2.11.04

COSTUMES

Uma rapariga de 17 anos, há uns tempos, deu entrada no Hospital Amadora-Sintra e interrompeu uma gravidez indesejada. Um enfermeiro, dentro da melhor tradição portuguesa, denunciou-a. Este pequeno bufo e circunstancial polícia de costumes prestou um relevante serviço ao "sistema" jurídico português, uma vez que a "lei" foi cumprida e hoje, com 23 anos, a rapariga vai a julgamento. Este gesto patriótico não deve deixar ninguém indiferente. Se você pensava que vivia num país moderno, andava muito enganado. Há gente que por mais que se esforce nunca conseguirá sair do mundo de trevas e superstição em que cresceu. Para além de em muitos aspectos nunca termos conseguido passar além da idade média, parece que noutros vegetamos ainda numa verdadeira idade de merda.
Adenda: Vem a propósito republicar um post de Agosto sobre "juristas", até pelo facto de o governo, a Ordem dos Advogados e as corporações dos magistrados andarem numa azáfama precisamente por causa do "sistema" de que, afinal, são fiéis guardiões.
JURISTAS
Num artigo recente, Francisco José Viegas chamava a atenção para o domínio quase exclusivo que o "processo penal" exerce sobre a nossa sociedade. De facto, quando um dia se fizer a história do papel das incontáveis faculdades de direito no "desenvolvimento" do país, há-de chegar-se à conclusão que os "juristas", de uma maneira geral, estiveram quase sempre, e invariavelmente, na vanguarda do nosso atraso. Poucas "esferas" da vida pública escapam ao seu controlo, desde a "cabeça" dos governos à composição dos executivos e respectivos gabinetes, das direcções gerais às suas pequenas hierarquias, dos serviços "de linha" aos partidos, e por aí fora. Obter um curso e, muito especialmente, de direito é, para a mioleira de muita gente, muito mais importante do que, por exemplo, constituir "família" ou ter onde morar estavelmente. Não há funcionário que se preze, não há polícia que se esmere, não há dona-de-casa que não se esprema, todos para "tirar" o sublime curso de direito. Visto pelo lado dos "estabelecimentos de ensino", a "logística" sai barata. Daí a irresponsável reprodução do curso e de licenciados por todo o lado. Bastam umas secretárias, umas cadeiras, eventualmente um quadro e meia dúzia de recém formados, "orientados" por um "professor" (qualquer Moita Flores serve) e monta-se uma "universidade". Se a sociedade portuguesa é o que é, muito o deve aos seus gloriosos licenciados em direito, entre os quais eu me incluo. Senhores de vasta e profunda ignorância, incapazes de enxergar para além do reduzido e mesquinho "mundo da lei", os "juristas" constituem uma raça perigosa, dramaticamente em vias de expansão. A pobreza cívica de que padecemos, o raquitismo da nossa "vida democrática" e a arrogância palonça das "corporações", são realidades que podemos agradecer às faculdades de direito. O mesmo acontece em relação à maior parte da classe jornalística, também ela quase toda um subproduto desta genial "formação". Em vez de preparar homens e cidadãos, o "direito" apenas gera abencerragens vaidosas que ambicionam gerir a vida dos outros à imagem da sua estúpida e inócua gravitas.

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