar, um "menino" de Cascais que, de vez em quando, gosta de aparecer e de jogar golfe. É também, ao lado de figuras como a Madame Lopo de Carvalho ou Margarida Rebelo Pinto, um talento literário desperdiçado. Num momento de rara iluminação, sugeriu outro dia que, mesmo que não votássemos na lista dele, votássemos no dia 13 de Junho. É o que eu tenciono fazer.
Outra eminência pátria, o Prof. Deus Pinheiro, foi sumariamente elogiado pelo pérfido Marcelo. Este, de passagem por Portimão, como fez questão de salientar, aproveitou para "ir dar um abraço" ao fulgurante cabeça de lista da coligação dos Drs. Barroso e Portas. Pelo caminho, foi dizendo que Deus tinha sobre Sousa Franco a vantagem de ter sido comissário europeu e de "conhecer profundamente os dossiês europeus". Um pândego, este Marcelo. Se há coisa que tornou famoso em Bruxelas o Prof. Deus, foi precisamente a circunstância de ter sido um dos piores membros da Comissão Europeia, no tempo da infeliz e esquecível presidência de Jacques Santer. Para além disso, o Prof. é completamente destituído de qualquer talento político, coisa que Barroso sempre lhe agradeceu. É simplesmente um homem civilizado, com bom ar, um "menino" de Cascais que, de vez em quando, gosta de aparecer e de jogar golfe. É também, ao lado de figuras como a Madame Lopo de Carvalho ou Margarida Rebelo Pinto, um talento literário desperdiçado. Num momento de rara iluminação, sugeriu outro dia que, mesmo que não votássemos na lista dele, votássemos no dia 13 de Junho. É o que eu tenciono fazer.
NA CAUDA
O Prof. Carmona, uma eminência técnica descoberta por Santana Lopes e que exerce provisoriamente as funções de ministro das obras públicas, é uma pessoa respeitável, esforçada e, até, simpática. Não merecia que lhe caíssem em cima coisas como a Bombardier, o metro de Santa Apolónia, o dossier da Carris e algumas inaugurações de metros de estradas e de pontes cheios de complicações. No tempo do PS, esta área tinha o nome eufemístico de "equipamento social", mas os propósitos eram exactamente os mesmos que vinham do auge do betão dos anos 80. Todo o bom "barão" socialista queria a pasta. Fernando Gomes, por exemplo, perdeu-a para Jorge Coelho, em 99. E este, justamente por causa de uma ponte, passou-a a Ferro Rodrigues. Com a emergência do Dr. Barroso, e em apenas dois anos, as "obras públicas" já conheceram duas caras. Em grande medida, dada a natureza das coisas, os ministros subsequentes passam a vida a inaugurar projectos concebidos ou "lançados" por outros. Projectos que normalmente começam por custar 20 e acabam em 70, 80 ou mais. É o caso da ponte nova sobre o Mondego que, prenhe de "auto-estima", o Dr. Barroso vai inaugurar, juntamente com o Prof. Carmona e o estimável Dr. Encarnação, da Câmara local. Esta magnífica obra, pirosamente baptizada de "Raínha Santa Isabel", e anunciada pelo profeta Guterres em 97, salvo erro, depois de vicissitudes várias que traduzem a infinita promiscuidade reinante entre as autarquias, os partidos (todos), os projectistas "amigos" e os empreiteiros (também "amigos"), chegou ao fim com um rol de dúvidas quanto à sua gestão ao longo destes penosos sete anos. É triste que nunca se consiga erigir nada de bom neste País de merda sem que não se levantem, de imediato, suspeitas sobre a lisura e a maturidade dos procedimentos. É por estas e por outras que, apesar dos tais "30 anos de evolução" do Dr. Sarmento, continuamos onde sempre, com pequenas intermitências, estivemos. Ou seja, na cauda.
O Prof. Carmona, uma eminência técnica descoberta por Santana Lopes e que exerce provisoriamente as funções de ministro das obras públicas, é uma pessoa respeitável, esforçada e, até, simpática. Não merecia que lhe caíssem em cima coisas como a Bombardier, o metro de Santa Apolónia, o dossier da Carris e algumas inaugurações de metros de estradas e de pontes cheios de complicações. No tempo do PS, esta área tinha o nome eufemístico de "equipamento social", mas os propósitos eram exactamente os mesmos que vinham do auge do betão dos anos 80. Todo o bom "barão" socialista queria a pasta. Fernando Gomes, por exemplo, perdeu-a para Jorge Coelho, em 99. E este, justamente por causa de uma ponte, passou-a a Ferro Rodrigues. Com a emergência do Dr. Barroso, e em apenas dois anos, as "obras públicas" já conheceram duas caras. Em grande medida, dada a natureza das coisas, os ministros subsequentes passam a vida a inaugurar projectos concebidos ou "lançados" por outros. Projectos que normalmente começam por custar 20 e acabam em 70, 80 ou mais. É o caso da ponte nova sobre o Mondego que, prenhe de "auto-estima", o Dr. Barroso vai inaugurar, juntamente com o Prof. Carmona e o estimável Dr. Encarnação, da Câmara local. Esta magnífica obra, pirosamente baptizada de "Raínha Santa Isabel", e anunciada pelo profeta Guterres em 97, salvo erro, depois de vicissitudes várias que traduzem a infinita promiscuidade reinante entre as autarquias, os partidos (todos), os projectistas "amigos" e os empreiteiros (também "amigos"), chegou ao fim com um rol de dúvidas quanto à sua gestão ao longo destes penosos sete anos. É triste que nunca se consiga erigir nada de bom neste País de merda sem que não se levantem, de imediato, suspeitas sobre a lisura e a maturidade dos procedimentos. É por estas e por outras que, apesar dos tais "30 anos de evolução" do Dr. Sarmento, continuamos onde sempre, com pequenas intermitências, estivemos. Ou seja, na cauda.
29.5.04
A CONFIANÇA
Segundo o Sr. Martin Kallen, ouvido pelo Expresso como responsável da UEFA no Euro-2004, "em Portugal é fácil pôr uma bomba num estádio porque podemos sempre encontrar uma pessoa corrupta". Assim, de uma penada, a "imagem" que o Sr. Arnaut e o Dr. Figueiredo Lopes alardeiam como sendo a da maior e fraterna segurança festiva para o campeonato da bola, caiu, em segundos, no chão, graças a esta meia dúzia de palavras secas do Sr.Kallen, claramente um proto-estudioso da "identidade nacional". O mais interessante desta "perspectiva" é, naturalmente, a sua visão de um País "tropical" e terceiro-mundista, onde presentemente reina o contentissimo Dr. Barroso. A observação - "podemos sempre encontrar uma pessoa corrupta" em Portugal - devia levar os ditos "responsáveis", e outros profundos "pensadores" da "coisa pátria", a meditarem no significado de tamanha e realística crueza. Nem aqueles que consentiram, lá fora, na realização do disparate do Euro 2004 em Portugal, acreditam em nós. E parecem, pelo menos, ter a noção de onde e com quem é que se vieram meter. Não há grande novidade nisto, porém. Se percorrermos as "impressões de viagem" de ilustres e menos ilustres estrangeiros que nos visitaram desde o século XVIII, a "raça" não nunca foi particularmente estimada. O Sr. Kallen, apenas por causa do inefável futebol, limitou-se a chamar a atenção para a confiança que ela merece.
Segundo o Sr. Martin Kallen, ouvido pelo Expresso como responsável da UEFA no Euro-2004, "em Portugal é fácil pôr uma bomba num estádio porque podemos sempre encontrar uma pessoa corrupta". Assim, de uma penada, a "imagem" que o Sr. Arnaut e o Dr. Figueiredo Lopes alardeiam como sendo a da maior e fraterna segurança festiva para o campeonato da bola, caiu, em segundos, no chão, graças a esta meia dúzia de palavras secas do Sr.Kallen, claramente um proto-estudioso da "identidade nacional". O mais interessante desta "perspectiva" é, naturalmente, a sua visão de um País "tropical" e terceiro-mundista, onde presentemente reina o contentissimo Dr. Barroso. A observação - "podemos sempre encontrar uma pessoa corrupta" em Portugal - devia levar os ditos "responsáveis", e outros profundos "pensadores" da "coisa pátria", a meditarem no significado de tamanha e realística crueza. Nem aqueles que consentiram, lá fora, na realização do disparate do Euro 2004 em Portugal, acreditam em nós. E parecem, pelo menos, ter a noção de onde e com quem é que se vieram meter. Não há grande novidade nisto, porém. Se percorrermos as "impressões de viagem" de ilustres e menos ilustres estrangeiros que nos visitaram desde o século XVIII, a "raça" não nunca foi particularmente estimada. O Sr. Kallen, apenas por causa do inefável futebol, limitou-se a chamar a atenção para a confiança que ela merece.
28.5.04
CRÓNICA DA VIDA QUE PASSA
Por Fernando Pessoa
Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a tristeza da celebridade. A celebridade é um plebeismo. Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeismo porque estar em evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e falam alto nas praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se de vidro as paredes da sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas mínimas acções - ridiculamente humanas às vezes - que ele quereria invisíveis, coa-as a lente da celebridade para espectaculosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade. Depois, além dum plebeismo, a celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e as enfraquece. Um homem de génio desconhecido pode gozar a volúpia suave do contraste entre a sua obscuridade e o seu génio; e pode, pensando que seria célebre se quisesse, medir o seu valor com a sua melhor medida, que é ele-próprio. Mas, uma vez conhecido, não está mais na sua mão reverter à obscuridade. A celebridade é irreparável. Dela como do tempo, ninguém torna atrás ou se desdiz. E é por isto que a celebridade é uma fraqueza também. Todo o homem que merece ser célebre sabe que não vale a pena sê-lo. Deixar-se ser célebre é uma fraqueza, uma concessão ao baixo-instinto, feminino ou selvagem, de querer dar nas vistas e nos ouvidos. Penso às vezes nisto coloridamente. E aquela frase de que "homem de génio desconhecido" é o mais belo de todos os destinos, torna-se-me inegável; parece-me que esse é não só o mais belo, mas o maior dos destinos. Diz-se que os herméticos da Rosa-Cruz, seita esotérica e magista, descobriram, desde o início dos tempos, o segredo da vida-eterna, o elixir da vida; que, nunca morrendo, passam de época em época, através dos ciclos e das civilizações, despercebidos, nenhuns e, contudo, pela grandeza da cousa transcendental que criaram, maiores do que os génios todos da evidência humana. Da sua seita é o preceito, que cumprem, de se não darem nunca a conhecer. A sua presença eterna, que vive à margem da nossa transiência, vive também fora da nossa pequenez. Vão-se-me os olhos da alma nessas figuras supostas - e quem sabe a que ponto reais? - que, verdadeiramente, realizam o supremo destino do homem: o máximo do poder no mínimo da exibição; o mínimo da exibição, por certo, por terem o máximo do poder. O sentido das suas vidas é divino e longínquo. Apraz-me crer que eles existam para que possa pensar nobremente da humanidade.
(in Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação)
Por Fernando Pessoa
Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a tristeza da celebridade. A celebridade é um plebeismo. Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeismo porque estar em evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e falam alto nas praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se de vidro as paredes da sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas mínimas acções - ridiculamente humanas às vezes - que ele quereria invisíveis, coa-as a lente da celebridade para espectaculosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade. Depois, além dum plebeismo, a celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e as enfraquece. Um homem de génio desconhecido pode gozar a volúpia suave do contraste entre a sua obscuridade e o seu génio; e pode, pensando que seria célebre se quisesse, medir o seu valor com a sua melhor medida, que é ele-próprio. Mas, uma vez conhecido, não está mais na sua mão reverter à obscuridade. A celebridade é irreparável. Dela como do tempo, ninguém torna atrás ou se desdiz. E é por isto que a celebridade é uma fraqueza também. Todo o homem que merece ser célebre sabe que não vale a pena sê-lo. Deixar-se ser célebre é uma fraqueza, uma concessão ao baixo-instinto, feminino ou selvagem, de querer dar nas vistas e nos ouvidos. Penso às vezes nisto coloridamente. E aquela frase de que "homem de génio desconhecido" é o mais belo de todos os destinos, torna-se-me inegável; parece-me que esse é não só o mais belo, mas o maior dos destinos. Diz-se que os herméticos da Rosa-Cruz, seita esotérica e magista, descobriram, desde o início dos tempos, o segredo da vida-eterna, o elixir da vida; que, nunca morrendo, passam de época em época, através dos ciclos e das civilizações, despercebidos, nenhuns e, contudo, pela grandeza da cousa transcendental que criaram, maiores do que os génios todos da evidência humana. Da sua seita é o preceito, que cumprem, de se não darem nunca a conhecer. A sua presença eterna, que vive à margem da nossa transiência, vive também fora da nossa pequenez. Vão-se-me os olhos da alma nessas figuras supostas - e quem sabe a que ponto reais? - que, verdadeiramente, realizam o supremo destino do homem: o máximo do poder no mínimo da exibição; o mínimo da exibição, por certo, por terem o máximo do poder. O sentido das suas vidas é divino e longínquo. Apraz-me crer que eles existam para que possa pensar nobremente da humanidade.
(in Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação)
27.5.04
DE BESTAS A BESTIAIS
Uma perigosa euforia percorreu hoje o País. Desde o Presidente da República à segunda figura do Estado, do primeiro-ministro aos anónimos do Bolhão, todos acharam que a vitória de um clube de futebol português, num torneio europeu, é o sinal de que acabou a "depressão" e a "disforia", e de que estamos a entrar num novo ciclo. De acordo com os mais altos dignatários do Estado, o FCP fechou as portas à deprimente situação económica, ao desemprego, ao insinuante perfume dos "interesses" e à mediocridade generalizada da vida pública. Daqui em diante só nos esperam, pois, venturas e sucessos múltiplos. Só o Sr. Mourinho é que não terá percebido esta feliz evidência e, mal acabou o jogo, já estava "noutra", e bem longe daqui, naturalmente. Acontece que o País é o mesmo de há dois dias atrás, sem tirar nem pôr. E não se ganha nada em varrer a realidade para debaixo de efémeras glórias. Estes género de paliativos só ajuda a cavar mais fundo o imenso buraco em que estamos verdadeiramente enredados. Continuamos a ser as mesmas bestas de ontem que, por um passo de mágica, e a bem da Nação, passaram por uns instantes a bestiais.
Uma perigosa euforia percorreu hoje o País. Desde o Presidente da República à segunda figura do Estado, do primeiro-ministro aos anónimos do Bolhão, todos acharam que a vitória de um clube de futebol português, num torneio europeu, é o sinal de que acabou a "depressão" e a "disforia", e de que estamos a entrar num novo ciclo. De acordo com os mais altos dignatários do Estado, o FCP fechou as portas à deprimente situação económica, ao desemprego, ao insinuante perfume dos "interesses" e à mediocridade generalizada da vida pública. Daqui em diante só nos esperam, pois, venturas e sucessos múltiplos. Só o Sr. Mourinho é que não terá percebido esta feliz evidência e, mal acabou o jogo, já estava "noutra", e bem longe daqui, naturalmente. Acontece que o País é o mesmo de há dois dias atrás, sem tirar nem pôr. E não se ganha nada em varrer a realidade para debaixo de efémeras glórias. Estes género de paliativos só ajuda a cavar mais fundo o imenso buraco em que estamos verdadeiramente enredados. Continuamos a ser as mesmas bestas de ontem que, por um passo de mágica, e a bem da Nação, passaram por uns instantes a bestiais.
26.5.04
O PARAÍSO AZUL
Daqui a uns minutos começa um jogo de futebol, um daqueles que paralisa a Pátria. Aliás, a presença do Dr. Barroso e do Sr. Pinto da Costa, dois monumentos nacionais ambulantes, confirma a importância da peleja. Tudo isto vai ter lugar numa pacata cidade da Alemanha que, pelos relatos que ouvi de manhã, ignora por completo a natureza das equipas em presença. Pior do que isso. Não imagino o que pode atravessar as cabeças dos cidadãos alemães ao contemplarem as hordas lusas - e eventualmente as dos outros - que andam para ali nas ruas a grunhir e antes do jogo. Mais uma vez, a tal "imagem" de Portugal que o governo quer que "passe", aqui e lá fora, anda agora a passear a sua frivolidade boçal pelas ruas de uma anónima cidade alemã, dando largas ao nosso congénito excesso de "auto-estima" e de habitual bom-gosto. Se o Porto tiver a infelicidade de ganhar aos outros, os alemães nem sabem o que os espera. Quando virem os portugueses aos pulinhos, devem julgar que se trata de tribos primitivas em puro delírio civilizacional e em trânsito para o paraíso, no caso, azul.
Daqui a uns minutos começa um jogo de futebol, um daqueles que paralisa a Pátria. Aliás, a presença do Dr. Barroso e do Sr. Pinto da Costa, dois monumentos nacionais ambulantes, confirma a importância da peleja. Tudo isto vai ter lugar numa pacata cidade da Alemanha que, pelos relatos que ouvi de manhã, ignora por completo a natureza das equipas em presença. Pior do que isso. Não imagino o que pode atravessar as cabeças dos cidadãos alemães ao contemplarem as hordas lusas - e eventualmente as dos outros - que andam para ali nas ruas a grunhir e antes do jogo. Mais uma vez, a tal "imagem" de Portugal que o governo quer que "passe", aqui e lá fora, anda agora a passear a sua frivolidade boçal pelas ruas de uma anónima cidade alemã, dando largas ao nosso congénito excesso de "auto-estima" e de habitual bom-gosto. Se o Porto tiver a infelicidade de ganhar aos outros, os alemães nem sabem o que os espera. Quando virem os portugueses aos pulinhos, devem julgar que se trata de tribos primitivas em puro delírio civilizacional e em trânsito para o paraíso, no caso, azul.
25.5.04
AUTO-ESTIMA NACIONAL PARA MAIORES DE 18 ANOS
João Ubaldo Ribeiro
Tinha pensado em escrever qualquer coisa sobre o "optimismo", visto através dos olhos do Dr. Barroso e fonte de inomináveis tragédias que a história, a nossa e a dos outros, regista. Porém, a prosa de João Ubaldo Ribeiro, a que aludi em post anterior, A Casa dos Budas Ditosos, inclui uma elogiosa referência aos portugueses que se coaduna perfeitamente com o espírito "ganhador" e com a "auto-estima" que Barroso quer, à viva força, que partilhemos. Na peça representada por Fernanda Torres, não é dita toda a passagem. Não sei se foi por causa disto que, à altura do lançamento do livro em Portugal, houve hipermercados (como sabemos, os locais mais indicados para comprar livros...)que pura e simplesmente o esconderam. Fosse o que fosse, é sempre a mesma atrevida ignorância doméstica que censura. Vejamos, pois, como Ubaldo Ribeiro metaforicamente nos representa pela voz da anónima libertina "CLB", elevando, da melhor maneira possível, a célebre "auto-estima" nacional.
...só me lembra um português, Nuno, um português lindo que foi meu caso uns tempos, José Nuno, lindo. Aliás, fode-se muito bem em Portugal, ao contrário do que eu suponho ser a opinião generalizada. Mas eu quase nunca gozava com o Zé Nuno, porque, no momento culminante, ele urrava "não t'acanhes, não t'acanhes", e o meu ponto G acionava o disjuntor no ato, eu entrava em crises de riso e depois roçava na bunda dele, ele adorava, embora fosse machíssimo como todo português, inclusive os veados - paneleiros, para ficar com a usança portuguesa e emprestar alguma cor local à narrativa -, os paneleiros que se juntam nos arredores do Campo Pequeno, onde se fazem ash curridash d'toirosh em L'shboa e vão trabalhar como forcados, que são uma espécie de veados parrudos que vão enfrentar os touros no peito. Em fila, trenzinho, um encostando a bunda no de trás, naturalmente. E depois vão às tascas, aos copos e à veadagem, são veados machíssimos. Vi muitas belas bundas em Portugal, que lá não são chamadas de bundas, mas de cu mesmo, que lá nem é palavrão, veja como são as coisas, grande país subestimado. Bundas de homens e mulheres. Toda mulher portuguesa dá a bunda, ou pelo menos dava, para manter a santa virgindade vaginal, como aqui. Hoje, com a entrada na Comunidade Européia e outras mudanças - eles hoje detestam o Brasil, sabia? português de-tes-ta o Brasil, com a exceção do Mário Soares, do Saramago, do José Carlos Vasconcelos e dois ou três outros gatos pingados, desprezam mesmo, é uma pena -, não sei mais com estão as coisas. Provavelmente nunca mais será ouvida a pergunta imortal que um amigo meu escutou, depois de enfrentar galhardamente a primeira com uma portuguesa belíssima, ele que antes estava até com medo de broxar. Ele me contou que, satisfeito e aliviadíssimo, estava fumando o tradicional cigarrinho "post coitum", quando ela olhou para ele e falou: "E ao cu, não me vais?". Fantástico, disse ele; emocionante. E fui-lhe ao cu, disse ele, que maravilha. Imagine aqui no Brasil, uma mulher fazer uma pergunta dessas, não faz. Eu morei no bairro de Alvalade, dava para ir andando ao Campo Pequeno, cansei de ir às corridas somente para ver as bundas apertadinhas dos forcados. Sou contra essa teoria segundo a qual os brasileiros têm belas bundas e alimentam uma fixação patológica por bundas somente por causa dos africanos. Isto é preconceito, as belas bundas da nossa gente vêm tanto de África quanto de Portugal, tanto assim que eu não tenho sangue africano nenhum, pelo menos que eu saiba, e sempre portei uma bunda acima de qualquer crítica, até hoje não envergonho. Duvido que, se eu disser a algum homem que me coma e "ao cu, não me vais?", ele não vá imediatamente.
João Ubaldo Ribeiro
Tinha pensado em escrever qualquer coisa sobre o "optimismo", visto através dos olhos do Dr. Barroso e fonte de inomináveis tragédias que a história, a nossa e a dos outros, regista. Porém, a prosa de João Ubaldo Ribeiro, a que aludi em post anterior, A Casa dos Budas Ditosos, inclui uma elogiosa referência aos portugueses que se coaduna perfeitamente com o espírito "ganhador" e com a "auto-estima" que Barroso quer, à viva força, que partilhemos. Na peça representada por Fernanda Torres, não é dita toda a passagem. Não sei se foi por causa disto que, à altura do lançamento do livro em Portugal, houve hipermercados (como sabemos, os locais mais indicados para comprar livros...)que pura e simplesmente o esconderam. Fosse o que fosse, é sempre a mesma atrevida ignorância doméstica que censura. Vejamos, pois, como Ubaldo Ribeiro metaforicamente nos representa pela voz da anónima libertina "CLB", elevando, da melhor maneira possível, a célebre "auto-estima" nacional.
...só me lembra um português, Nuno, um português lindo que foi meu caso uns tempos, José Nuno, lindo. Aliás, fode-se muito bem em Portugal, ao contrário do que eu suponho ser a opinião generalizada. Mas eu quase nunca gozava com o Zé Nuno, porque, no momento culminante, ele urrava "não t'acanhes, não t'acanhes", e o meu ponto G acionava o disjuntor no ato, eu entrava em crises de riso e depois roçava na bunda dele, ele adorava, embora fosse machíssimo como todo português, inclusive os veados - paneleiros, para ficar com a usança portuguesa e emprestar alguma cor local à narrativa -, os paneleiros que se juntam nos arredores do Campo Pequeno, onde se fazem ash curridash d'toirosh em L'shboa e vão trabalhar como forcados, que são uma espécie de veados parrudos que vão enfrentar os touros no peito. Em fila, trenzinho, um encostando a bunda no de trás, naturalmente. E depois vão às tascas, aos copos e à veadagem, são veados machíssimos. Vi muitas belas bundas em Portugal, que lá não são chamadas de bundas, mas de cu mesmo, que lá nem é palavrão, veja como são as coisas, grande país subestimado. Bundas de homens e mulheres. Toda mulher portuguesa dá a bunda, ou pelo menos dava, para manter a santa virgindade vaginal, como aqui. Hoje, com a entrada na Comunidade Européia e outras mudanças - eles hoje detestam o Brasil, sabia? português de-tes-ta o Brasil, com a exceção do Mário Soares, do Saramago, do José Carlos Vasconcelos e dois ou três outros gatos pingados, desprezam mesmo, é uma pena -, não sei mais com estão as coisas. Provavelmente nunca mais será ouvida a pergunta imortal que um amigo meu escutou, depois de enfrentar galhardamente a primeira com uma portuguesa belíssima, ele que antes estava até com medo de broxar. Ele me contou que, satisfeito e aliviadíssimo, estava fumando o tradicional cigarrinho "post coitum", quando ela olhou para ele e falou: "E ao cu, não me vais?". Fantástico, disse ele; emocionante. E fui-lhe ao cu, disse ele, que maravilha. Imagine aqui no Brasil, uma mulher fazer uma pergunta dessas, não faz. Eu morei no bairro de Alvalade, dava para ir andando ao Campo Pequeno, cansei de ir às corridas somente para ver as bundas apertadinhas dos forcados. Sou contra essa teoria segundo a qual os brasileiros têm belas bundas e alimentam uma fixação patológica por bundas somente por causa dos africanos. Isto é preconceito, as belas bundas da nossa gente vêm tanto de África quanto de Portugal, tanto assim que eu não tenho sangue africano nenhum, pelo menos que eu saiba, e sempre portei uma bunda acima de qualquer crítica, até hoje não envergonho. Duvido que, se eu disser a algum homem que me coma e "ao cu, não me vais?", ele não vá imediatamente.
24.5.04
COMENTÁRIOS
Segundo Hegel, "há uma noite que se descobre quando olhamos um homem nos olhos - mergulha-se então o olhar numa noite que se torna terrível: a noite do mundo que avança ao encontro de cada um de nós". Dando um "toque" no sinal "cardinal" ( # )ao fundo esquerdo de cada "post", os eventuais leitores deste blogue podem "olhar-me nos olhos". São virtuais, mas são olhos.
Segundo Hegel, "há uma noite que se descobre quando olhamos um homem nos olhos - mergulha-se então o olhar numa noite que se torna terrível: a noite do mundo que avança ao encontro de cada um de nós". Dando um "toque" no sinal "cardinal" ( # )ao fundo esquerdo de cada "post", os eventuais leitores deste blogue podem "olhar-me nos olhos". São virtuais, mas são olhos.
A CASA DOS BUDAS DITOSOS
Talleyrand, ministro dos negócios estrangeiros da França, à época do Directório, recomendava aos jovens aprendizes da diplomacia que se masturbassem antes de irem para o trabalho. Tal exercício - justificava - permitia-lhes "desembaciar" as respectivas mentes, pelo menos durante a parte da manhã. Trata-se de uma excelente terapia para a presuntiva "reforma da administração pública" e uma forma singela de assegurar a "alegria no trabalho". É precisamente sobre o papel do sexo nas nossas vidas que João Ubaldo Ribeiro concebeu um texto para uma série literária em torno dos pecados, publicada no Brasil. A ele calhou-lhe a "luxúria" e o livro tem por título A Casa dos Budas Ditosos (editado, entre nós, pela D. Quixote).Este livro produziu uma obra teatral, um monólogo que a actriz brasileira Fernanda Torres executa com o maior profissionalismo. O António Lagarto, director do Teatro Nacional D. Maria II, com inteligência, sensibilidade e pouco dinheiro, trouxe até Lisboa a Fernanda para uma curta série de espectáculos que termina no próximo domingo, dia 30, seguindo para o S. João, no Porto. Fica uma amostra da escrita de Ubaldo Ribeiro, dita por Fernanda, uma bela homenagem a uma língua comum. E uma reflexão lírica, cómica e trágica acerca daquilo que julgamos que é o bem e o mal dentro de nós.
Explicar que sou um grande homem e não digo que sou uma grande mulher pela mesma razão por que não existe onço, só onça, nem foco, só foca, tudo isso é um bobajol de quem não tem o que fazer ou fica preso a idiossincrasias da língua, como aquelas cretinas feministas americanas que queriam mudar history para herstory, como se o his do começo da palavra fosse a mesma coisa que um pronome possessivo do gênero masculino, a imbecilidade humana não tem limites. Sou um grande homem fêmea, da mesma forma que os grandes homens machos são grandes homens machos, fica-se catando picuinha porque o nome da espécie é por acaso masculino e não neutro, como é possível que seja em alguma outra língua, como se a gramática resolvesse alguma coisa nesse caso. Explicar isso, não existem grandes homens e grandes mulheres, existem grandes homens machos e grandes homens fêmeas. Não há nada mais ridículo do que galeria de grandes mulheres isso e aquilo, fico morta de vergonha. A espécie é humana, como Panthera uncius, Panthera leo, um onça, no feminino por acaso, outro leão, no masculino por acaso, questão de língua, exclusivamente. Explicar isso como quem explica a um marciano. A um terráqueo. Escuta aqui, terráqueo, deixa de ser débil mental. Bem, ambições inúteis, vamos ao trabalho.
Talleyrand, ministro dos negócios estrangeiros da França, à época do Directório, recomendava aos jovens aprendizes da diplomacia que se masturbassem antes de irem para o trabalho. Tal exercício - justificava - permitia-lhes "desembaciar" as respectivas mentes, pelo menos durante a parte da manhã. Trata-se de uma excelente terapia para a presuntiva "reforma da administração pública" e uma forma singela de assegurar a "alegria no trabalho". É precisamente sobre o papel do sexo nas nossas vidas que João Ubaldo Ribeiro concebeu um texto para uma série literária em torno dos pecados, publicada no Brasil. A ele calhou-lhe a "luxúria" e o livro tem por título A Casa dos Budas Ditosos (editado, entre nós, pela D. Quixote).Este livro produziu uma obra teatral, um monólogo que a actriz brasileira Fernanda Torres executa com o maior profissionalismo. O António Lagarto, director do Teatro Nacional D. Maria II, com inteligência, sensibilidade e pouco dinheiro, trouxe até Lisboa a Fernanda para uma curta série de espectáculos que termina no próximo domingo, dia 30, seguindo para o S. João, no Porto. Fica uma amostra da escrita de Ubaldo Ribeiro, dita por Fernanda, uma bela homenagem a uma língua comum. E uma reflexão lírica, cómica e trágica acerca daquilo que julgamos que é o bem e o mal dentro de nós.
Explicar que sou um grande homem e não digo que sou uma grande mulher pela mesma razão por que não existe onço, só onça, nem foco, só foca, tudo isso é um bobajol de quem não tem o que fazer ou fica preso a idiossincrasias da língua, como aquelas cretinas feministas americanas que queriam mudar history para herstory, como se o his do começo da palavra fosse a mesma coisa que um pronome possessivo do gênero masculino, a imbecilidade humana não tem limites. Sou um grande homem fêmea, da mesma forma que os grandes homens machos são grandes homens machos, fica-se catando picuinha porque o nome da espécie é por acaso masculino e não neutro, como é possível que seja em alguma outra língua, como se a gramática resolvesse alguma coisa nesse caso. Explicar isso, não existem grandes homens e grandes mulheres, existem grandes homens machos e grandes homens fêmeas. Não há nada mais ridículo do que galeria de grandes mulheres isso e aquilo, fico morta de vergonha. A espécie é humana, como Panthera uncius, Panthera leo, um onça, no feminino por acaso, outro leão, no masculino por acaso, questão de língua, exclusivamente. Explicar isso como quem explica a um marciano. A um terráqueo. Escuta aqui, terráqueo, deixa de ser débil mental. Bem, ambições inúteis, vamos ao trabalho.
23.5.04
O PARTIDO IV
O congresso do PSD terminou ontem, sem história, por volta das oito da noite, quando Santana Lopes acabou de falar. O que Durão Barroso vai dizer no encerramento não interessa. Vai certamente zurzir no passado, evocar a magnificência da "unidade partidária" e da coligação, e murmurar umas vagas promessas como chefe do governo. Na primeira fila estarão Paulo Portas e dois ou três súbditos populares que, compungidos, agradecerão o exercício. A maior parte das criaturas que dirige presentemente o PSD é oriunda de uma "facção" chamada "Nova Esperança", que conspirou contra Balsemão, nos anos 80, para levar Cavaco ao poder. A eles juntaram-se agora os habituais "cristãos-novos" e meia dúzia de oportunistas devidamente reciclados. Mais do que fiel a quem quer que fosse, a "Nova Esperança" alimentava-se da intriga e de uma vaga ideologia "liberal" e de "direita" que, a seu tempo, deveria "corrigir" qualquer "desvio" social-democrata do partido. A sua endémica contradição autofágica levou a que, em momentos sucessivos, tivessem estado uns com os outros, e uns contra os outros. Marcelo e Júdice, os mais velhos, associaram-se na liderança do primeiro. Barroso e Santana guerrearam-se intermitentemente até à actual mútua e cínica veneração, e ambos combateram sempre Marcelo no que puderam. Está, pois, na "massa do sangue" de Santana Lopes não se entender definitivamente com Barroso, como lembrava no Expresso Manuel Maria Carrilho (ver Tragicomédias, em Crónicas). A epifania de ontem, alegadamente virada para "coisas sérias", foi de uma imensa vacuidade e uma sombra da oratória "galvanizadora" que se costuma imputar a Lopes. Quis passar por estadista, falando do País e do Mundo, mas não conseguiu ir além do panfleto e do gracejo. Quis ser profundo e grave na análise, mas gastou a hora a vomitar lugares-comuns de efeito fácil. Em suma, fingiu que bajulou Barroso e este fingiu que acreditou na bajulação. Se for preciso, Lopes não se coibirá de dar amanhã ou depois uma entrevista a dizer o que disse e o seu contrário. É este o "equilíbrio partidário" que mantém o PPD/PSD. Para o desastre ser completo, foram ainda recrutados para os lugares cimeiros do partido figuras como Arnaut e Helena Lopes da Costa, a "grande" vereadora da CML de Santana Lopes e "grande controleira" da Distrital de Lisboa, do impoluto António Preto. É para esta gente que Barroso pede confiança e que tenham confiança nele. Não merecem, obviamente, nenhuma. Trinta anos depois da criação do PSD, e depois de Sá Carneiro, Emídio Guerreiro, Sousa Franco, Menéres Pimentel, Francisco Balsemão, Mota Pinto, Nuno Brederode dos Santos, Rui Machete, Cavaco Silva, Fernando Nogueira e Marcelo Rebelo de Sousa, e com o partido de novo no poder, isto é o melhor que se pôde arranjar.
O congresso do PSD terminou ontem, sem história, por volta das oito da noite, quando Santana Lopes acabou de falar. O que Durão Barroso vai dizer no encerramento não interessa. Vai certamente zurzir no passado, evocar a magnificência da "unidade partidária" e da coligação, e murmurar umas vagas promessas como chefe do governo. Na primeira fila estarão Paulo Portas e dois ou três súbditos populares que, compungidos, agradecerão o exercício. A maior parte das criaturas que dirige presentemente o PSD é oriunda de uma "facção" chamada "Nova Esperança", que conspirou contra Balsemão, nos anos 80, para levar Cavaco ao poder. A eles juntaram-se agora os habituais "cristãos-novos" e meia dúzia de oportunistas devidamente reciclados. Mais do que fiel a quem quer que fosse, a "Nova Esperança" alimentava-se da intriga e de uma vaga ideologia "liberal" e de "direita" que, a seu tempo, deveria "corrigir" qualquer "desvio" social-democrata do partido. A sua endémica contradição autofágica levou a que, em momentos sucessivos, tivessem estado uns com os outros, e uns contra os outros. Marcelo e Júdice, os mais velhos, associaram-se na liderança do primeiro. Barroso e Santana guerrearam-se intermitentemente até à actual mútua e cínica veneração, e ambos combateram sempre Marcelo no que puderam. Está, pois, na "massa do sangue" de Santana Lopes não se entender definitivamente com Barroso, como lembrava no Expresso Manuel Maria Carrilho (ver Tragicomédias, em Crónicas). A epifania de ontem, alegadamente virada para "coisas sérias", foi de uma imensa vacuidade e uma sombra da oratória "galvanizadora" que se costuma imputar a Lopes. Quis passar por estadista, falando do País e do Mundo, mas não conseguiu ir além do panfleto e do gracejo. Quis ser profundo e grave na análise, mas gastou a hora a vomitar lugares-comuns de efeito fácil. Em suma, fingiu que bajulou Barroso e este fingiu que acreditou na bajulação. Se for preciso, Lopes não se coibirá de dar amanhã ou depois uma entrevista a dizer o que disse e o seu contrário. É este o "equilíbrio partidário" que mantém o PPD/PSD. Para o desastre ser completo, foram ainda recrutados para os lugares cimeiros do partido figuras como Arnaut e Helena Lopes da Costa, a "grande" vereadora da CML de Santana Lopes e "grande controleira" da Distrital de Lisboa, do impoluto António Preto. É para esta gente que Barroso pede confiança e que tenham confiança nele. Não merecem, obviamente, nenhuma. Trinta anos depois da criação do PSD, e depois de Sá Carneiro, Emídio Guerreiro, Sousa Franco, Menéres Pimentel, Francisco Balsemão, Mota Pinto, Nuno Brederode dos Santos, Rui Machete, Cavaco Silva, Fernando Nogueira e Marcelo Rebelo de Sousa, e com o partido de novo no poder, isto é o melhor que se pôde arranjar.
22.5.04
O PARTIDO III
Até ao momento, o primeiro-ministro ainda não fez nenhuma remodelação do governo. Ou, pelo menos, uma que dependesse da sua suposta soberana vontade. Mudou sempre de pessoas por motivos claramente alheios a ela. Fosse porque uma mentira, uma "cunha", uma ambição de parvenu ou um "negócio" falassem mais alto, o certo é que Barroso jamais comandou verdadeiramente as alterações no seu governo. A sua margem de manobra também não é das maiores. De facto, para quem, como eu, assistiu à "convenção" do partido, em Fevereiro de 2002, antes das eleições, onde desfilaram criaturas com um mínimo de qualidade em apoio de Barroso, o governo de coligação que se seguiu foi, desde os primórdios, uma desilusão. Começou mal em muitos ministérios, piorou significativamente nos secretários de Estado e, daqui em diante, só poderá oscilar entre os resquícios cavaquistas e o rebotalho. Para um governo de "maioria", é paupérrimo. Curiosamente, é este homem um tanto ou quanto despistado que, na abertura do congresso, pediu aos militantes para "confiarem nele". "Confiem em mim, confiem em mim", gritou Barroso aos congressistas a propósito da escolha de um candidato presidencial. A "confiança" é tanta que personagens irrelevantes como Guilherme Silva ou "sábios", como Morais Sarmento, desvalorizam a "coligação" para o futuro, apesar de ela ir a votos daqui a três semanas... De Santana Lopes falar-se-á depois. Não é saudável para nenhum partido democrático qualquer tipo de falso unanimismo albanês em torno do líder. Barroso vai ficar na história do partido como "o líder da aliança com o PP", cuja primeira avaliação real está prestes a ocorrer, mesmo sendo no contexto de eleições europeias. E a sua "Força Portugal" pouco mais deverá merecer do País do que desprezo.
Até ao momento, o primeiro-ministro ainda não fez nenhuma remodelação do governo. Ou, pelo menos, uma que dependesse da sua suposta soberana vontade. Mudou sempre de pessoas por motivos claramente alheios a ela. Fosse porque uma mentira, uma "cunha", uma ambição de parvenu ou um "negócio" falassem mais alto, o certo é que Barroso jamais comandou verdadeiramente as alterações no seu governo. A sua margem de manobra também não é das maiores. De facto, para quem, como eu, assistiu à "convenção" do partido, em Fevereiro de 2002, antes das eleições, onde desfilaram criaturas com um mínimo de qualidade em apoio de Barroso, o governo de coligação que se seguiu foi, desde os primórdios, uma desilusão. Começou mal em muitos ministérios, piorou significativamente nos secretários de Estado e, daqui em diante, só poderá oscilar entre os resquícios cavaquistas e o rebotalho. Para um governo de "maioria", é paupérrimo. Curiosamente, é este homem um tanto ou quanto despistado que, na abertura do congresso, pediu aos militantes para "confiarem nele". "Confiem em mim, confiem em mim", gritou Barroso aos congressistas a propósito da escolha de um candidato presidencial. A "confiança" é tanta que personagens irrelevantes como Guilherme Silva ou "sábios", como Morais Sarmento, desvalorizam a "coligação" para o futuro, apesar de ela ir a votos daqui a três semanas... De Santana Lopes falar-se-á depois. Não é saudável para nenhum partido democrático qualquer tipo de falso unanimismo albanês em torno do líder. Barroso vai ficar na história do partido como "o líder da aliança com o PP", cuja primeira avaliação real está prestes a ocorrer, mesmo sendo no contexto de eleições europeias. E a sua "Força Portugal" pouco mais deverá merecer do País do que desprezo.
O PARTIDO II
Em 1995, aquando do congresso do Coliseu em que saiu Cavaco, Durão Barroso, apesar de ter perdido para Fernando Nogueira, aparecia aos olhos do partido e do País como alguém com um perfil "realista", com "sentido de Estado", acima dos "interesses" e o verdadeiro herdeiro do "melhor" cavaquismo. Ficou célebre, aliás, aquele seu "auto-retrato" proferido perante a plateia, com Nogueira atrás:"eu não dependo de ninguém e ninguém depende de mim". Passaram os anos, passou Marcelo e chegou a vez de Barroso. Os primeiros sinais, ainda na oposição, não foram entusiasmantes. Marcelo, chefe do Partido no seu pior momento, quando a graça de Guterres era absolutamente imaculada, tinha alcançado algumas "vitórias". Conseguiu dois referendos (que ganhou) e uma revisão constitucional.Veio a perder-se por causa - ironia do destino - do Dr. Portas, um personagem altamente inconveniente aos propósitos do partido, segundo Barroso. Ou seja, Barroso emerge na liderança, em 1999, fundamentalmente por ser "contra" o PP e supostamente a favor de um partido, de novo, "maioritário". Sabe-se o que aconteceu. Os dois "pilares" em que assentava o "barrosismo" - um partido "anti-interesses" e "anti-PP" - soçobraram na primeira oportunidade da pequena história e por causa de pequenas pessoas. O sumário despedimento do Sr. Theias, um "técnico" aparentemente alheio às subtilezas da política, percebe-se agora, representa o triunfo do "novo partido dos interesses", brilhantemente encabeçado pela luminária Arnaut. O facto do Sr. Relvas, ex-secretário de Estado de Isaltino (que nunca chegou bem a sair completamnete desta "história") e de Theias, passar a secretário-geral do partido, é uma mera desculpa burocrática para o desaparecimento nocturno do ministro do Ambiente. Entre ter uma complicação dentro do seu petit comité em pleno congresso, por causa de um "negócio", e correr com um ministro anónimo, Barroso não hesitou. Seguiu o melhor exemplo do seu antecessor que, entre a espada e a parede, escolhia sempre a parede. Até ao dia em que ela lhe caiu em cima.
Em 1995, aquando do congresso do Coliseu em que saiu Cavaco, Durão Barroso, apesar de ter perdido para Fernando Nogueira, aparecia aos olhos do partido e do País como alguém com um perfil "realista", com "sentido de Estado", acima dos "interesses" e o verdadeiro herdeiro do "melhor" cavaquismo. Ficou célebre, aliás, aquele seu "auto-retrato" proferido perante a plateia, com Nogueira atrás:"eu não dependo de ninguém e ninguém depende de mim". Passaram os anos, passou Marcelo e chegou a vez de Barroso. Os primeiros sinais, ainda na oposição, não foram entusiasmantes. Marcelo, chefe do Partido no seu pior momento, quando a graça de Guterres era absolutamente imaculada, tinha alcançado algumas "vitórias". Conseguiu dois referendos (que ganhou) e uma revisão constitucional.Veio a perder-se por causa - ironia do destino - do Dr. Portas, um personagem altamente inconveniente aos propósitos do partido, segundo Barroso. Ou seja, Barroso emerge na liderança, em 1999, fundamentalmente por ser "contra" o PP e supostamente a favor de um partido, de novo, "maioritário". Sabe-se o que aconteceu. Os dois "pilares" em que assentava o "barrosismo" - um partido "anti-interesses" e "anti-PP" - soçobraram na primeira oportunidade da pequena história e por causa de pequenas pessoas. O sumário despedimento do Sr. Theias, um "técnico" aparentemente alheio às subtilezas da política, percebe-se agora, representa o triunfo do "novo partido dos interesses", brilhantemente encabeçado pela luminária Arnaut. O facto do Sr. Relvas, ex-secretário de Estado de Isaltino (que nunca chegou bem a sair completamnete desta "história") e de Theias, passar a secretário-geral do partido, é uma mera desculpa burocrática para o desaparecimento nocturno do ministro do Ambiente. Entre ter uma complicação dentro do seu petit comité em pleno congresso, por causa de um "negócio", e correr com um ministro anónimo, Barroso não hesitou. Seguiu o melhor exemplo do seu antecessor que, entre a espada e a parede, escolhia sempre a parede. Até ao dia em que ela lhe caiu em cima.
21.5.04
O PARTIDO I
Os próximos posts, tal como o próximo fim-de-semana, ocupam-se do PPD/PSD, em Congresso algures na província. Inesperadamente, o presidente do Partido e primeiro-ministro ofereceu um aperitivo de pré-abertura, removendo o Sr. Theias do governo, uma estranha figura que nunca chegou bem a perceber o que é que lá estava a fazer. Outros, como ele, abundam e suspiram provisoriamente de alívio. É, porém, um mau sinal, partindo do princípio de que não se pode andar a abanar o governo dia sim, dia não. Vejamos, de seguida, quais as "pérolas" que o Dr. Barroso, que não lê nas estrelas, nos reserva.
Os próximos posts, tal como o próximo fim-de-semana, ocupam-se do PPD/PSD, em Congresso algures na província. Inesperadamente, o presidente do Partido e primeiro-ministro ofereceu um aperitivo de pré-abertura, removendo o Sr. Theias do governo, uma estranha figura que nunca chegou bem a perceber o que é que lá estava a fazer. Outros, como ele, abundam e suspiram provisoriamente de alívio. É, porém, um mau sinal, partindo do princípio de que não se pode andar a abanar o governo dia sim, dia não. Vejamos, de seguida, quais as "pérolas" que o Dr. Barroso, que não lê nas estrelas, nos reserva.
20.5.04
PORTUGAL...POSITIVO?
Um grupo de compagnons de route da actual maioria, vulgo "Missão Portugal", lançou-se noutra "campanha", desta feita destinada a fomentar a nossa "auto-estima". Estes nobres missionários intitulam-se "Portugal Positivo", e para quem quiser saber do que se trata, basta dar um toque no último link da lista da direita. A ideia não é nova. Já em diversas campanhas partidárias apareceram slogans que, no fundo, repetem a ideia por outras palavras. "Juntos vamos conseguir", "Portugal não pode parar", Vamos a isto" e ditos do género, são uma e a mesma maneira de tentar "passar" a ideia de que "agora é que é". O hiper-positivo Marcelo Rebelo de Sousa lembrou-se de convidar, para uma conferência inserida no que chamaram "O Dia Positivo", o Dr. Vasco Pulido Valente. Provavelmente perante alguma consternação dos presentes, Pulido Valente recorreu à história para demonstrar duas ou três coisas nada positivas e demasiado evidentes. A primeira, a de que sendo nós irremediavelmente "atrasados" e "subdesenvolvidos" (o verbo correcto é "ser" e não "estar"), assistimos periodicamente, desde o século XVIII, pelo menos, a pueris tentativas de "recomeço" e de "salvação" de cada vez que um iluminado, eleito ou não, nos pastoreia. Normalmente limitam-se a imitar, em mau, o que conhecem. Cada programa político "novo" é uma "mudança", "a" mudança, de preferência gerida, no topo político e funcionário, por verdadeiras não-pessoas, cheias de "auto-estima", que vegetam na maior impunidade. Por outro lado, havendo "mudança" e persistindo a "crítica", é preciso encontrar culpados para o "bota-abaixismo", com a habitual sede no Restelo, conhecida toca de "velhos". Finalmente, os "costumes", a nossa verdadeira auto-estima, aquilo que nos distinguiu sempre dos outros povos e que provocava "visitas de estudo" à barbárie instalada nesta cauda da Europa. Por séculos e séculos, prosadores de várias origens suspiraram pela "reforma das mentalidades" (Sérgio) como a enorme panaceia para "mudar" a Pátria. E a "educação", jamais pensada com um módico de bom-senso e de adequação às realidades, nunca ajudou. Como lembrou Pulido Valente, em qualquer outro país, desprovido dos elevados índices de esquizofrenia que nos atormentam há gerações, campanhas com as do "Portugal Positivo" não fariam qualquer sentido. Ça va de soi. De manhã, na rádio, Inês Pedrosa, uma eminência cultural do Portugal contemporâneo, "grande escritora" e também conferencista, enunciava o seu conceito de "ver-as-coisas-pelo-seu-lado-positivo", algo que me soou tão profundo como os comentários dos taxistas ou da Cinha Jardim. O estilo "saint-exupéry chique" desta rapaziada "positiva", não provoca nenhum tipo de sismo. É uma mistura de voluntários do "banco alimentar" com bancos a sério. Estão supostamente fora dos partidos, mas bebem no melhor neoliberalismo em curso. Não é por acaso que António Borges, essa mística promessa da economia portuguesa, ia encerrar a conferência. Portugal positivo? Auto-estima? A resposta foi dada na citação de Eça de Queirós, lida por Pulido Valente e extraída de uma das "Cartas" de Fradique Mendes a Madame de Jouarre. Depois de várias peripécias na sua chegada a Lisboa por via férrea, vindo do Porto, e uma vez chegado ao Hotel Bragança a bordo de uma caleche cujo cocheiro lhe pediu "não menos de três mil réis" pelo transporte, Fradique é reconhecido pelo homem, "à luz do vestíbulo" que lhe batia na face. "Então, são três mil réis?", pergunta Fradique. Responde o homem:
-Aquilo era por dizer...Eu não tinha conhecido o sr. D. Fradique...Lá para o sr. D. Fradique é o que quiser.
Humilhação incomparável! Senti logo não sei que torpe enternecimento que me amolecia o coração. Era a bonacheirice, a relassa fraqueza que nos enlaça a todos nós Portugueses, nos enche de culpada indulgência uns para os outros, e irremediavelmente estraga entre nós toda a disciplina e toda a ordem. Sim, minha cara madrinha...Aquele bandido conhecia o sr. D. Fradique. Tinha um sorriso brejeiro e serviçal.Ambos éramos portugueses. Dei uma libra àquele bandido!
O "somos todos Portugal" do novo reformador da Pátria, o Dr. Barroso, está todo aqui. Positivamente.
Adenda: Pulido Valente mencionou as observações que alguns visitantes do País, no século XVIII, deixaram em livro. No seu artigo habitual no Diário de Notícias, António Valdemar cita algumas dessas prosas. Vale a pena ler(link).
Um grupo de compagnons de route da actual maioria, vulgo "Missão Portugal", lançou-se noutra "campanha", desta feita destinada a fomentar a nossa "auto-estima". Estes nobres missionários intitulam-se "Portugal Positivo", e para quem quiser saber do que se trata, basta dar um toque no último link da lista da direita. A ideia não é nova. Já em diversas campanhas partidárias apareceram slogans que, no fundo, repetem a ideia por outras palavras. "Juntos vamos conseguir", "Portugal não pode parar", Vamos a isto" e ditos do género, são uma e a mesma maneira de tentar "passar" a ideia de que "agora é que é". O hiper-positivo Marcelo Rebelo de Sousa lembrou-se de convidar, para uma conferência inserida no que chamaram "O Dia Positivo", o Dr. Vasco Pulido Valente. Provavelmente perante alguma consternação dos presentes, Pulido Valente recorreu à história para demonstrar duas ou três coisas nada positivas e demasiado evidentes. A primeira, a de que sendo nós irremediavelmente "atrasados" e "subdesenvolvidos" (o verbo correcto é "ser" e não "estar"), assistimos periodicamente, desde o século XVIII, pelo menos, a pueris tentativas de "recomeço" e de "salvação" de cada vez que um iluminado, eleito ou não, nos pastoreia. Normalmente limitam-se a imitar, em mau, o que conhecem. Cada programa político "novo" é uma "mudança", "a" mudança, de preferência gerida, no topo político e funcionário, por verdadeiras não-pessoas, cheias de "auto-estima", que vegetam na maior impunidade. Por outro lado, havendo "mudança" e persistindo a "crítica", é preciso encontrar culpados para o "bota-abaixismo", com a habitual sede no Restelo, conhecida toca de "velhos". Finalmente, os "costumes", a nossa verdadeira auto-estima, aquilo que nos distinguiu sempre dos outros povos e que provocava "visitas de estudo" à barbárie instalada nesta cauda da Europa. Por séculos e séculos, prosadores de várias origens suspiraram pela "reforma das mentalidades" (Sérgio) como a enorme panaceia para "mudar" a Pátria. E a "educação", jamais pensada com um módico de bom-senso e de adequação às realidades, nunca ajudou. Como lembrou Pulido Valente, em qualquer outro país, desprovido dos elevados índices de esquizofrenia que nos atormentam há gerações, campanhas com as do "Portugal Positivo" não fariam qualquer sentido. Ça va de soi. De manhã, na rádio, Inês Pedrosa, uma eminência cultural do Portugal contemporâneo, "grande escritora" e também conferencista, enunciava o seu conceito de "ver-as-coisas-pelo-seu-lado-positivo", algo que me soou tão profundo como os comentários dos taxistas ou da Cinha Jardim. O estilo "saint-exupéry chique" desta rapaziada "positiva", não provoca nenhum tipo de sismo. É uma mistura de voluntários do "banco alimentar" com bancos a sério. Estão supostamente fora dos partidos, mas bebem no melhor neoliberalismo em curso. Não é por acaso que António Borges, essa mística promessa da economia portuguesa, ia encerrar a conferência. Portugal positivo? Auto-estima? A resposta foi dada na citação de Eça de Queirós, lida por Pulido Valente e extraída de uma das "Cartas" de Fradique Mendes a Madame de Jouarre. Depois de várias peripécias na sua chegada a Lisboa por via férrea, vindo do Porto, e uma vez chegado ao Hotel Bragança a bordo de uma caleche cujo cocheiro lhe pediu "não menos de três mil réis" pelo transporte, Fradique é reconhecido pelo homem, "à luz do vestíbulo" que lhe batia na face. "Então, são três mil réis?", pergunta Fradique. Responde o homem:
-Aquilo era por dizer...Eu não tinha conhecido o sr. D. Fradique...Lá para o sr. D. Fradique é o que quiser.
Humilhação incomparável! Senti logo não sei que torpe enternecimento que me amolecia o coração. Era a bonacheirice, a relassa fraqueza que nos enlaça a todos nós Portugueses, nos enche de culpada indulgência uns para os outros, e irremediavelmente estraga entre nós toda a disciplina e toda a ordem. Sim, minha cara madrinha...Aquele bandido conhecia o sr. D. Fradique. Tinha um sorriso brejeiro e serviçal.Ambos éramos portugueses. Dei uma libra àquele bandido!
O "somos todos Portugal" do novo reformador da Pátria, o Dr. Barroso, está todo aqui. Positivamente.
Adenda: Pulido Valente mencionou as observações que alguns visitantes do País, no século XVIII, deixaram em livro. No seu artigo habitual no Diário de Notícias, António Valdemar cita algumas dessas prosas. Vale a pena ler(link).
19.5.04
MELHOR É IMPOSSÍVEL?
I am not my own subject, proclamava há anos o último dos "romanos", Gore Vidal. Eu também concordo e tento não publicitar as minhas mais íntimas mortificações. Sucede que um pequeno fait divers na minha gloriosa "carreira" pública (leia-se, ao serviço do Estado), me impele a dizer qualquer coisa. Por uns acasos do destino, andei seis anos afastado da minha "base" e da minha "carreira". Nunca cheguei a sair do dito Estado e vagueei por lugares "não dirigentes" e "dirigentes" que, em diversas ocasiões e pelos motivos mais inexplicáveis, me deram imenso gozo pessoal e profissional. Parecia, pois, que eu tinha um currículo. E pensava -e penso- que o Estado se serve indistintamente em qualquer digna função pública. Digamos, porém, que a dada altura cometi a indelicadeza de me mover. Apesar de os governos defenderem a "mobilidade" dos seus funcionários, a "base" (qualquer que ela seja) não costuma simpatizar com os que partem. E simpatiza ainda menos com o seu putativo regresso. As únicas formas de "mobilidade" verdadeiramente consentidas e admiradas numa administração pública que "vende" "motivação", "modernidade" e intimações do género para consolo dos distraídos, são o cemitério ou uma sinecura política adequada (porque nem todas o são). O contrário disto representa um puro e simples "apagão" na biografia do "servidor" público, considerado um "peso-morto". Os anos passados noutras missões, ganhos ao cemitério ou nas referidas sinecuras, são como que "os anos em que não estivemos em parte nenhuma". É justo que se premeie quem, certamente por mérito próprio, nunca quis ou conseguiu fazer outra coisa em qualquer outro lado. As carreiras, aliás, foram instituídas justamente para promover essas respeitáveis criaturas, os "carreiristas" e os "fiéis". Eu não tenho grande jeito para "carreiras", confesso. As únicas que frequento, e pouco, são as "carreiras" da Carris. Para mais, não cultivo o temor reverencial e não me distingo particularmente pelo meu bom feitio. À semelhança de Vidal, sempre me preocupei mais com o que penso acerca dos outros do que com aquilo que os outros pensam de mim. Isso tem um tremendo preço de mercado que eu, mais ou menos tranquilamente, pago. Por dever de ofício e de cidadania, apesar de tudo, gostava que a nossa administração pública pudesse, um dia, vir a ser verdadeiramente cosmopolita e aberta. A sua misantropia paroquial, embrulhada em "papel reforma", não inspira nenhum tipo de confiança, nem motiva o mais optimista dos funcionários. Será que pedir melhor é impossível?
I am not my own subject, proclamava há anos o último dos "romanos", Gore Vidal. Eu também concordo e tento não publicitar as minhas mais íntimas mortificações. Sucede que um pequeno fait divers na minha gloriosa "carreira" pública (leia-se, ao serviço do Estado), me impele a dizer qualquer coisa. Por uns acasos do destino, andei seis anos afastado da minha "base" e da minha "carreira". Nunca cheguei a sair do dito Estado e vagueei por lugares "não dirigentes" e "dirigentes" que, em diversas ocasiões e pelos motivos mais inexplicáveis, me deram imenso gozo pessoal e profissional. Parecia, pois, que eu tinha um currículo. E pensava -e penso- que o Estado se serve indistintamente em qualquer digna função pública. Digamos, porém, que a dada altura cometi a indelicadeza de me mover. Apesar de os governos defenderem a "mobilidade" dos seus funcionários, a "base" (qualquer que ela seja) não costuma simpatizar com os que partem. E simpatiza ainda menos com o seu putativo regresso. As únicas formas de "mobilidade" verdadeiramente consentidas e admiradas numa administração pública que "vende" "motivação", "modernidade" e intimações do género para consolo dos distraídos, são o cemitério ou uma sinecura política adequada (porque nem todas o são). O contrário disto representa um puro e simples "apagão" na biografia do "servidor" público, considerado um "peso-morto". Os anos passados noutras missões, ganhos ao cemitério ou nas referidas sinecuras, são como que "os anos em que não estivemos em parte nenhuma". É justo que se premeie quem, certamente por mérito próprio, nunca quis ou conseguiu fazer outra coisa em qualquer outro lado. As carreiras, aliás, foram instituídas justamente para promover essas respeitáveis criaturas, os "carreiristas" e os "fiéis". Eu não tenho grande jeito para "carreiras", confesso. As únicas que frequento, e pouco, são as "carreiras" da Carris. Para mais, não cultivo o temor reverencial e não me distingo particularmente pelo meu bom feitio. À semelhança de Vidal, sempre me preocupei mais com o que penso acerca dos outros do que com aquilo que os outros pensam de mim. Isso tem um tremendo preço de mercado que eu, mais ou menos tranquilamente, pago. Por dever de ofício e de cidadania, apesar de tudo, gostava que a nossa administração pública pudesse, um dia, vir a ser verdadeiramente cosmopolita e aberta. A sua misantropia paroquial, embrulhada em "papel reforma", não inspira nenhum tipo de confiança, nem motiva o mais optimista dos funcionários. Será que pedir melhor é impossível?
18.5.04
EM VÃO
Enquanto o País se dividia entre "vermelhos" e "azuis", e as televisões procuravam encontrar o comentário mais bárbaro produzido por fanáticos grotescos semi-alcoolizados, o Dr. Barroso, solene e composto, desfilava numa procissão nos Açores. Perturbava-o -disse - a circunstância de nenhum primeiro-ministro jamais ter tido a brilhante ideia de participar naquela procissão, à excepção dele próprio, naturalmente. Entende-se o fervor. Na véspera, uma sondagem anunciava uma pesada derrota nas eleições regionais para o arranjo local entre o PSD e o PP. Por cá, no "continente", o mesmo arranjo também não promete grandes sucessos para Junho. Por isso, chega a ser escandalosa a forma como os próceres da insigne aliança entre sociais-democratas e pequenos populares, anelam por uma vasta abstenção nas "europeias". São estes mesmos "bons cristãos" que, no momento em que se prepara a assinatura de uma nova Concordata com a Santa Sé, estimulam sinais internos no sentido de confirmar que a "cortina" corrida entre o Estado e a Igreja, na expressão de Salazar, não está verdadeiramente bem corrida. Com todos os seus inúmeros defeitos, Salazar tinha, apesar de tudo, o chamado "sentido de Estado". Era o "dele", cínico e reaccionário, mas era "um". Esta gente não tem nenhum. Independentemente das minhas convicções pessoais nesta matéria, eu sou ferozmente adepto de um Estado laico e de uma Europa laica. Não há nada de mal em acompanhar o "povo" em festa atrás do andor, por entre flores e cânticos esperançosos. Coisa diferente é cultivar uma ambiguidade oportunista, pouco "cristã" e dita "democrática" apenas destinada a invocar o nome de Deus deliberadamente em vão.
Enquanto o País se dividia entre "vermelhos" e "azuis", e as televisões procuravam encontrar o comentário mais bárbaro produzido por fanáticos grotescos semi-alcoolizados, o Dr. Barroso, solene e composto, desfilava numa procissão nos Açores. Perturbava-o -disse - a circunstância de nenhum primeiro-ministro jamais ter tido a brilhante ideia de participar naquela procissão, à excepção dele próprio, naturalmente. Entende-se o fervor. Na véspera, uma sondagem anunciava uma pesada derrota nas eleições regionais para o arranjo local entre o PSD e o PP. Por cá, no "continente", o mesmo arranjo também não promete grandes sucessos para Junho. Por isso, chega a ser escandalosa a forma como os próceres da insigne aliança entre sociais-democratas e pequenos populares, anelam por uma vasta abstenção nas "europeias". São estes mesmos "bons cristãos" que, no momento em que se prepara a assinatura de uma nova Concordata com a Santa Sé, estimulam sinais internos no sentido de confirmar que a "cortina" corrida entre o Estado e a Igreja, na expressão de Salazar, não está verdadeiramente bem corrida. Com todos os seus inúmeros defeitos, Salazar tinha, apesar de tudo, o chamado "sentido de Estado". Era o "dele", cínico e reaccionário, mas era "um". Esta gente não tem nenhum. Independentemente das minhas convicções pessoais nesta matéria, eu sou ferozmente adepto de um Estado laico e de uma Europa laica. Não há nada de mal em acompanhar o "povo" em festa atrás do andor, por entre flores e cânticos esperançosos. Coisa diferente é cultivar uma ambiguidade oportunista, pouco "cristã" e dita "democrática" apenas destinada a invocar o nome de Deus deliberadamente em vão.
16.5.04
O DESFAZEDOR
O Opiniondesmaker pariu uma curiosa reflexão sobre os blogues, a escrita e, se calhar, "a vida". Para além disso, está bem escrita. Prova de que há mais vida para além, por exemplo, do filho do Dr. João Bigotte Chorão que também costuma andar acompanhado fora do mundo.
Passo, pois, a citar:
Desta merda. A porcaria de escrever práqui está a tornar-me uma flor estufada; mais instável, mais ao sabor dos humores e das humidades, mais auto-interpelativozinho, mais “e-agora-o-que-é-que-eu-escrevo”, mais “deixa-cá-ver-se-isto-ficou-benzinho”, mais “ai-mas-era-mesmo-preciso-escrever-assim?”,
mais coninha-de-sabão,
mais dependente do tremer da mão
mais amante da especulação mental,
e isto já me está a cheirar mal.
Se escrevo é porque não sei se valeu a pena ter escrito, se não escrevi é porque sou uma merda por não ter conseguido, se escrevi é porque não tinha nada melhor para estoirar a merda do tempo, se não arranjei tempo para escrever é porque sou outra merda ainda maior, se escrevi é porque fico a pensar se não podia antes ter ido comer um arrozinho de lingueirão, se não escrevi é porque bem podia ter escrito dado que o arroz estava uma merda, se escrevo é porque não ligam nenhuma à merda que eu escrevo, se não escrevo é porque assim é que ninguém lê esta merda de certeza; estou a atolar-me de “ses” e mais “ses”, bem acima da conta. E eu detesto ter dúvidas. Aliás, eu até acho que é a primeira vez que estou com dúvidas, vendo bem! Ter dúvidas é mesmo outra grande merda, só superada pela de ter hesitações. E – fim da pica – ainda descobri mais este ignóbil percalço de personalidade: então não é que às vezes, mesmo quando não me apetece escrever uma coisa depois não consigo passar sem a escrever!? Mas que merda é esta! E depois eu nem sou antropólogo, nem sou sociólogo, nem sou psicólogo, nem sou jornalista, nem cientista, nem halterofilista, nem vendedor de alpista
nem colunista, nem clonado,
nem cronista, nem encornado,
nem fadista, nem fadado,
nem de esquerda, nem do outro lado,
nem escritor, nem escriturado
nem esquecido, nem falado,
nem puta, nem deputado,
nem poeta, nem apanascado
Mas que merda é esta pá!? Tenho de aturar os outros, e agora ainda me tenho de aturar a mim mesmo também!? Ao menos mandem-me à merda, que eu não estou a conseguir sozinho.
O Opiniondesmaker pariu uma curiosa reflexão sobre os blogues, a escrita e, se calhar, "a vida". Para além disso, está bem escrita. Prova de que há mais vida para além, por exemplo, do filho do Dr. João Bigotte Chorão que também costuma andar acompanhado fora do mundo.
Passo, pois, a citar:
Desta merda. A porcaria de escrever práqui está a tornar-me uma flor estufada; mais instável, mais ao sabor dos humores e das humidades, mais auto-interpelativozinho, mais “e-agora-o-que-é-que-eu-escrevo”, mais “deixa-cá-ver-se-isto-ficou-benzinho”, mais “ai-mas-era-mesmo-preciso-escrever-assim?”,
mais coninha-de-sabão,
mais dependente do tremer da mão
mais amante da especulação mental,
e isto já me está a cheirar mal.
Se escrevo é porque não sei se valeu a pena ter escrito, se não escrevi é porque sou uma merda por não ter conseguido, se escrevi é porque não tinha nada melhor para estoirar a merda do tempo, se não arranjei tempo para escrever é porque sou outra merda ainda maior, se escrevi é porque fico a pensar se não podia antes ter ido comer um arrozinho de lingueirão, se não escrevi é porque bem podia ter escrito dado que o arroz estava uma merda, se escrevo é porque não ligam nenhuma à merda que eu escrevo, se não escrevo é porque assim é que ninguém lê esta merda de certeza; estou a atolar-me de “ses” e mais “ses”, bem acima da conta. E eu detesto ter dúvidas. Aliás, eu até acho que é a primeira vez que estou com dúvidas, vendo bem! Ter dúvidas é mesmo outra grande merda, só superada pela de ter hesitações. E – fim da pica – ainda descobri mais este ignóbil percalço de personalidade: então não é que às vezes, mesmo quando não me apetece escrever uma coisa depois não consigo passar sem a escrever!? Mas que merda é esta! E depois eu nem sou antropólogo, nem sou sociólogo, nem sou psicólogo, nem sou jornalista, nem cientista, nem halterofilista, nem vendedor de alpista
nem colunista, nem clonado,
nem cronista, nem encornado,
nem fadista, nem fadado,
nem de esquerda, nem do outro lado,
nem escritor, nem escriturado
nem esquecido, nem falado,
nem puta, nem deputado,
nem poeta, nem apanascado
Mas que merda é esta pá!? Tenho de aturar os outros, e agora ainda me tenho de aturar a mim mesmo também!? Ao menos mandem-me à merda, que eu não estou a conseguir sozinho.
15.5.04
"SEM MEDIDAS"
Não tenho a certeza, mas suspeito que, hoje ou por estes dias, passa o "dia da família". Percebo isso pelas páginas que alguns jornais dedicam ao assunto. E percebo igualmente pela circunstância de haver uma "comissão", presumo que "nacional", para tratar dela, da "família". A sua presidente, aliás, parece que anda descontente com o governo (este) que a nomeou. Há uns meses, o Dr. Barroso e o cristão Félix, anunciaram cem medidas para a "família", coisa que incluia benefícios fiscais e outro tipo de facilidades. Sucede que os apertos orçamentais em curso transformaram aparentemente as "cem medidas" em "sem medidas", segundo a dita presidente. E nem Barroso nem Bagão querem ouvir falar em comemorações, não vá estender-se alguma mão inoportunamente pedinchosa. Este desvelo oficial e oficioso, mesmo que virtual, pela entidade "família" e, particularmente, pela "numerosa", incomoda-me. Julgo até que prejudica o princípio da igualdade, uma velharia constitucional em crescente desuso. Tanto direito têm as famílias a ter uma "comissão", como aqueles para quem esse vocábulo significa estar sozinho, a dois ou a três, e sem "pequenos monstros sem pescoço"(Tennessee Williams)a rondar a casa. Hoje em dia, a "família" não é uma base "sólida" seja para o que for. E muito boa gente prefere de longe a companhia de desconhecidos e de amigos, à de parentes, maridos, mulheres, ascendentes e descendentes que o acaso do sangue lhes pôs no nome e na vida. Celebrar agora a "família" é uma mera mistificação política sem substância. Não admira, pois, que até este piedoso governo a deixe "sem medidas".
Não tenho a certeza, mas suspeito que, hoje ou por estes dias, passa o "dia da família". Percebo isso pelas páginas que alguns jornais dedicam ao assunto. E percebo igualmente pela circunstância de haver uma "comissão", presumo que "nacional", para tratar dela, da "família". A sua presidente, aliás, parece que anda descontente com o governo (este) que a nomeou. Há uns meses, o Dr. Barroso e o cristão Félix, anunciaram cem medidas para a "família", coisa que incluia benefícios fiscais e outro tipo de facilidades. Sucede que os apertos orçamentais em curso transformaram aparentemente as "cem medidas" em "sem medidas", segundo a dita presidente. E nem Barroso nem Bagão querem ouvir falar em comemorações, não vá estender-se alguma mão inoportunamente pedinchosa. Este desvelo oficial e oficioso, mesmo que virtual, pela entidade "família" e, particularmente, pela "numerosa", incomoda-me. Julgo até que prejudica o princípio da igualdade, uma velharia constitucional em crescente desuso. Tanto direito têm as famílias a ter uma "comissão", como aqueles para quem esse vocábulo significa estar sozinho, a dois ou a três, e sem "pequenos monstros sem pescoço"(Tennessee Williams)a rondar a casa. Hoje em dia, a "família" não é uma base "sólida" seja para o que for. E muito boa gente prefere de longe a companhia de desconhecidos e de amigos, à de parentes, maridos, mulheres, ascendentes e descendentes que o acaso do sangue lhes pôs no nome e na vida. Celebrar agora a "família" é uma mera mistificação política sem substância. Não admira, pois, que até este piedoso governo a deixe "sem medidas".
14.5.04
STAND UP COMICS II
Sem nenhuma espécie de convicção, a não ser o seu natural embotamento, o ministro do Desporto, o esforçado Dr. Arnaut, jurou pela segurança da bola de Junho. Estava a um mês do início da "festa" e rodeado por uns senhores com ar sério, todos naturalmente ciosos e seguros da referida "segurança". No actual "estado da arte" destas coisas, aqui ou em qualquer parte do mundo, não há ninguém em condições de garantir o que quer que seja. E não são , em concreto, aquelas almas que se sentavam respeitosamente à volta do Dr. Arnaut - e, ele, de entre todos, muito menos- quem nos pode garantir o que quer que seja. É só esperar que a coisa flua naturalmente, que haja sol e que as hordas bárbaras e bèbadas não exagerem, e partam. Colin Powell, o melhor que a administração Bush conseguiu produzir, veio entretanto assustar as referidas almas "responsáveis". Lembrou que um espectáculo como o Euro 2004 pode ser atractivo para a rapaziada terrorista, e sugeriu cautela. Estou convicto, contudo, que verdadeiramente ninguém se lembrará de nós, um crédito a favor da insignificância. Nem tão-pouco acredito que o Dr. Arnaut ou o Sr. Madaíl estejam referenciados pelo "inimigo". "Eles" costumam levar a sério os "alvos" que escolhem. Não consta que se ocupem com "stand up comics" de segundas e terceiras linhas.
Sem nenhuma espécie de convicção, a não ser o seu natural embotamento, o ministro do Desporto, o esforçado Dr. Arnaut, jurou pela segurança da bola de Junho. Estava a um mês do início da "festa" e rodeado por uns senhores com ar sério, todos naturalmente ciosos e seguros da referida "segurança". No actual "estado da arte" destas coisas, aqui ou em qualquer parte do mundo, não há ninguém em condições de garantir o que quer que seja. E não são , em concreto, aquelas almas que se sentavam respeitosamente à volta do Dr. Arnaut - e, ele, de entre todos, muito menos- quem nos pode garantir o que quer que seja. É só esperar que a coisa flua naturalmente, que haja sol e que as hordas bárbaras e bèbadas não exagerem, e partam. Colin Powell, o melhor que a administração Bush conseguiu produzir, veio entretanto assustar as referidas almas "responsáveis". Lembrou que um espectáculo como o Euro 2004 pode ser atractivo para a rapaziada terrorista, e sugeriu cautela. Estou convicto, contudo, que verdadeiramente ninguém se lembrará de nós, um crédito a favor da insignificância. Nem tão-pouco acredito que o Dr. Arnaut ou o Sr. Madaíl estejam referenciados pelo "inimigo". "Eles" costumam levar a sério os "alvos" que escolhem. Não consta que se ocupem com "stand up comics" de segundas e terceiras linhas.
13.5.04
A VIA AZUL
O Dr. Barroso deu uma entrevista à SIC. Entre o jardim de S. Bento e o seu gabinete, resumiu-se o seu "pensamento". Descontando a tentativa pelo menos verbalizada de reduzir o "seu" primeiro vice-presidente a recandidato à Câmara de Lisboa, nada de substancialmente relevante ou de novo adveio da pequena passeata. Barroso acredita fervorosamente em si próprio, no seu "caminho", nos seus "objectivos", nas suas "reformas" e, presume-se, prepara subtilmente o seu privado "rumo à vitória". Em relação a Guterres, Barroso é apenas mais "enxuto" e menos "redondo". Quem o ouve e não está atento, pode até julgar que o País está "a mudar", o tal "Portugal em acção" ou em "evoluçaõ", graças aos esforços dos "ajudantes" e "sub-ajudantes" do primeiro-ministro. Acontece que nada de substancial está verdadeiramente "a mudar" ou a "reformar-se", apesar da crença de Barroso. Ele próprio, aliás, é o primeiro sintoma disto. Acaba de trocar uma visita de Estado por um jogo de futebol alhures. O "beija-mão" a Pinto da Costa falou mais alto e, neste momento, tornou-se um prolegómeno obrigatório do grande "desígnio nacional" (o único que temos) que é o Euro 2004. A provação, aquando da inauguração do estádio do Benfica, não demove a sua persistência estruturalmente maoísta. Limitou-se a mudar de via. Trocou a "via encarnada" pela que está na moda e que manda "em campo", e fora dele, a "via azul". Uma via que, como o tempo se encarregará de demonstrar, o não deverá levar muito longe.
O Dr. Barroso deu uma entrevista à SIC. Entre o jardim de S. Bento e o seu gabinete, resumiu-se o seu "pensamento". Descontando a tentativa pelo menos verbalizada de reduzir o "seu" primeiro vice-presidente a recandidato à Câmara de Lisboa, nada de substancialmente relevante ou de novo adveio da pequena passeata. Barroso acredita fervorosamente em si próprio, no seu "caminho", nos seus "objectivos", nas suas "reformas" e, presume-se, prepara subtilmente o seu privado "rumo à vitória". Em relação a Guterres, Barroso é apenas mais "enxuto" e menos "redondo". Quem o ouve e não está atento, pode até julgar que o País está "a mudar", o tal "Portugal em acção" ou em "evoluçaõ", graças aos esforços dos "ajudantes" e "sub-ajudantes" do primeiro-ministro. Acontece que nada de substancial está verdadeiramente "a mudar" ou a "reformar-se", apesar da crença de Barroso. Ele próprio, aliás, é o primeiro sintoma disto. Acaba de trocar uma visita de Estado por um jogo de futebol alhures. O "beija-mão" a Pinto da Costa falou mais alto e, neste momento, tornou-se um prolegómeno obrigatório do grande "desígnio nacional" (o único que temos) que é o Euro 2004. A provação, aquando da inauguração do estádio do Benfica, não demove a sua persistência estruturalmente maoísta. Limitou-se a mudar de via. Trocou a "via encarnada" pela que está na moda e que manda "em campo", e fora dele, a "via azul". Uma via que, como o tempo se encarregará de demonstrar, o não deverá levar muito longe.
11.5.04
STAND UP COMICS
Um estudo de opinião editado pelo US Today e pela CNN, revela ao mundo o estado calamitoso em que se encontra a figura de G.W. Bush junto dos seus concidadãos. Nada, realmente, o ajuda. No livrinho que reúne alguns textos pós "11 de Setembro", Perpetual war for perpetual peace, how we got to be so hated (Thunder's Mouth Press/Nation Books, New York, 2002), de Gore Vidal, a criatura e o seu "sistema" são parcialmente explicados. Da mesma forma que o é a sua entourage, a "rulling junta" de que fala Vidal. À cabeça da "junta" está essa extraordinária figura de estadista que é o Sr. Rumsfeld, uma querida, amiga e assídua visita de São Julião da Barra. É mesmo verosímil que tenha sido com ele que o Dr. Portas aprendeu a mascar tão fantastica e alarvemente pastilhas elásticas diante das suas tropas e das televisões. Ainda estava em Nova Iorque, quando pude assistir a uma conferência de imprensa do homem da Defesa de Bush. Julgo que se tratava da primeira por causa das humilhantes palhaçadas a que se entregaram alguns "heróis" norte-americanos e britânicos junto de detidos iraquianos.Mais tarde, e já aqui, acompanhei o seu depoimento perante o Senado norte-americano. Rumsfeld, engasgado, incomodado e com uma eloquência semi-primária, deu o que dele se esperava. Ou seja, a pior imagem possível da administração que tão comoventemente serve. Do alto do seu baixo QI, G.W teima em mantê-lo indemne de quaisquer responsabilidades políticas pelo desastre que se desenrola no Iraque, agora "ilustrado" por umas torpes brincadeiras de mau-gosto. E a Rumsfeld, um "duro", não lhe passará pela sua dura cabeça demitir-se. É, pois, esta gente quem manda no "último império" e inspira epígonos menores por aí fora. Nas livrarias de Nova Iorque não sobram prateleiras com livros que os desprezam e desmontam. Este, de Gore Vidal, é um deles, e teve a maior dificuldade em conseguir ser publicado nos EUA. Aos olhos do ensaísta,G.W ou Rumsfeld não passam de uns " skilled stand up comics", porém, lamentavelmente perigosos.
Um estudo de opinião editado pelo US Today e pela CNN, revela ao mundo o estado calamitoso em que se encontra a figura de G.W. Bush junto dos seus concidadãos. Nada, realmente, o ajuda. No livrinho que reúne alguns textos pós "11 de Setembro", Perpetual war for perpetual peace, how we got to be so hated (Thunder's Mouth Press/Nation Books, New York, 2002), de Gore Vidal, a criatura e o seu "sistema" são parcialmente explicados. Da mesma forma que o é a sua entourage, a "rulling junta" de que fala Vidal. À cabeça da "junta" está essa extraordinária figura de estadista que é o Sr. Rumsfeld, uma querida, amiga e assídua visita de São Julião da Barra. É mesmo verosímil que tenha sido com ele que o Dr. Portas aprendeu a mascar tão fantastica e alarvemente pastilhas elásticas diante das suas tropas e das televisões. Ainda estava em Nova Iorque, quando pude assistir a uma conferência de imprensa do homem da Defesa de Bush. Julgo que se tratava da primeira por causa das humilhantes palhaçadas a que se entregaram alguns "heróis" norte-americanos e britânicos junto de detidos iraquianos.Mais tarde, e já aqui, acompanhei o seu depoimento perante o Senado norte-americano. Rumsfeld, engasgado, incomodado e com uma eloquência semi-primária, deu o que dele se esperava. Ou seja, a pior imagem possível da administração que tão comoventemente serve. Do alto do seu baixo QI, G.W teima em mantê-lo indemne de quaisquer responsabilidades políticas pelo desastre que se desenrola no Iraque, agora "ilustrado" por umas torpes brincadeiras de mau-gosto. E a Rumsfeld, um "duro", não lhe passará pela sua dura cabeça demitir-se. É, pois, esta gente quem manda no "último império" e inspira epígonos menores por aí fora. Nas livrarias de Nova Iorque não sobram prateleiras com livros que os desprezam e desmontam. Este, de Gore Vidal, é um deles, e teve a maior dificuldade em conseguir ser publicado nos EUA. Aos olhos do ensaísta,G.W ou Rumsfeld não passam de uns " skilled stand up comics", porém, lamentavelmente perigosos.
8.5.04
FORÇA ABRUPTA?
Ana Sá Lopes, no seu comentário "político" de sábado no Público, que eu li no veterinário, e o Semanário, se não erro, imputam a Pacheco Pereira duas "situações", como diria Sartre. A primeira, a de que Pacheco, um transatlantista intelectualmente robusto, suspeitando de uma eventual deriva não tão solidamente anti-terrorista como a da boa escola Bush/Blair/Barroso, por parte do PS nas eleições europeias ("guerra é guerra", no seu dizer), estaria disposto a apoiar a "Força Portugal" dos Drs. Portas, Arnaut , Santana Lopes, Barroso e Pinheiro (por esta ordem). Isto apesar de ser conhecida a infinita estima política, intelectual e "moral" que Pacheco nutre por algumas das figuras que citei. A segunda "situação", seria a ida do próprio Pacheco para a sinecura da embaixada de Portugal na UNESCO, em Paris, coisa que calha sempre bem a quem gosta, por exemplo, de livros. A remoção das listas da "Força", devido a uma aliança que Pacheco viu (e bem) como pouco saudável, estaria assim mais ou menos equilibrada com estas "redenções" mútuas. Não é por eventualmente Pacheco Pereira tomar estas posições, que eu o vou deixar de considerar menos "livre" ou menos "crítico", e na boa "conta" em que o tenho. Digamos que continuarei a admirar o seu espiríto algo libertário e a sua escrita estimulante, e que lamentarei que, em relação à "Força" do Prof. Pinheiro, não tenha sido tão abruptamente coerente.
PS (não se assuste, JPP): Parece que passa um ano sobre a criação do Abrupto, o alma mater desta curiosa forma de vida imaterial que são os blogues. Citando uma frase bem conhecida de Carlos Candal, dos tempos de Aveiro e de outros "cabeças de lista", parabéns à prima!
Ana Sá Lopes, no seu comentário "político" de sábado no Público, que eu li no veterinário, e o Semanário, se não erro, imputam a Pacheco Pereira duas "situações", como diria Sartre. A primeira, a de que Pacheco, um transatlantista intelectualmente robusto, suspeitando de uma eventual deriva não tão solidamente anti-terrorista como a da boa escola Bush/Blair/Barroso, por parte do PS nas eleições europeias ("guerra é guerra", no seu dizer), estaria disposto a apoiar a "Força Portugal" dos Drs. Portas, Arnaut , Santana Lopes, Barroso e Pinheiro (por esta ordem). Isto apesar de ser conhecida a infinita estima política, intelectual e "moral" que Pacheco nutre por algumas das figuras que citei. A segunda "situação", seria a ida do próprio Pacheco para a sinecura da embaixada de Portugal na UNESCO, em Paris, coisa que calha sempre bem a quem gosta, por exemplo, de livros. A remoção das listas da "Força", devido a uma aliança que Pacheco viu (e bem) como pouco saudável, estaria assim mais ou menos equilibrada com estas "redenções" mútuas. Não é por eventualmente Pacheco Pereira tomar estas posições, que eu o vou deixar de considerar menos "livre" ou menos "crítico", e na boa "conta" em que o tenho. Digamos que continuarei a admirar o seu espiríto algo libertário e a sua escrita estimulante, e que lamentarei que, em relação à "Força" do Prof. Pinheiro, não tenha sido tão abruptamente coerente.
PS (não se assuste, JPP): Parece que passa um ano sobre a criação do Abrupto, o alma mater desta curiosa forma de vida imaterial que são os blogues. Citando uma frase bem conhecida de Carlos Candal, dos tempos de Aveiro e de outros "cabeças de lista", parabéns à prima!
7.5.04
BOA FORMA
Li num jornal luso-americano que a D. Simoneta Luz Afonso tinha ido ocupar o lugar de Maria José Stock no Instituto Camões. Não acompanhei a novela que levou esta última a ir-se embora. Mas sei que esta senhora está para Pedro Santana Lopes como a primeira para Teresa Gouveia. Ou seja, já não estava propriamente no melhor sítio. Pelo contrário, a D. Simoneta é verdadeiramente uma mulher para todas as ocasiões. Faz parte daquela extensa fila de figuras ditas "transversais", do Estado ou de fora, que estão sempre prontas para servir a qualquer amo e que são apaparicadas indistintamente pelo PS, pelo PSD ou pelo Palácio de Belém. Aliás, a D. Simoneta personificou há uns anos uma cena comovedora, assaz ilustrativa do que acabo de dizer. Num remake dos Estados Gerais do PS, em pleno auge guterrista, a senhora foi abordada pelas televisões, que lhe perguntaram o que é que estava ali a fazer. Na realidade, Simoneta tinha sido um dos "gurus" de alguns eventos "culturais" famosos promovidos pela "cultura" no tempo de Cavaco. A isto Simoneta respondeu que, como funcionária pública, tinha a obrigação de estar com quem mandava nela. E, nessa altura, como quem mandava era Guterres, ela achou por bem ir mostrar-se ao Coliseu. A D. Simoneta parece confundida com várias coisas. O dever de lealdade "funcional" não devia ter nada que ver com a bajulação partidária oportunista. E a eventos partidários assistem "cidadãos", independentemente de serem ou não funcionários públicos e, supostamente, não por causa dessa qualidade. Esta, se quisermos, é a versão "íntegra" da coisa que, pelos vistos, escapa por inteiro a pessoas como a D. Simoneta. Com a sua nomeação, não se perde grande coisa, nem se ganha. Merecem-se uns aos outros, os que convidam e os que aceitam. Esta "reserva" dos "sempre-em-pé", afinal, mantém a sua eterna boa forma.
Li num jornal luso-americano que a D. Simoneta Luz Afonso tinha ido ocupar o lugar de Maria José Stock no Instituto Camões. Não acompanhei a novela que levou esta última a ir-se embora. Mas sei que esta senhora está para Pedro Santana Lopes como a primeira para Teresa Gouveia. Ou seja, já não estava propriamente no melhor sítio. Pelo contrário, a D. Simoneta é verdadeiramente uma mulher para todas as ocasiões. Faz parte daquela extensa fila de figuras ditas "transversais", do Estado ou de fora, que estão sempre prontas para servir a qualquer amo e que são apaparicadas indistintamente pelo PS, pelo PSD ou pelo Palácio de Belém. Aliás, a D. Simoneta personificou há uns anos uma cena comovedora, assaz ilustrativa do que acabo de dizer. Num remake dos Estados Gerais do PS, em pleno auge guterrista, a senhora foi abordada pelas televisões, que lhe perguntaram o que é que estava ali a fazer. Na realidade, Simoneta tinha sido um dos "gurus" de alguns eventos "culturais" famosos promovidos pela "cultura" no tempo de Cavaco. A isto Simoneta respondeu que, como funcionária pública, tinha a obrigação de estar com quem mandava nela. E, nessa altura, como quem mandava era Guterres, ela achou por bem ir mostrar-se ao Coliseu. A D. Simoneta parece confundida com várias coisas. O dever de lealdade "funcional" não devia ter nada que ver com a bajulação partidária oportunista. E a eventos partidários assistem "cidadãos", independentemente de serem ou não funcionários públicos e, supostamente, não por causa dessa qualidade. Esta, se quisermos, é a versão "íntegra" da coisa que, pelos vistos, escapa por inteiro a pessoas como a D. Simoneta. Com a sua nomeação, não se perde grande coisa, nem se ganha. Merecem-se uns aos outros, os que convidam e os que aceitam. Esta "reserva" dos "sempre-em-pé", afinal, mantém a sua eterna boa forma.
6.5.04
A RUÍNA
Passaram 30 anos sobre a criação do PPD, depois PSD. A criatura de hoje nada tem a ver com a que foi apresentada ao País por Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota em 1974. Nem tão pouco tem a ver com o partido do malogrado Mota Pinto, quando eu para lá entrei, e ainda menos com o período de "ouro" de Cavaco Silva. Durão Barroso, quem entusiasmadamente apoiei em 1985 quando Cavaco saiu, gere presentemente um equívoco. Com a chegada ao poder há dois anos e com a infeliz aliança com o pequeno partido de Portas, Durão Barroso ficou refém de uma geração ambiciosa, mas genericamente impreparada e oportunista. Dirige um partido amplamente incaracterístico, amorfo e sentado confortavelmente em quase todas as cadeiras do poder, onde convivem e conspiram "novos" e "velhos valores" unidos pelo mesmo propósito de não largar, custe o que custar, as referidas cadeiras. Por mais que vocifere contra o "conservadorismo de direita" e contra as "modas neoliberais", Durão Barroso sabe que, apesar desse tropismo linguístico, é essa a "moda" ditada pelos corifeus do regime que ele apascenta. Ainda se isso representasse algum "progresso", menos mal. Porém, este PSD, diluído na pior e mais medíocre convergência político-partidária da democracia, parece uma montanha a parir ratos. O governo que ele sustenta alimenta uma perigosa realidade virtual que, em cada dia que passa, se surpreende na sua própria irrealidade. O actual PSD é uma sombra de si mesmo. Sobre algum do seu passado "glorioso", representado nalguns dos rostos que se juntaram a Durão Barroso ao almoço, ergue-se apenas, tragica e paradoxalmente, já que o momento é de "poder", uma ruína.
Passaram 30 anos sobre a criação do PPD, depois PSD. A criatura de hoje nada tem a ver com a que foi apresentada ao País por Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota em 1974. Nem tão pouco tem a ver com o partido do malogrado Mota Pinto, quando eu para lá entrei, e ainda menos com o período de "ouro" de Cavaco Silva. Durão Barroso, quem entusiasmadamente apoiei em 1985 quando Cavaco saiu, gere presentemente um equívoco. Com a chegada ao poder há dois anos e com a infeliz aliança com o pequeno partido de Portas, Durão Barroso ficou refém de uma geração ambiciosa, mas genericamente impreparada e oportunista. Dirige um partido amplamente incaracterístico, amorfo e sentado confortavelmente em quase todas as cadeiras do poder, onde convivem e conspiram "novos" e "velhos valores" unidos pelo mesmo propósito de não largar, custe o que custar, as referidas cadeiras. Por mais que vocifere contra o "conservadorismo de direita" e contra as "modas neoliberais", Durão Barroso sabe que, apesar desse tropismo linguístico, é essa a "moda" ditada pelos corifeus do regime que ele apascenta. Ainda se isso representasse algum "progresso", menos mal. Porém, este PSD, diluído na pior e mais medíocre convergência político-partidária da democracia, parece uma montanha a parir ratos. O governo que ele sustenta alimenta uma perigosa realidade virtual que, em cada dia que passa, se surpreende na sua própria irrealidade. O actual PSD é uma sombra de si mesmo. Sobre algum do seu passado "glorioso", representado nalguns dos rostos que se juntaram a Durão Barroso ao almoço, ergue-se apenas, tragica e paradoxalmente, já que o momento é de "poder", uma ruína.
5.5.04
LOST IN TRANSLATION
1. Ligo o telemóvel em Lisboa e a primeira mensagem escrita de um grande amigo enche-me de vontade de continuar "perdido na tradução". Diz ele: "Então, ao encontro dos nossos piolhosos, como dizia o incompreendido D. Carlos, quando as razões de Estado o obrigavam a trocar as putas de Paris por esta choldra ingovernável ? Olhe, tenha paciência...Bem vindo a casa!"
2. Vim a ler as polémicas memórias da actriz Claire Bloom, Leaving a Doll's House. Quem olha para ela, para aquela serena beleza, não a leva presa, como se costuma dizer. Em 1996, por aí, a senhora decidiu verter as suas intimidades para o papel. Casamentos, affairs, coisas de "one night stand" (parece que "ficou" pelo Anthony Quinn), e, sobretudo, Philip Roth. Aliás, foi por causa dele que comprei o livro. Gore Vidal, amigo de Claire, disse que uma das virtudes destas "memórias" era justamente a de tornar Philip Roth interessante, uma maliciosa injustiça. Para quem gosta de Roth, esta "versão" do homem, dada pela sua companheira, primeiro, e esposa, depois, bem como as vicissitudes de uma ligação entre o maldito e o sublime, que terminou com um divórcio violentissimo, é de ler. Pelo meio aparecem nomes conhecidos do cinema e do teatro do século que acabou de passar, sempre em trânsito entre a velha Europa e o Novo Mundo. Bloom fala naturalmente de uma época e de uma gente perfeitamente mortas e enterradas. É sempre bom o convívio com defuntos luminosos. Prefiro-os aos actuais e prematuros cadáveres ambulantes. Roth, felizmente, está ainda bem vivo, pairando sobre Nova Iorque e sobre as nossas estantes, malgré Claire.
3. Um avião proporcionou-me o filme de Sofia Coppola, Lost in Translation. Não me lembro do título dado aqui. Passa-se em Tóquio e, não se passando aparentemente nada de substancial, acaba por passar por ali muita coisa. Toda a improbabilidade que se descobre quando se deambula sem destino por uma cidade, é contada nos encontros reais e irreais do filme. A "kindness of strangers" que nos agarra, solitários, a essas cidades, é a mais-valia que se retira de avenidas e multidões anónimas. Descobrir que os "estranhos" são, de repente, os mais próximos, e andar pela rua assobiando um afecto inesperado que não precisa sequer de tradução. Everyone wants to be found.
4. Andei a vasculhar alguma literatura jamesiana. O mais curioso foi encontrado nas cartas que, depois dos sessenta, Henry James endereçou a "jovens talentos" masculinos. Também me lembrei dele, uma das prosas mais extraordinárias da literatura norte-americana e mundial, por causa de The Europeans que, a despropósito, liguei à circunstância de a Europa ter mais dez membros desde o dia 1. No espaço e no tempo de uma curta viagem aos EUA, o meu cosmopolitismo satisfez-se com este "alargamento". Para os interesses domésticos, no entanto, este avanço da Europa para o seu centro e para leste, é ameaçadora. Ainda bem que é. Mesmo antes de "cá" estarem, já alguns desses países apresentavam números de nos fazer corar de vergonha. Que importa! Trôpegos e pândegos continuamos, e em breve agarrados à bola, eternamente leves na nossa irresponsabilidade sem tradução possível em nenhuma língua.
1. Ligo o telemóvel em Lisboa e a primeira mensagem escrita de um grande amigo enche-me de vontade de continuar "perdido na tradução". Diz ele: "Então, ao encontro dos nossos piolhosos, como dizia o incompreendido D. Carlos, quando as razões de Estado o obrigavam a trocar as putas de Paris por esta choldra ingovernável ? Olhe, tenha paciência...Bem vindo a casa!"
2. Vim a ler as polémicas memórias da actriz Claire Bloom, Leaving a Doll's House. Quem olha para ela, para aquela serena beleza, não a leva presa, como se costuma dizer. Em 1996, por aí, a senhora decidiu verter as suas intimidades para o papel. Casamentos, affairs, coisas de "one night stand" (parece que "ficou" pelo Anthony Quinn), e, sobretudo, Philip Roth. Aliás, foi por causa dele que comprei o livro. Gore Vidal, amigo de Claire, disse que uma das virtudes destas "memórias" era justamente a de tornar Philip Roth interessante, uma maliciosa injustiça. Para quem gosta de Roth, esta "versão" do homem, dada pela sua companheira, primeiro, e esposa, depois, bem como as vicissitudes de uma ligação entre o maldito e o sublime, que terminou com um divórcio violentissimo, é de ler. Pelo meio aparecem nomes conhecidos do cinema e do teatro do século que acabou de passar, sempre em trânsito entre a velha Europa e o Novo Mundo. Bloom fala naturalmente de uma época e de uma gente perfeitamente mortas e enterradas. É sempre bom o convívio com defuntos luminosos. Prefiro-os aos actuais e prematuros cadáveres ambulantes. Roth, felizmente, está ainda bem vivo, pairando sobre Nova Iorque e sobre as nossas estantes, malgré Claire.
3. Um avião proporcionou-me o filme de Sofia Coppola, Lost in Translation. Não me lembro do título dado aqui. Passa-se em Tóquio e, não se passando aparentemente nada de substancial, acaba por passar por ali muita coisa. Toda a improbabilidade que se descobre quando se deambula sem destino por uma cidade, é contada nos encontros reais e irreais do filme. A "kindness of strangers" que nos agarra, solitários, a essas cidades, é a mais-valia que se retira de avenidas e multidões anónimas. Descobrir que os "estranhos" são, de repente, os mais próximos, e andar pela rua assobiando um afecto inesperado que não precisa sequer de tradução. Everyone wants to be found.
4. Andei a vasculhar alguma literatura jamesiana. O mais curioso foi encontrado nas cartas que, depois dos sessenta, Henry James endereçou a "jovens talentos" masculinos. Também me lembrei dele, uma das prosas mais extraordinárias da literatura norte-americana e mundial, por causa de The Europeans que, a despropósito, liguei à circunstância de a Europa ter mais dez membros desde o dia 1. No espaço e no tempo de uma curta viagem aos EUA, o meu cosmopolitismo satisfez-se com este "alargamento". Para os interesses domésticos, no entanto, este avanço da Europa para o seu centro e para leste, é ameaçadora. Ainda bem que é. Mesmo antes de "cá" estarem, já alguns desses países apresentavam números de nos fazer corar de vergonha. Que importa! Trôpegos e pândegos continuamos, e em breve agarrados à bola, eternamente leves na nossa irresponsabilidade sem tradução possível em nenhuma língua.
3.5.04
UMA CIDADE COM VISTA E SEM ACENTOS
Escrevo na New York Public Library. Para aliviar da miseria caseira, vim ate ao outro lado do Atlantico por uns breves dias, a livros e para visita a amigos. Nova Iorque, com chuva ou com sol, e a cidade da imaturidade esfuziante. Aqui aquela velha e very friendly cancao (we are the world, we are the children), ganha sempre outro esplendor. Vim tambem no trilho do Anel de Wagner, reposto na Metropolitan Opera, sob a batuta do inspirado James Levine. Vistas daqui, as peripecias do nosso Sao Carlos parecem meras aventuras de pigmeus. Por um acaso, topei ontem com a RTP internacional. Dei de caras com o Dr. Barroso, com o Dr. Portas e com o Dr. Louca. Os dois primeiros estavam em estado de grande excitacao e trocavam mimos parlamentares com o terceiro. A excepcao do Dr. Portas, sempre solenemente incomodado, os outros dois pareciam pequenos rivais de grupos da falecida extrema esquerda dos idos de 70. Para comparsa do Sr. Bush, Barroso estava glamorosamente enervado, a lembrar outros tempos. A portuguese beauty...Vou voltar ao bulicio das ruas de Nova Iorque que e o que verdadeiramente me apetece fazer. Nada de museus, nada de Macy's, esses gigantescos armazens que fazem as delicias das "tias" . Ha cidades que apetece percorrer apenas pelo puro prazer de o fazer. Um acidade com vista. De um lado para o outro, sem mais. Perdido no anonimato. That' s all.
Escrevo na New York Public Library. Para aliviar da miseria caseira, vim ate ao outro lado do Atlantico por uns breves dias, a livros e para visita a amigos. Nova Iorque, com chuva ou com sol, e a cidade da imaturidade esfuziante. Aqui aquela velha e very friendly cancao (we are the world, we are the children), ganha sempre outro esplendor. Vim tambem no trilho do Anel de Wagner, reposto na Metropolitan Opera, sob a batuta do inspirado James Levine. Vistas daqui, as peripecias do nosso Sao Carlos parecem meras aventuras de pigmeus. Por um acaso, topei ontem com a RTP internacional. Dei de caras com o Dr. Barroso, com o Dr. Portas e com o Dr. Louca. Os dois primeiros estavam em estado de grande excitacao e trocavam mimos parlamentares com o terceiro. A excepcao do Dr. Portas, sempre solenemente incomodado, os outros dois pareciam pequenos rivais de grupos da falecida extrema esquerda dos idos de 70. Para comparsa do Sr. Bush, Barroso estava glamorosamente enervado, a lembrar outros tempos. A portuguese beauty...Vou voltar ao bulicio das ruas de Nova Iorque que e o que verdadeiramente me apetece fazer. Nada de museus, nada de Macy's, esses gigantescos armazens que fazem as delicias das "tias" . Ha cidades que apetece percorrer apenas pelo puro prazer de o fazer. Um acidade com vista. De um lado para o outro, sem mais. Perdido no anonimato. That' s all.
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