30.11.04

CUIDADO COM O BEBÉ!

Enganei-me. Sigamos em frente. Santana Lopes é agora um animal (político) ferido o que não suaviza em nada a sua perigosidade. Eu estive na sua campanha para a Câmara de Lisboa e não me esqueço. Parte, porém, diminuído por causa do seu desgraçado governo e, pela primeira vez, por culpa dele próprio. Não deve deixar a tarefa para outro, nem há tempo para outro. O país deve dar lugar a uma nova maioria absoluta que, em outras circunstâncias, desejaria que fosse do PSD sozinho. Contudo, será concerteza o PPD/PSD de Santana que se vai apresentar, com ou sem o horrível PP. Eu creio que será sem. Mesmo assim, não penso que chegue, nem merece que chegue. Saiba, pois, o PS de Sócrates expurgar o seu pior e, com o bom senso que anda a faltar à vida pública nacional, preparar essa tal nova maioria. Até lá convém ter cuidado com o bebé agora magoado e finalmente "vítima".

OS BEBÉS

Aproveitando a "imagem" do "bebé", um amigo enviou-me uma "sms" significativa: "os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente pelas mesmas razões".

ESTADISTAS

Há cerca de uma semana, depois do veto à "central", eu dizia: "Desiludam-se, no entanto, os que pensam que Sampaio vai "reagir" ao ensimesmamento de Santana Lopes. É apenas mais e menos disto que se deve exclusivamente esperar dele: hoje uma no cravo, amanhã outra na ferradura". Estas 48 horas puramente burocráticas que Sampaio dispensou a Santana para este "recompôr" a obra de arte que é o seu governo, vêm confirmar isto. O governo não só é de iniciativa presidencial como as crises e a instabilidade que dele decorrem também são. Tal como Santana, o presidente treme de pavor perante a hipótese de, até ao verão, ter que fazer mais qualquer coisa do que assinar em baixo praticamente tudo o que o primeiro lhe pede para assinar. Não tenham, pois, quaisquer dúvidas. É a estes dois grandes "estadistas" que continuaremos entregues nos próximos tempos. Consolem-se.

29.11.04

QUESTÕES DE CONFIANÇA

Outro dia, em Barcelos, Santana Lopes pediu que V. confiasse nele mais dez anos. Modestamente eu perguntei se V. conseguia confiar nele um dia que fosse. O primeiro a responder foi - imagine-se - o "amigo" Chaves. Parece que José Luís Arnaut, outra luminária de serviço, também não tem muitas razões para "confiar". A sério, sr. ministro, seja qual for a pasta que V. Exa. ocupa, ainda confia no seu primeiro-ministro?

28.11.04

A TEORIA DO CAOS

1. Um estudo qualquer mostra que há demasiada gente a morrer por causa de infecções "apanhadas" nos hospitais. Quando não morrem lá dentro, as pessoas acabam por vir morrer a casa, mais tarde, na sequência das ditas infecções. Parece que um dos factores de desenvolvimento das fatais bactérias decorre da inexistência, em número suficiente, de lavatórios dentro dos hospitais! Isso mesmo, lavatórios, um objecto concebido para, em primeira linha, lavar as mãozinhas. Estamos em 2004, praticamente no fim do ano, como, pelos vistos, podíamos estar no princípio do outro século.
2. Estes "índices" verdadeiramente africanos deviam preocupar-nos mais do que, por exemplo, a regionalização. Digo isto porque vi ontem na televisão o inefável dr. Sampaio voltar, redondo, ao tema, diante de uma plateia de nababos autarcas do Norte. Já sabíamos que entre as prioridades presidenciais e o país raramente existe qualquer coincidência. Na realidade, eu estou farto do dr. Sampaio. O seu "modelo", se é que alguma vez lá reinou algum, está, no mínimo, desacreditado. Fica bem a encimar o "retrato" dos "políticos incompetentes" feito por Aníbal Cavaco Silva.
3. O que se está a passar no governo e nos partidos da "coligação" decorre exclusivamente da circunstância de Sampaio ter posto o "bebé na incubadora", na expressiva linguagem do primeiro-ministro. Nunca nos podemos esquecer que antes da dupla Santana/Portas, temos a dupla "institucional" Sampaio/Santana, os dois verdadeiros "pés-direitos" deste caos. Acossado pelas palavras de Cavaco, Santana acusa os "seus" de não o apoiarem e de não darem tempo ao "bebé", gerado em Belém, de "crescer". Até um tontinho como Henrique Chaves, um íntimo, veio falar em "falta de lealdade", de "cordenação" e de "estabilidade" apenas quatro dias depois de ter sido "aliviado" de pelouros e de ter sido empossado ministro.
4. O castelo de papel armado por Santana, com a complacência total de Jorge Sampaio, um presidente claramente perdido pelo caminho, começa a desmoronar-se mais depressa do que se previa. O caos alastra como as infecções hospitalares pela falta de lavatórios. Como não me tenho cansado de repetir, precisamos de outra coisa. De uma nova maioria, de um outro chefe de governo e de um chefe do Estado bem diferente deste. Os que estão, já não gerem o caos. Eles são tragicamente o próprio caos.

27.11.04

FERNANDO VALLE



Há uns meses, aquando do lançamento da sua biografia, escrevi que "Fernando Valle, na juventude dos seus 104 anos, faz com que estas criaturas que actualmente ocupam o vaudeville da política pátria, surjam resplandecentes na sua imensa pequenez vaidosa e oca". Com a mesma serenidade com que viveu mais de um século, Fernando Valle, o mais antigo maçon, passou agora ao Oriente Eterno. Permanece, nestes dias difíceis, como um exemplo, um homem de liberdade e um amigo leal, fraterno e solidário.

26.11.04

WE NEED YOU...




25.11.04

OS "POPULARES"

Eu confesso que o meu espírito democrático vacila perigosamente quando assisto à reacção dos "populares". Faz parte do circo a exploração mediática da ignorância da populaça, traduzida em dichotes, apupos e insultos devidamente filmados e reproduzidos até à náusea pelas televisões. A este formato mais primitivo juntam-se os "debates" com a participação dos "ouvintes" ou dos "telespectadores" nos quais a mesma indigência verbal e civilizacional se manifesta, embora com outra tranquilidade. Aos "populares" não lhes interessa nem a verdade nem a justiça, conceitos que manifestamente não cabem no seu curto mundo. O espectáculo mediático limita-se a açular os instintos mais primários, onde os bem elaborados conceitos do direito não têm qualquer cabimento. Vítimas e carrascos são uma certeza prévia. O julgamento está feito e no que se vai fazer não se acredita. Anos e anos de "progresso" afinal "deram" nisto ?

TRISTES TRÓPICOS II

Miguel Graça Moura, que esteve à frente da Orquestra Metropolitana de Lisboa, foi detido e ouvido em tribunal. As suspeitas que recaem sobre ele têm a ver com eventuais situações de abuso de poder e de peculato enquanto primeiro responsável pela gestão do organismo. Como é óbvio, deve ser considerado inocente até prova em contrário. Graça Moura, agora em aparente desgraça, foi devidamente apascentado pela Câmara Municipal de Lisboa e por outros poderes públicos, centrais e "presidenciais", até Pedro Santana Lopes ter sido eleito presidente da dita Câmara. Lopes acabou por trazer à tona os subterrâneos da OML e a polémica terminou com a atabalhoada saída do maestro. Louvo Santana Lopes por não ter temido o suposto "poder transversal" de Graça Moura, até ali suportado nos sítios do costume. Este episódio criou um importante precedente para o sector da "cultura" onde pouca gente se preocupa em questionar os critérios de gestão dos organismos, em nome do "brilho e glória" dos "eventos" e dos próprios "gestores". A responsabilização política e jurídica dos "gestores culturais" tinha de começar por algum lado. A atitude "política" de Santana Lopes bem como a investigação que decorreu subsequentemente, em sede adequada, constituem sinais positivos, raros num pântano, o da "cultura", onde delicadamente quase todos se deixam afundar.

TRISTES TRÓPICOS

O circo montado à porta do tribunal criminal de Lisboa, por causa de um julgamento, vem apenas acentuar o registo "tropical" em que vivemos. Quais marabuntas, os "jornalistas" tomaram conta da rua e das próprias autoridades policiais. O "processo Casa Pia" regressa agora em todo o seu já costumeiro esplendor de puro reality show destinado a alimentar a concorrência televisiva. A "justiça" conta manifestamente pouco nesta engrenagem tipicamente sul-americana. O que é as vítimas e os arguidos podem verdadeiramente esperar de um "sistema" que inclui, deliberadamente ou não, o espectáculo?

24.11.04

OS LÁBIOS DE BIBÁ PITA

Adormeci com Santana Lopes na RTP 1. Prometeu-me outra vez ficar até 2014, esforçar-se por Cavaco e reformar o país. Esclareceu-me que é sozinho que quer ir às legislativas, que espera muito de "combatentes" como Meneses, que não lhe agrada Carmona Rodrigues nas eleições em Lisboa e "crítico" foi ele no passado. "Arrumou" Manuela Ferreira Leite e deixou umas "laterais" contra Marques Mendes. Viu-se que tinha decorado umas percentagens que atirou para cima da mesa, a par com umas vacuidades sobre a "acção governativa", coisa que manifestamente não o entusiasma. Só na pequena peripécia virada para a "acção comunicacional" é que cresceu. A volúpia egocêntrica, a permanente desculpabilização e a certeza de ser um exemplar servidor público convencem-no cada vez mais de si próprio, agora no registo declarado do "optimista realista". Numa coisa tem razão e tem graça. O seu estilo errático e feliz não facilita a tarefa de quem se lhe opôe. Cairá por si ou não cairá. Rendido aos lábios novos de Bibá Pita e às extravagâncias patéticas das "Celebridades", o país aborrece na indiferença. É sobre isto que Santana Lopes reina. Foi dali que ele veio e é para ali que, um dia, regressará.

23.11.04

SEM EMENDA

Depois de um belo serão wagneriano proporcionado pela Orquestra da Ópera de Berlim, no Coliseu, o telemóvel traz-me a notícia de mais uma alteração na direcção do nosso único teatro de ópera, o São Carlos. Como de costume, Paolo Pinamonti o director, diria que praticamente eterno, fica inamovível. A senhora que entrou comigo em 2002, certamente num acesso final de inesperado bom senso, demitiu-se. O ministério da Cultura, seguindo os bons exemplos do "chefe", recorreu ao que havia para preencher os lugares. Tirou do D. Maria e pôs na Companhia Nacional de Ballet, tirou desta e pôs no São Carlos e foi ao coro do próprio São Carlos buscar um coralista-jurista de larga polivalência para o colocar na direcção ao lado do inefável Pinamonti. Por causa da sua boa experiência na CNB, pode ser que Carlos Vargas, o homem agora com o "pelouro" financeiro do São Carlos, possa colocar alguns travões a muitas coisas e se olhe finalmente para a "fatia" maior dos dinheiros do Teatro (a do "funcionamento") para a gerir melhor e diferentemente. E passando, sempre que for preciso, por cima de Pinamonti sem que corra o risco de lhe tirarem, como tem sido costume, o tapete. Já nas Farpas, em 1872, Eça e Ramalho alertavam o governo para a circunstãncia de, "no seu saco", não reunir "uma única razão para subsidiar S. Carlos: nem é um elemento de civilização, nem um centro da arte nacional, nem uma escola de artistas, nem um aproveitamento geral do país!" Em suma, como diria Iago, no Otello, "ele é o que é". Provavelmente sem emenda.

22.11.04

O CRAVO E A FERRADURA

Há motivos de particular satisfação pelo veto do dr. Sampaio à "central" do dr. Sarmento? Salvo o devido respeito, não há. Vejamos a coisa por partes. Num governo que vive exclusivamente para a "imagem" e para o "controlo" da "mensagem", não é a ausência de uma "central de comunicação" que o vai impedir de continuar o "assalto" aos "mensageiros" e a difundir o que lhe interessa. Há muitas e bem mais sofisticadas maneiras de o fazer, sem ser preciso institucionalizar o exercício. A branda reacção de Sarmento e de Santana são esclarecedoras. Depois vem a candura de alguns. Ricardo Costa da SIC, por exemplo, acha que esta coisa da "central" não tem importância nenhuma e que não há governo que se preze que não disponha de uma. Para acalmar, dá-se imediatamente o exemplo do governo regional dos Açores. Para validar este raciocínio, era necessário partir do pressuposto que Costa estava a considerar "um" governo o que, vindo de um comentador experimentado como ele e que diz conhecer Lopes, seria grave. Ora com o "quinteto" de que falei ontem, todo o cuidado é pouco quando se trata de dar um nome à coisa. Finalmente vejam-se as razões do dr. Sampaio. Sumariamente ele acha que o Estado, leia-se, o governo, já "comunica" demais. Sampaio desconfia da "pedagogia" anunciada, ou seja, não acredita nem na bondade do "mensageiro" nem na credibilidade da "mensagem". Fica registado. Desiludam-se, no entanto, os que pensam que Sampaio vai "reagir" ao ensimesmamento de Santana Lopes. É apenas mais e menos disto que se deve exclusivamente esperar dele: hoje uma no cravo, amanhã outra na ferradura.

21.11.04

A "AVALIAÇÃO"

O "quinteto" constituído pelos drs. Santana Lopes, Paulo Portas, Morais Sarmento, José Luis Arnaut e Rui Gomes da Silva instituiu a regra da "avaliação" para correr com os "inconvenientes". Depois de Marcelo, Rodrigues dos Santos e Fernando Lima na comunicação social, encontram-se em "lista de espera" os drs. Vitor Constâncio, do Banco de Portugal, e Miguel Cadilhe, da Agência de Investimentos, ambos notoriamente maus cidadãos. No filme com Tom Hanks, o "quinteto da morte" acabava mal. Quando passar de "avaliador" a "avaliado", este nosso "quinteto" não vai acabar melhor.

UNS E OUTROS

Santana Lopes fez uma pequena remodelação. Não passou do nível de irrelevantes secretários de Estado. Houve duas deslocações e duas entradas. Duas senhoras, uma das quais com um vago currículo académico - aliás, nas faculdades de direito não há praticamente ninguém que não tenha um currículo à altura -, trocaram de pasta. Já as entradas são mais interessantes. Jorge Neto e Marco António, a estrela brilhante do PPD/PSD/Norte, são dois fiéis do inner circle de Santana Lopes. Este último, aliás, tem-se distinguido pela perícia canina com que acompanha e denuncia todo e qualquer "movimento" suspeito contra o "querido líder", ocorra ele onde ocorrer. Aplica-se com método e zelo a velar pela tranquilidade do "santanismo", emitindo, do alto da sua domesticada distrital do Porto, comunicados grotescos que asseguram em permanência a "pureza" do "tempo novo". Uma semana após o desastre de Barcelos, as palavras "verdade" e "geração Portugal" começam a ganhar os rostos a que têm direito. Não quero com isto dizer que Marco António "fique" mal no governo. Fica até muito bem. Ele, o outro e as outras. Lopes, de facto, não tem muito onde ir buscar. Apesar do enxame de oportunistas que gravita na órbita do partido e das sinecuras habituais, um módico de lucidez não recomenda grandes aproximações a esta gente. Pedro Santana Lopes e Paulo Portas têm os colaboradores que merecem. Estão, como de costume, muito bem uns para os outros.

A PERGUNTA II

Na página "Independências" do jornal O Independente do passado dia 5 de Novembro, publiquei um texto sobre a "Constituição Europeia", na sequência da cimeira de Roma que ratificou o "tratado". Agora que o parlamento português, pela mão da aliança trilateral PSD/PS/PP, aprovou o texto da "pergunta" a submeter a referendo, parece-me oportuno "arquivar" aquele texto, aqui e agora, para começar a juntar argumentário a favor do "não".
NÃO, OBRIGADO
Circunspectos e desconfiados, os chefes de estado e de governo da União Europeia foram a Roma subscrever a “Constituição europeia”. Apesar das poses de circunstância e da gravitas exigida pelo momento, ninguém ignora que este transe não é seguramente dos melhores. Mesmo assim, não há plumitivo que não manifeste a sua “fé” neste extraordinário texto jurídico-político supostamente destinado a elevar a nossa condição de “cidadãos europeus” e a glorificar a burocracia de Bruxelas. Entre nós, nem mesmo o dr. Sampaio resistiu a exibir uma prosa melancólica nos jornais em defesa da “Constituição”, enquanto Santana Lopes, pouco à-vontade, se estreava nestas lides e José Sócrates apelava vigorosamente ao voto positivo em futuro referendo. Tudo isto se passou no rescaldo da infeliz prestação de Durão Barroso por causa da sua Comissão. Ao ceder ao “politicamente correcto” perante um PE tão reforçado pelas disposições do novo tratado como diminuído no perfeito equívoco da sua representatividade política, Barroso ficou prisioneiro de um sistema que, contrariamente ao que se supõe, não augura nada de bom para o futuro próximo da Europa. Na realidade, a “Constituição europeia”, um produto exclusivamente gerado entre os salões das cimeiras e os corredores anódinos do funcionalismo europeu, pouco ou nada diz ao “cidadão europeu” que tanto é citado. Aliás, a construção de uma “Europa virtual”, feita no sossego dos gabinetes e entre duas ou três chamadas de telemóvel, deverá custar caro aos seus virtuosos promotores, já que a “cidadania europeia” permanece na mais profunda ignorância em relação ao que efectivamente se passa. Também é verdade que as actuais lideranças políticas da Europa não ajudam ao exercício. A elas cabe a difícil tarefa de tentar convencer os respectivos cidadãos nacionais da bondade do tratado que subscreveram. Porém, que tipo de confiança pode gerar nas opiniões públicas nacionais e europeia a generalidade das criaturas que compareceram em Roma na semana passada? Suponho que muito pouca. A política doméstica já prepara um “consenso” albanês para o “sim” no referendo anunciado para a Primavera de 2005, sob o alto patrocínio do Senhor Presidente da República. Os poucos que ousarem opor-se a este artificialismo doentio, em nome de uma ideia diferente e verdadeiramente cosmopolita da Europa, deverão ser sumariamente considerados como anti-patriotas mal formados ou marginais enfurecidos. Eu, pelo menos, não me importo.

20.11.04

LER OS OUTROS

Vasco Pulido Valente no Público: "Como sair "disto".


Anteontem, e não inteiramente de surpresa, o dr. Mário Soares resolveu fazer uma descrição apocalíptica do país. Disse que a democracia estava "em crise" e o regime "em degenerescência". Disse que a "corrupção" era agora pior do que durante a ditadura e que a polícia se guiava por "critérios" duvidosos. Disse que havia um risco próximo de uma "revolta incontrolável" e que só a UE impedia uma "aventura militar". E disse que tínhamos chegado à "situação mais deprimente e mais crispada" desde o "25 de Abril". Com outra brandura, Cavaco Silva declarou em Madrid que achava a política actual muito, muito pouco "atraente" e "estimulante" e até Guterres, com estranha desvergonha, a comparou a um "reality show". Por toda a parte toda a gente quer resposta a uma pergunta simples: "Como é possível que Santana e Portas governem Portugal?" E quer saber como saímos "disto". Bom ponto, esse: como saímos "disto"? Não com certeza através de Sampaio, um dos primeiros responsáveis por "isto" e hoje sem sombra de autoridade ou de prestígio. Implicitamente, Soares pede eleições e, claro, a dissolução que as deve preceder. Erro dele. Já não contando com a reviravolta de Sampaio, fatalmente favorável ao governo, seria dar a Santana o papel de vítima, em que ele exulta, e a oportunidade a Portas para levantar o fantasma da esquerda tirânica e perversa. A coligação precisa de ferver até ao fim no molho da sua própria miséria. Não vale a pena que ela acabe, se não for arrasada e, com ela, o impensável bando que a imaginou e a seguiu. Ou se limpa a casa, ou não se limpa. Ora limpar a casa exige método. Começar pelas câmaras. Pôr a seguir o prof. Cavaco em Belém (e nunca o desastroso Guterres), para devolver alguma dignidade à Presidência e para que exista uma voz superior e respeitada, e que o PSD ouça, contra a intriga e demagogia. E, no fim votar para uma maioria PS, que não é com certeza a salvação, mas que talvez traga um módico de normalidade e decência. Santana e Portas gostariam imenso de ser o centro de um melodrama nacional. Sempre viveram no melodrama e do melodrama. Mas para sairmos "disto" convém evitar qualquer espécie de messianismo à portuguesa. Basta uma oposição persistente e sólida, conduzida com inteligência e um firme desprezo. Eles tratam do resto

19.11.04

O ESTADO DA NAÇÃO




Sirvo-me do site do Público para reproduzir o fundamental da palestra de Mário Soares no Porto. Descontando a circunstância de estarmos perante um cidadão livre e agora liberto da canga das "responsabilidades institucionais", eu penso que se tratou verdadeiramente de um discurso sobre o "estado da Nação", dos tais que Sampaio, coitado, nunca proferirá.

Mário Soares afirmou ontem à noite, no Porto, que só a restituição da voz aos cidadãos pode evitar "revoltas descontroladas" e que só ainda não houve "aventuras militares" devido à integração de Portugal na União Europeia."É preciso restituir a voz aos cidadãos, se quisermos evitar revoltas descontroladas ou rupturas que podem levar a aventuras, como aconteceu no fim da I República, dando lugar a uma ditadura obscurantista", afirmou o ex-Presidente da República."A integração na União Europeia defende-nos de aventuras militares, mas só uma consciência cívica nacional evitará outros perigos. Há uma opacidade na sociedade portuguesa que tem de ser varrida. Precisamos de mais honradez republicana", acrescentou.Soares, que falava na última conferência de um ciclo sobre o 25 de Abril promovido pela Câmara do Porto, considera que estes perigos são provocados pela "situação mais deprimente e crispada que Portugal vive desde o 25 de Abril"."Não iremos cumprir as metas do défice. Não há qualquer sintoma de retoma. O desemprego sobe. O ambiente social é de grande crispação. É visível a crise de confiança no Governo, oposição, partidos, instituições, justiça, políticos, educação, cultura ciência, saúde, segurança social, trabalho, medicina... é preciso sacudir a depressão", disse.Para Mário Soares, "num mundo tão inseguro e desregulado como o actual, onde a pobreza aumenta todos os dias, Portugal encontra-se numa situação bem difícil, sem estratégia para o futuro, desorientado, perdido no seu labirinto político".Defendendo que Portugal se encontra "desnorteado" em termos de política externa, Mário Soares criticou o facto de o primeiro-ministro, Santana Lopes, ter considerado no último congresso do PSD que o país passou para um "fim de austeridade e para um excelente astral".Mário Soares mostrou-se substancialmente menos optimista do que o primeiro-ministro, alertando, nomeadamente, para o "polvo da corrupção que alastra os seus tentáculos no Estado, na sociedade, nos partidos e nas autarquias" a níveis que nem na ditadura existiram.O ex-Presidente da República apelou a uma "censura moral dos portugueses", sublinhando que "deixar correr o indiferentismo perante os abusos, as injustiças e as corrupções é o pior que pode suceder".Poucos sectores da vida nacional escaparam ao "exame negativo" de Mário Soares, para quem "começou a criar-se uma osmose na sociedade portuguesa entre negócios fáceis e tráfico de influências que é muito preocupante".Soares mostrou-se preocupado com o "ambiente de irresponsabilidade em que se passam as coisas mais extraordinárias" e lembrou que "as televisões dão a conhecer escândalos impensáveis e depois não acontece nada"."É uma espécie de telenovelas de desgraças. E a justiça mostra-se incapaz de agir. As polícias sabem muita coisa mas só actuam por critérios pouco claros", sublinhou Mário Soares."O processo da Casa Pia é numa vergonha nacional. Tornou-se numa máquina de fazer dinheiro para os media. A continuar assim a vida nacional, vamos assistir a revoltas e a um mal-estar incontrolável na sociedade", alertou."Será necessária muita coragem e algum tempo para pôr cobro à situação", considerou o antigo Presidente, sublinhando que "mesmo no tempo da ditadura havia alguns casos conhecidos, mas não havia uma corrupção sistemática".Apesar do cenário pessimista e de considerar que o futuro poderá ser ainda pior, o ex-chefe de Estado defendeu repetidamente que há uma solução, que passa pela mobilização dos cidadãos de modo a fazerem ouvir a sua voz.Isto apesar de a classe política, na sua opinião, ser constituída por pessoas de cada vez menor valor."Acho que o sistema está a seleccionar, para baixo e para o mal, os políticos. Já me questionei porque houve, após o 25 de Abril, tantos políticos de excepção, moralmente inatacáveis, e agora só vemos figuras menores. Mas não tenho resposta. Talvez seja como nos vinhos, onde há anos melhores e anos piores", disse.

A PERGUNTA

Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa? É a esta maravilhosa pergunta que o "arco" parlamentar quer que V. responda lá para a Primavera, em referendo. Não importa que V. não faça a mínima ideia do que sejam aquelas coisas todas, juntas ou separadas, a saber: "a carta de direitos fundamentais", "a regra das votações por maioria qualificada", "o quadro institucional da União Europeia" e a "constituição". Julga V. que o Dr. Sampaio, o Eng.º Sócrates, o Dr. Santana e o Dr. Portas vão fazer o favor de o elucidar sobre tamanhas transcendências? Nem pense. Eles só esperam de si um "sim" silencioso e ignorante. É mais um consenso mole, moldado ao arrepio da cidadania, para uma questão "dura". Este "pronto-a-vestir", preparado nos gabinetes de Bruxelas e de Estrasburgo, ao telemóvel e longe da "realidade", não faz de si um melhor cidadão europeu ou um português mais cosmopolita. E esta pergunta idiota, muito menos.

18.11.04

O GROTESCO SÉRIO

A Alta Autoridade para a Comunicação Social concluiu, depois de ouvir uma multidão de interessados e de ruminar profundamente, que tinha havido uma "pressão ilegítima" de Gomes da Silva que conduziu à peripécia Marcelo. Desde o dia 6 de Outubro que estávamos fartinhos de saber isto. Também Morais Sarmento e a PT saíram chamuscados deste relatório que se limita a confirmar a "sul-americanização" dos costumes em curso no sector da comunicação social. Não é só neste sector nem sequer começou ontem. Porém, este é, por natureza, o mais evidente. Eu nunca senti nenhuma espécie de respeito ou veneração formal pela AACS. Nunca a ouvi balir com tanto espalhafato quando o PS fazia alegremente o mesmo ou pior. Nesta matéria, os "agentes políticos" equivalem-se genericamente, seja qual for a sua proveniência. Guilherme Silva, o inevitável dirigente da bancada laranja, num momento mais "madeirense", desvalorizou agora, por completo, a posição final da AACS quando, há menos de um mês, sustentava que só se deveria ponderar a realização de um inquérito parlamentar ao caso quando a dita AA acabasse o seu trabalho, por uma questão de "respeito" por ela. Extraordinário, não é? O PP ao menos foi coerente e manteve a divertida tese da "relação laboral". A oposição, completamente em vão, vocifera. O Dr. Jorge Sampaio, um paladino da "liberdade de expressão", deve estar a ver passar os comboios embrulhado numa conveniente mantinha para não se constipar ainda mais. Afinal, ele não recebeu já Marcelo? A AACS continua a sua lenta agonia, a oposição persiste na "indignação", Sampaio não existe e o governo segue indiferente para "bingo". Parece grotesco, mas infelizmente é a sério.

ATÉ QUANDO?

Uma rápida olhadela à secção "cultural" das edições de hoje de alguns jornais, é bem elucidativa da profunda ignorância em que normalmente vegeta o "jornalismo cultural". O director artístico do Teatro Nacional de São Carlos apresentou a "sua" temporada, ladeado por Teresa Caeiro, em representação do governo. Maria João Bustorff faz bem em não se misturar com equívocos. As crónicas anunciam uma "temporada" operática e sinfónica como nada se passasse, ou seja, sem uma interrogação sobre o que é que tem sido, e ameaça continuar a ser, a "gestão Pinamonti". Aos jornalistas basta-lhes que lhes acenem com uns nomes e uns títulos para começarem instantaneamente a babar-se. Ficamos sempre um bocadinho "mais europeus" e "mais civilizados" por termos sido tocados pela graça de um Pinamonti. O orçamento ainda não foi aprovado? A secretária de Estado não sabe que formato jurídico-financeiro o Teatro vai assumir? As obras da "cafetaria" não estão concluídas? O que é que isto tudo interessa desde que Pinamonti possa apresentar-se como o "herói" incompreendido pelo Estado e a quem o São Carlos tudo deve desde 2001? Conviria explicar a estes epígonos que a história do Teatro, a verdadeira, sobreleva em absoluto este recente deslumbramento tipicamente provinciano. Por que será que nunca nenhum destes esclarecidos "jornalistas" se lembrou de perguntar a Pinamonti como é que ele gere a maior "fatia" do dinheiro que o Estado dá ao Teatro todos os anos para o respectivo "funcionamento"? Só se preocupam com os 3 milhões de euros para as "produções artísticas" que permitem escrever umas colunas sofríveis de vez em quando e acrescentar quatro linhas ao currículo do director? E os restantes 10 milhões, como é que funcionam, em quê, para quê e para quem? O governo e Pinamonti continuam a varrer o essencial para debaixo do tapete para que a ilusão continue. Até quando?

17.11.04

A MULETA NEGRA

Apesar do sorridente almoço que uniu Santana Lopes e Paulo Portas, a coligação está no caminho do seu irreversível declínio. A prova disso veio numas extraordinárias declarações de Narana Coissoró a um jornal e a uma rádio. Sem querer, o ilustre deputado revelou a verdadeira natureza do actual CDS. Acossado pelo ambiente anti-PP vivido em Barcelos e em nenhum momento desmentido claramente por Lopes, Narana lembrou aos seus "amigos" que o seu partido tinha, no passado, feito "acordos" com o PS de Guterres e que, se fosse preciso, os tornaria a fazer com o PS de Sócrates. O pequeno braço direito, afinal, só deseja uma coisa: manter o precário poder que lhe foi emprestado, seja lá quem for que lho empreste. Não creio que apesar da admiração sentida por Guterres, Sócrates esteja ao mesmo nível de pusilanimidade política do seu mentor. Não deu manifestamente bom resultado. E estão à vista, para o PSD, os gloriosos resultados do recurso ao apoio da "muleta" PP. Se isto não é uma muleta negra, então não sei o que seja.

16.11.04

O REGRESSO DA BOAZINHA

1. Eu tinha planeado escrever qualquer coisa sobre a reaparição de Guterres a semana passada. Pioneiro na "arte da fuga", Guterres passou os últimos três anos a consolidar a sua vertente internacionalista e cosmopolita. Das explicações de matemática aos meninos de um bairro pobre, ao mestrado simbólico no IST, tudo serviu a Guterres para demonstrar o seu íntimo nojo pela coisa público-partidária. O conspirador de sotão dava aparentemente lugar ao homem das grandes causas. Seria? A verdadeira profissão de Guterres nunca foi outra senão a política, mesmo quando intervalava. E agora deve querer pôr fim a este último intervalo, saltando às cavalitas de José Sócrates, putativo primeiro-ministro e líder de uma nova maioria, para Belém. A perspectiva de um sampaísmo sofisticado francamente assusta-me. Neste caso continuo a achar que é melhor que os ovos não caibam todos na mesma cesta.
2. Repito. Eu tinha pensado em Guterres. Porém, o António Barreto, numa notável prosa de domingo no Público, pondera o essencial. Ele certamente não se importa que eu a coloque aqui como forma de homenagear o "regresso da boazinha".
Guterres. Outra Vez?
Por ANTÓNIO BARRETO

O Congresso da Democracia, organizado em Lisboa pela Associação 25 de Abril, serviu de palco adequado para o regresso de António Guterres à política nacional. Atentamente observado por um sorridente José Sócrates, colocou-se aquele acima das querelas do dia e tentou a pose de Estado e de reserva. Usou da contenção necessária para evitar qualquer precipitação, mas deixou os recados suficientes. Mencionou a urgência da criação de um "projecto nacional" e garantiu que sabia existir uma "alternativa mobilizadora para reconciliar os cidadãos com a vida política democrática". Ele sabia que toda a gente só pensava numa coisa: o seu regresso significava que estava dado o primeiro passo para uma eventual candidatura à presidência da República. Ninguém ficou a saber qual era a sua decisão, mas esse era exactamente o objectivo do exercício. Daqui para a frente, vão suceder-se os silêncios entremeados de frases e aparições, ao mesmo tempo que grupos de "notáveis" começam a organizar-se espontaneamente e a elaborar cartas e abaixo-assinados. Surgirão, aqui e ali, pequenas e médias vagas, à espera da outra, a de fundo. Especialistas de comércio e publicidade preparam o seu calendário e as agendas deles. Do Brasil, de Espanha e alhures virão técnicos de campanhas eleitorais. Toda a gente, a começar pelo próprio, observa as sondagens, analisa as probabilidades, estuda os rivais potenciais e persegue Cavaco Silva, não se esquecendo de olhar de lado, por cima do ombro, para Soares, Ferro e Alegre. Criar-se-ão oportunidades para Guterres se mostrar ubiquamente com crianças e idosos, católicos e laicos, a boa gente do interior e os empreendedores de sucesso. Não faltarão as referências internacionais a Zapatero, Lula e Arafat. Mostrar-se-á à vontade com computadores e laboratórios sofisticados, tanto quanto com vinho do produtor e barrigas de freira. Despreocupado, será visto com cineastas e actores. Interessado, passará por acaso em livrarias. Comovido, não faltará a eventos de solidariedade social. Os excluídos terão posição alta nas suas prioridades. Talvez já haja mesmo quem prepare uma biografia, de preferência sob a forma de entrevista, mais fácil e menos comprometedora. Nunca as televisões deixarão de ser informadas dos seus passos. Muito tempo passará antes que se saiba se é ou não candidato e tudo leva a crer que nem o próprio, apesar de o desejar, saiba já qual é o sentido da sua escolha. Mas o circo está montado.
Não deixa de ser curioso que na sua contribuição para o dito congresso, tenha escolhido o tema da imagem, da política espectáculo e das televisões. Denunciou a transformação da política em "reality show", ele que é sem dúvida um dos grandes oficiais da arte. Vituperou contra a crescente "promiscuidade entre a política e os media", ele que é responsável pela estatização de um dos maiores grupos de imprensa, comunicações e "media", dado que foi com o seu governo que a PT comprou a Lusomundo, alargando e consolidando a presença do Estado no sector. Alertou para as relações cúmplices entre os políticos, os magistrados e os "media", ele que tão bem soube juntar esses ingredientes e acrescentar-lhes os interesses dos grupos económicos. É verdade que não foi o único. Os publicitários de Freitas do Amaral (nas presidenciais de 1986), de Cavaco Silva (que pouco parecia precisar deles, mas que os usava), de Durão Barroso (insignificantes) e de Santana Lopes (pletóricos) deram também o seu contributo. Tanto para a propaganda e a encenação, como para a famosa promiscuidade. E os socialistas, por sua vez, não renunciaram a tais práticas. Soares, por exemplo, tratava minuciosamente das suas influências na imprensa. Umas vezes com doçura, outras à bruta. Mas era um artesão. Acreditava nos seus talentos e no seu encanto. Ora, com Guterres, no partido ou no governo, o estilo foi completamente diferente. É ele o responsável pela profissionalização da imagem, pela organização meticulosa da sua aparição na televisão, pela sistematização dos seus contactos com os jornalistas e pela generalização de organismos de propaganda disfarçados de gabinetes de imprensa e de relações públicas. Foi ele que, mais do que ninguém no Partido Socialista e na esquerda, recorreu a serviços de empresas privadas especializadas na venda de imagem e na construção de personalidades. Verdadeiro profissional, deve-se-lhe um dos maiores contributos para aquilo que agora, com beata inocência, denuncia. Embora inesquecíveis (se é que em política há alguma coisa inesquecível...), estes factos e estas circunstâncias são menores. Não é por essa via que deve ser feita a principal avaliação do antigo Primeiro Ministro e eventual futuro candidato. Nem sequer talvez pela sua folha de serviços no governo, onde abriu as portas ao recrutamento de massas de funcionários (o que, aliás, não é um mau trunfo eleitoral), gastou o que tinha e não tinha, negociou tudo com toda a gente, cedeu quanto pôde e não pôde, adiou reformas, deixou agravar a crise financeira e alimentou a demagogia. Dado que a Presidência da Republica, em Portugal, é o que é, não serão esses os principais argumentos. O cargo não exige experiência política de governo. Há, todavia, um facto que merece toda a atenção. Numa noite de há quase três anos, assistimos a um gesto inédito na Europa e talvez no mundo. Em directo, diante das televisões, o Primeiro Ministro Guterres fazia a sua declaração política relativa às eleições autárquicas que acabavam de se realizar e nas quais o Partido Socialista tinha registado algumas derrotas significativas. Para estupefacção de toda a gente, a começar pela dos socialistas, anunciou a sua demissão. Apenas tinha cumprido metade da legislatura que, aliás, se anunciava difícil. Nunca explicou de modo satisfatório a sua decisão. Deixou o partido e o governo em estado catatónico. Entregou à direita e aos seus adversários o governo e as eleições legislativas que se seguiram. Abandonou funções num momento em que começava um período de dificuldades para os portugueses. Não teve força para resistir, nem carácter para lutar. Numa palavra: fugiu. Esse, o facto relevante do seu currículo. Essa, a medida da sua candidatura

15.11.04

UM REQUIEM

O congresso de Pedro Santana Lopes parecia uma reunião de partido totalitário. O registo apolítico, emotivo, pessoalizado e tantas vezes irracional em que decorreu, insinuando-se a cada instante o exorcismo fanático daqueles que ainda pensam e, sobretudo, pensam de outra forma, é um insulto à memória de Sá Carneiro e ao legado de Cavaco Silva. Tratou-se, na verdade, de um requiem insolente, ora a cores, ora a preto-e-branco, por um partido social-democrata.

14.11.04

CONFIA, A SÉRIO?

Há sensivelmente seis meses, em um outro Barcelos, Durão Barroso - lembram-se? - pedia aos congressistas do PSD que "confiassem nele". Confiem em mim, confiem em mim, repetiu o então líder diante das hostes. Nesse mesmo conclave, Morais Sarmento desvalorizou a hipótese do partido ir coligado com o PP nas eleições legislativas de 2006. Ontem confessou-se "espantado" com Marques Mendes por ele ter dito o que os militantes do partido pensam sobre a matéria e quase lhe batia. Mas voltemos ao "confiem em mim". Na madrugada de sábado para domingo, Santana Lopes, que levou umas horas a digerir Marques Mendes, decidiu falar. Despiu o fato de primeiro-ministro que Sampaio talhou especialmente para ele e no qual não se sente à vontade, e apresentou-se aos indigentes militantes como o velho entertainer dos congressos do PPD/PSD. Retive duas coisas. A primeira, que ele aspira governar até 2014 (palavra de honra). E a segunda, um meio para atingir aquele sublime objectivo, o pedido para que "confiassem nele". A experiência, mesmo a de devotos acéfalos e oportunistas dispostos a seguir qualquer chefe, aconselha a desconfiar desta "confiança". O último a pedi-la, Barroso, "pisgou-se" para Bruxelas umas semanas depois de a ter pedido. Lopes, apesar do lacrimejante "amor" ao partido e a Portugal, pode perfeitamente reduzir 2014 para 11 meses ou 14 semanas, sem pestanejar. Ficou-se também a saber que fará tudo para que Cavaco Silva não seja candidato a Belém. A encenação de Barcelos, a que não faltou um filme evocativo da vida do novo "grande líder", para além do "ar Coreia do Norte", tem um propósito. "Confiem em mim", na linguagem "santanética", quer dizer "preparem-se que em qualquer altura eu posso ser qualquer coisa e ir para qualquer lugar". O PPD/PSD, comovido, agradecido e sobretudo obrigado, ungiu este one man show sem uma inquietação ou um murmúrio. Não sobrou igualmente uma ideia deste congresso vocacionado para a exclusiva exploração do fenómeno do "eu" e da superficialidade. Tudo somado, há razões de sobra para continuar a temer o resultado prático desta grotesca manifestação que se traduz quotidianamente num "governo". Este "governo" assenta agora numa coligação que começou a desfazer-se este fim de semana. Portas e Santana estão literalmente "a mais" um para o outro. O poder, a única coisa que os une, é o perfume simultaneamente mais fraco e mais forte deste conúbio com morte anunciada. Para já, Santana Lopes consagrou-se o "homem do leme" e espera por dez anos (!). A questão está em saber se você confia nele nem que seja por um dia. Confia, a sério?

13.11.04

GRANDE, LUSO, PEQUENINO

Ontem, durante uma hora, Santana Lopes ofereceu aos fiéis reunidos em Barcelos, a receita habitual. Há o "eles" e há o "eu", um "eu" enorme e injustiçado que jurou continuar a ser "ele próprio". Fora desta dicotomia primitiva - o "eles" começa naturalmente dentro do partido - nada mais resta. O esforçado exercício egotista só foi quebrado por causa de Cavaco Silva e na forma de um presente envenenado. Outro dia falaremos disto. Para já, concentro-me na verdadeira "acta" do congresso, o novo hino "santanista" que o Público teve a amabilidade de nos dar a conhecer. Está lá tudo e estão lá todos: o Portugal de Santana, o "tempo novo", "grande, luso, pequenino". É preciso dizer mais alguma coisa?
Somos actores da História/ de coragem e glórias/ pátrio orgulho do passado/ abraçado pelo mar./ Para vencer os desafios/ desse povo soberano/ abre a porta do destino/ que o futuro quer entrar./ Queremos mais Portugal/ grande luso pequenino/ nova força para o mundo/ geração Portugal./ Grita Viva Portugal/ pede a alma, bate o peito/ nova força para o mundo/ meu orgulho Portugal./ Tempo novo de acreditar/ de ser mais feliz/ de ser PSD/ sempre mais e melhor./ Santana Lopes é a voz/ na vanguarda do futuro/ de norte a sul/ de todos nós./ Grita viva Portugal/ meu orgulho, meu país/ nova força para o mundo/ grita Portugal./ Grita viva Portugal/ meu orgulho, meu país/ nova força para o mundo/ viva Portugal

12.11.04

O GALO

Na palhota, deu-se a transumância do governo para um conselho de ministros em Bragança, com direito a uma mini-sessão de propaganda final, presidida pelo seráfico Dr. Morais Sarmento. As televisões ainda tentaram ouvir os autócnes gemer algum reconhecimento público por mais esta generosa manifestação "regionalista" do executivo. Uma desilusão. Não se escutou um regozijo, não se pronunciou um elogio, não se murmurou uma esperança. Nada. Indiferentes à passagem da caravana do Dr. Santana Lopes, os transmontanos responderam com "ironia e cansaço" quando lhes perguntaram o que é que ganhavam com o frívolo exercício governativo. Cada vez mais perto do irreal e cada vez mais longe do país, o Dr. Lopes prepara-se para conduzir este seu privado delírio para bordo do navio-escola Sagres, onde decorrerá novo conselho de ministros para a semana, segundo foi noticiado. Se ninguém o suster a tempo, imagino que Marte possa vir a ser um destino provável para um conciliábulo deste género. Entretanto, e para entreter a sua gente, Santana vai até Barcelos para presidir, durante três dias, a um congresso de íntimos confidentes, devotos agradecidos e nulidades ambiciosas. Escolheram bem. Este "estilo" frenético, algures entre o "regionalista light" e o "parvenu", encontrou ali, finalmente, a sua mascote.

11.11.04

YASSER ARAFAT (1929-2004)



Depois de um espectáculo indecoroso em torno das últimos dias e horas da vida de Yasser Arafat, o próprio concedeu-se finalmente o eterno descanso. As deploráveis e humilhantes condições a que o monobloco Sharon havia confinado Arafat, na Cisjordânia, não lhe facilitaram os derradeiros tempos. As contradições dentro da Autoridade Palestiniana a que presidia, também não. Como explicou D. José Policarpo, Arafat foi um combatente por uma causa justa. Hoje pouca gente falou do homem e quase todos enalteceram o suposto "virar da página" que o seu desaparecimento representa. Num mundo, o "ocidental", dominado pela prepotência cultural judaico-cristã, não deve surpreender esta fria reacção. Até o nosso Dr. Portas se limitou a um "elogio comedido" para não destoar nem ofender. Arafat foi assim lembrado como qualquer coisa entre o semi-estadista e o semi-terrorista, apesar de um Prémio Nobel da Paz dividido com israelitas de boa-fé. Morreu sem conseguir dar ao seu povo um território, uma dignidade definitiva e um estado soberano. Aqui sim, a luta continua.

10.11.04

MANUAL DE PRESTIDIGITAÇÃO

O IRS ia descer. Afinal parece que não vai descer assim tanto. Descerá, mas devagarinho. Diz-se que é uma descida "faseada" cujo "impacto" maior se deve "sentir" em 2006. Parece que 2006 será o "ano de todos os sentidos" e, já agora, de todas as eleições. O orçamento serve para tudo e para o seu contrário. É um excelente manual de prestidigitação para iniciados.

QUE FAZER?

Miguel Veiga, um dos poucos sociais-democratas do PSD, acha que Santana Lopes se há-de querer ver livre do governo, deixando-o para o seu "número dois" ou para qualquer outra luminária de circunstância, para se candidatar à Presidência da República. Eu estou tentado a concordar com ele. De facto, até quando Santana vai aguentar levantar-se todas as manhãs, olhar-se ao espelho e perguntar-se : - que fazer?

ALGUMA COISA

Ninguém deu muito por isso, porém já passou um mês sobre a entrada em funções de José Sócrates como secretário-geral do PS. Tratou-se, no geral, de um mês mortiço. Francamente esperava mais de José Sócrates. E esperava mais na proporção exacta em que não espero nada de Santana Lopes. Segundo li, o PS "ainda" vai decidir se há-de votar contra o Orçamento de Estado. Não me parece que haja alguma "razão de Estado" suficientemente forte para votar a favor de tão ilustre documento. Como de costume, na linha mole tão do agrado "institucional", o PS vai apresentar umas "alterações" que candidamente espera que a maioria "discuta" com ele e, num acesso mais condescendente, deixe cair uma vírgula ou uma frase mais inócua. Como não é provável que isto aconteça, então aí o PS recusará o Orçamento, se não seguir pelo branco e patriótico caminho da abstenção, um estilo tão do agrado de Belém. Quero com isto dizer que ainda não senti o PS a mobilizar consistentemente alguma coisa. E, dada a gravidade acéfala do momento que atravessamos, não nos podemos contentar com o conhecido ditame de Lampedusa. Agora é mesmo preciso que alguma coisa mude para que nada fique na mesma.

9.11.04

GABRIELA



O José Pacheco Pereira lembrou outro dia uma frase de Cesare Pavese: "Passei toda a noite sentado diante de um espelho para fazer companhia a mim próprio". E comentou: "no limite, há quem acabe assim, com o espelho por companhia". Muitos dos anti-heróis dos livros de Vergílio Ferreira fazem fé neste dito. E é assim porque muitos de nós envelhecemos mal, contra mundum ou, no limite, sem qualquer mundo. Contra estes bisonhos e por vezes tentadores "estados de alma", recomendo a revisão da primeira das telenovelas, Gabriela, que a SIC começou a passar a horas apenas convenientes para donas-de-casa (parece que repete pela alta noite). Em 1977, quando só havia uma televisão a preto-e-branco, constava que o país "parava" para assistir à vida do pequeno mas significativo cosmos de São Jorge de Ilhéus, sublimemente retratado no romance homónimo de Jorge Amado, a que um punhado de geniais actores brasileiros - alguns entretanto desaparecidos - dava vida e cor. As telenovelas que agora enchem os horários das televisões, ou, mesmo, serões inteiros, como na TVI, relevam quase invarivelmente do foro da pura idiotia. O que está a dar são as peripécias e as frivolidades da vida de meia dúzia de adolescentes semi-analfabetos dentro de histórias sem o mínimo de consistência ou verosimilhança. Quaisquer cinco minutos de desempenho em Gabriela valem seguramente as indigentes noitadas que as telenovelas, as actuais da Globo e as portuguesas da TVI, oferecem ao "estimado público". A avaliar pelos "índices de audiências", o "estimado público" também não merece melhor. Se calhar - e volto ao Pavese e ao Vergílio Ferreira -, sou eu quem está a envelhecer mal e sem saber muito bem como "fazer companhia a mim próprio". Na dúvida, sento-me no sofá e, pela calada da noite, fico com a sensualidade quente de Gabriela, ela que veio de longe, da terra, do pó e do nada para nos tornar ilusoriamente mais felizes.

8.11.04

A CAMBALHOTA

Razão tinha Vasco Pulido Valente quando escreveu que Álvaro Barreto seria ministro do diabo se este o convidasse. Numa entrevista deste fim-de-semana, o "número dois" do governo achou "normal" o que Paes do Amaral fez a Marcelo já que o empresariado não "pode" viver num estado de "hostilização do governo". A sinceridade de Barreto relativamente ao que vale a nossa magnífica "iniciativa privada" é deveras comovedora e esclarecedora. Por outro lado, não se poupou igualmente na defesa do seu colega Gomes da Silva, relembrando-nos que ele ainda existe. Com "números dois" deste calibre, para não falar nos "números" seguintes, pedir "a salvação da coisa pública" a esta gente é o mesmo que pedir "a um bobo paralítico mais uma cambalhota ou mais um chiste", como diria o Eça.

7.11.04

A CARAVANA

As notícias que caem nos jornais sobre as "actividades internas "do PSD seriam risíveis se não viessem do maior partido da coligação governante. Da gente do Porto é de esperar sempre o pior e, no limite, alguma animação para o comício "santaneto" que se prepara para Barcelos. Está quase tudo dito de um país que concebe poder levar a sério aquelas miseráveis criaturas alaranjadas cuja visão do mundo não ultrapassa as margens do Douro. Relvas, o secretário-geral, não se poupa na defesa do seu líder com o argumentário mais extravagante largado numa entrevista ao Expresso. Nem sequer bate na boca ao mencionar Cavaco Silva. Enquanto o PSD do "tempo novo" se afadiga nestas inúteis derivas intestinas que o levarão alegremente para o abismo -a "especialidade" de Santana em praticamente tudo o que se meteu -, o PP do Dr. Portas cuida sua "agenda" privada. Armado em "rebelde", Nobre Guedes foi a uma sessão de militantes da coligação em Beja "criticar" o "estado da saúde" e da "justiça", como se o PP não fosse parte íntima desse mesmo "estado" ou a Dra. Cardona não tivesse passado de um leve pesadelo. Desabafou a sua incomodidade perante os "interesses" aos quais, garantiu, é "imune". Parece que ninguém na sala se riu. O próprio Dr. Portas continua silencioso, grave e "estadista", animado com os seus submarinos de estimação e "desenvolvendo" uma "obra" na Defesa que até mereceu um elogio do jornal Público. Será que o Público leu no Diário da República que o referido "estadista" nomeou uma "comissão" constituída por quinze (15!) notabilidades destinada a acompanhar as vicissitudes dos ditos submarinos, notabilidades essas equiparadas a "missão diplomática" para efeitos remuneratórios? Isto também fará parte da "obra"? Devagar, devagarinho, neste estranho "tempo novo" do Dr. Santana, enquanto o PSD ladra, a caravana do PP passa.

6.11.04

A NOIVA DO PIRATA



Este post apresenta um livro. Um livro que reúne algumas das crónicas que Eduardo Prado Coelho escreveu no Público. Nem sempre tenho pachorra para ler o que o Eduardo escreve. No entanto, normalmente gosto dos textos em que evoca pessoas ou situações. Ele chama-lhe o "lado de fora de um diário, suspenso dos acontecimentos públicos". "Crónicas no Fio do Horizonte" (Edições ASA) é essa selecção bastante equilibrada e tanto quanto possível "intemporal" de algumas dessa crónicas. Deixo aqui uma que me agrada particularmente e que me recorda melhores tempos nestes tempos em que não há nada que fique para recordar.
A NOIVA DO PIRATA
Entro nesse lugar mítico de Saint-Germain que é o café Les Deux Magots e, depois de passar a demorada porta giratória, volto-me para a esquerda e dirijo-me até à mesa do fundo, não a da janela, espera, mas a outra ao lado, debaixo do enorme espelho empalidecido pelos muitos rostos que nele desapareceram um dia. Debaixo do espelho, uma fotografia onde se vê o espelho em que neste momento me vejo, e à frente dele, com um livro aberto sobre a mesa, absorta na leitura, está ela, está o retrato de Simone du Beauvoir. E assim eu sei que ao sentar-me nesta mesa, exactamente a mesma, estarei exactamente naquele lugar onde estava, e continuará a estar a Beauvoir, numa tarde de inverno há sessenta anos. Os gestos encaixam uns nos outros, e isso faz-me crispadamente feliz: "je me suis regardé dans une glace/ Et j'ai vu que j'avais rêvé/ Je me suis dit: faudra bien que m'y fasse.../ Tout finira par arriver..."
Será por isso que a porta vai rodar de novo, silenciosamente, e eternamente vestida de negro, de cabelos negros, de olhos negros, de luminosas palavras enegrecidas pelo metal da voz, Juliette Gréco poderá aparecer: atravessou rostos e paisagens, portos e bares gingados, manhãs cinzentas de tédio, os filmes de vidas suspensas em torno de um copo de vinho, ouviu o riso do acordéon, brincou com o garota na esquina da rua des Blancs-Manteaux, e recomeçará a dizer com a sua voz felina e espreguiçada: "Désabillez-moi/ Désabillez-moi/ Oui, mais pas tout de suite/ Pas trop vite."
Amanhã, no Centro Cultural de Belém, improvável e imaterial, emergindo da espessa noite da história, entre Boris Vian e Sartre, Prévert e Bataille, Gérard Philippe e Jean Vilar, Malraux e Giacometti, Jacques Brel, Hemingway e Miles Davis, Juliette Gréco virá até nós - cantar, dizer as palavras dos poetas, de um tempo em que a poesia era uma forma de respirar e habitar as manhãs, e atravessar os telhados de Paris, e organizar a Resistência, e ouvir jazz nas caves de Montparnasse, e fotografar um beijo infindável diante do Hotel de Ville, e encontrar Kikki e Gainsbourg. Os poetas são Mac Orlan e Léo Ferré, Queneau ou Prévert, Brel ou Desnos. O que quer dizer que estas palavras estão certas como um tempo que foi e é para sempre a beleza de ter sido.
Havia um pássaro e havia um peixe, e havia entre eles um amor de ternura sem fim: mas como fazer quando um está na água, e o outro lá em cima? Uma formiga de dezoito metros com um chapéu na cabeça - não existe, não existe. Uma formiga puxando um carro de pinguins e de patos feios - não existe, não existe. Mas porque não?, mas porque não? - perguntam os poetas. Mas porque não? - pergunta a Gréco. Ainda. Sempre. Com ela estaremos de novo mais altos do que no dia, mais longe do que na noite. Estaremos (vê, ouve, está) na luz deslumbrante do primeiro amor.
Nota: Julliette Gréco cantou no CCB em Janeiro de 2001

5.11.04

O MISTÉRIO DA CULTURA II

À atenção do Crítico:
Contaram-me que o Senhor Presidente da República convidou, para integrar a comitiva que o vai levar a mais uma "viagem de Estado", desta feita à Itália, o senhor director do Teatro Nacional de São Carlos, Paolo Pinamonti. Sem condições para apresentar a temporada, coisa que foi novamente adiada e que estava prevista para a semana que vem, deixando sair a sua "vogal financeira" para o CCB e com uma despesa de funcionamento em crescendo, com uma "cafetaria" a meio, Pinamonti faz o que melhor sabe fazer quando não sabe o que é que há-de fazer: fugir. Devo ser um grande idiota para não conseguir enxergar o que é que tanta preclara figura vê no referido Pinamonti. Eu sei, no entanto, o que é que ele vê nelas. Se lhe falta qualquer coisa na Ajuda ou em São Bento, logo a mão "sensível" de Belém aparece para um afago parvenu. Como é que o homem não há-de gostar e aproveitar bem da "mansidão" portuguesa que tanto o acarinha? Só lhe chamo "mansidão" para não dizer uma asneira porque, na realidade, estão muito bem uns para os outros.

4.11.04

O MISTÉRIO DA CULTURA

Para atalhar o incidente com a administração do Centro Cultural de Belém, a ministra da Cultura terá nomeado a Sra. D. Guta Moura Guedes e a Dra. Ana Isabel Morais para fazerem companhia ao eterno Prof. Fraústo da Silva. A primeira das senhoras é extremamente fotogénica, parece que tem um curso de gestão hoteleira e "brilha" no mundo do design português. O Crítico já fez o favor de indicar um "link" para um artigo sobre a Pátria da autoria da futura administradora . Um currículo, sem dúvida. A segunda senhora é minha conhecida. É funcionária do Teatro Nacional de São Carlos, tem o inevitável curso de direito e quando eu por lá passei, era "assessora da direcção". Bem relacionada, sucedeu-me com a maior naturalidade, fazendo parte da já longa lista de vogais das direcções da responsabilidade de Paolo Pinamonti, um verdadeiro recordista mundial na matéria. Outro excelente currículo. O que é que particularmente recomenda estas senhoras para ocuparem cargos em organismos sob a tutela do ministério da Cultura e, especialmente, no CCB? Ninguém faz certamente a menor ideia, mas, como costuma dizer a animadora televisiva Teresa Guilherme, isso agora não interessa para nada. O CCB, à semelhança de quase todas as outras instituições na órbita do MC, acusa profundos problemas financeiros. Fraústo da Silva e Paolo Pinamonti, entre outros, "sentam-se" literalmente em cima de todo e qualquer poder político e fazem tranquilamente aquilo que bem querem, sobrevivendo inexplicavelmente às tormentas. Afinal, Maria João Bustorff gere um ministério ou um mistério?

3.11.04

GEORGE W.




Conforme se esperava, o bronco mais porreiro e conhecido do mundo foi reeleito para um novo mandato na Casa Branca. Kerry, com os seus dotes de aristocrata distante, não conseguiu convencer os americanos da excelência da sua "diferença". Também por esse mundo fora carpideiras de várias proveniências derrramam certamente o seu desgosto pela livre opção do povo americano. De nada serviram os transportes exaltados ou melancólicos de editorialistas, jornalistas, políticos e "intelectuais" contra a continuação de Bush. Este teve mais 4 milhões de votos do que Kerry, o que quer dizer que a América profunda se revê no "quentinho" securitário que um Bush algo trapalhão e sadio lhe oferece. A democracia americana manifestou-se uma vez mais na sua contradição, nos seus medos e na sua profunda grandeza. E escolheu. Eu não teria votado em George W. Bush e Kerry nunca me entusiasmou. Não tinha nem tenho quaisquer ilusões a respeito de qualquer um deles. As coisas são o que são e o mundo continuará sempre perigoso.

2.11.04

COSTUMES

Uma rapariga de 17 anos, há uns tempos, deu entrada no Hospital Amadora-Sintra e interrompeu uma gravidez indesejada. Um enfermeiro, dentro da melhor tradição portuguesa, denunciou-a. Este pequeno bufo e circunstancial polícia de costumes prestou um relevante serviço ao "sistema" jurídico português, uma vez que a "lei" foi cumprida e hoje, com 23 anos, a rapariga vai a julgamento. Este gesto patriótico não deve deixar ninguém indiferente. Se você pensava que vivia num país moderno, andava muito enganado. Há gente que por mais que se esforce nunca conseguirá sair do mundo de trevas e superstição em que cresceu. Para além de em muitos aspectos nunca termos conseguido passar além da idade média, parece que noutros vegetamos ainda numa verdadeira idade de merda.
Adenda: Vem a propósito republicar um post de Agosto sobre "juristas", até pelo facto de o governo, a Ordem dos Advogados e as corporações dos magistrados andarem numa azáfama precisamente por causa do "sistema" de que, afinal, são fiéis guardiões.
JURISTAS
Num artigo recente, Francisco José Viegas chamava a atenção para o domínio quase exclusivo que o "processo penal" exerce sobre a nossa sociedade. De facto, quando um dia se fizer a história do papel das incontáveis faculdades de direito no "desenvolvimento" do país, há-de chegar-se à conclusão que os "juristas", de uma maneira geral, estiveram quase sempre, e invariavelmente, na vanguarda do nosso atraso. Poucas "esferas" da vida pública escapam ao seu controlo, desde a "cabeça" dos governos à composição dos executivos e respectivos gabinetes, das direcções gerais às suas pequenas hierarquias, dos serviços "de linha" aos partidos, e por aí fora. Obter um curso e, muito especialmente, de direito é, para a mioleira de muita gente, muito mais importante do que, por exemplo, constituir "família" ou ter onde morar estavelmente. Não há funcionário que se preze, não há polícia que se esmere, não há dona-de-casa que não se esprema, todos para "tirar" o sublime curso de direito. Visto pelo lado dos "estabelecimentos de ensino", a "logística" sai barata. Daí a irresponsável reprodução do curso e de licenciados por todo o lado. Bastam umas secretárias, umas cadeiras, eventualmente um quadro e meia dúzia de recém formados, "orientados" por um "professor" (qualquer Moita Flores serve) e monta-se uma "universidade". Se a sociedade portuguesa é o que é, muito o deve aos seus gloriosos licenciados em direito, entre os quais eu me incluo. Senhores de vasta e profunda ignorância, incapazes de enxergar para além do reduzido e mesquinho "mundo da lei", os "juristas" constituem uma raça perigosa, dramaticamente em vias de expansão. A pobreza cívica de que padecemos, o raquitismo da nossa "vida democrática" e a arrogância palonça das "corporações", são realidades que podemos agradecer às faculdades de direito. O mesmo acontece em relação à maior parte da classe jornalística, também ela quase toda um subproduto desta genial "formação". Em vez de preparar homens e cidadãos, o "direito" apenas gera abencerragens vaidosas que ambicionam gerir a vida dos outros à imagem da sua estúpida e inócua gravitas.

1.11.04

FINADOS

Como bem nota o Jumento, o governo desapareceu nos últimos dias. Desde a saída frustrada de Gomes da Silva por uma porta que não abria, até à fugaz aparição de Santana em Roma, que não há notícia desta abnegada gente que nos pastoreia. Será que, dada a nossa fantástica importância na cena internacional, Santana Lopes aguarda pelo desfecho das eleições norte-americanas para nos surpreender, a nós e ao mundo? Pelo contrário o PP, pela voz do sempre esperto Pires de Lima, anda por aí a espalhar a sua eterna boa-nova independentemente de não ser boa nem nova, especialmente para o PSD. Sócrates, que não deve ter mais nada para fazer, já pede votos para o "sim" à "Constituição europeia", manifestamente uma clara prioridade nacional, devidamente compreendida pelos gentios. Por fim Jorge Sampaio andou uns dias a passear pelo "interior ostracizado" onde verteu lágrimas e proferiu banalidades. Dias de finados?