A UBIQUIDADE NA CULTURA
1. Pelos noticiários da SIC, bem como aqui, o País ficou a saber que, no precário reino do Ministério da Cultura, o de Pedro Roseta e do seu poderoso "ajudante" Amaral Lopes, existe uma espécie de "governanta geral" da casa que foi nomeada sucessivamente para três cargos. Noutra ocasião, no "post" Anel da Cultura III, eu já tinha mencionado esta originalidade. Começou por ser "adjunta" do Ministro para as "questões financeiras", razão pela qual, enquanto fui membro do conselho directivo do Teatro Nacional de São Carlos, com a senhora falei e me reuni várias vezes. Depois, tendo em consideração que a senhora é uma técnica, presumo que superior, do Ministério da Agricultura, (porque é, se a memória me não falha, licenciada em "Relações Internacionais"), e para acautelar o seu futuro, foi nomeada secretária-geral adjunta da Secretaria Geral do Ministério da Cultura. Trata-se de um cargo dirigente, de nomeação "política", equivalente a sub-director-geral que, após três anos consecutivos de exercício, dá direito a "subida" automática na carreira de origem. O curioso nesta "nomeação", é que a senhora nunca ocupou verdadeiramente o seu cargo (haveria aqui matéria de sobra para a doutrina administrativista se pronunciar acerca de "posse e ocupação" de cargos públicos...) de sub-directora-geral, permanecendo "fisicamente" junto dos seus mentores políticos, Roseta e Amaral Lopes. Eventualmente por qualquer tipo de temor reverencial, a secretária - geral, pessoa que muito estimo, jamais ousou fazer o óbvio: "obrigar" a senhora a ocupar o seu lugar de dirigente na secretaria-geral. Finalmente, ainda arranjou tempo para a Casa da Música do Porto e - isto não vem na notícia - para "presidir" ao organismo que antecedeu o actual Instituto das Artes, aquando do falecimento súbito do seu presidente no Verão passado. O que é que justifica este extravagante dom da ubiquidade? Três coisas muito simples. A primeira, a incapacidade dos gabinetes do ministro e do secretário de Estado da Cultura em "recrutar" pessoas habilitadas para a assessoria na área financeira, permitindo este domínio despropositado que a referida senhora exerce sobre todos os organismos "tutelados", pela forma que os respectivos dirigentes certamente conhecem. A segunda, o desconforto que desde o primeiro minuto esta "situação" política do Palácio da Ajuda sente em relação à gestão do orçamento que consentiu que lhe fosse atribuído. A terceira, a inevitável e nem sempre avisada "via partidária", que tem sempre mais razões que a razão desconhece.
2. No Teatro de São Carlos estreia o Werther , de Jules Massenet. Para o público tradicional do Teatro, que não se confunde definitivamente com o novo-riquismo dominante, em geral ignorante e quase sempre "convidado", o Werther "é" e será sempre o de Alfredo Kraus. Em diferentes temporadas do São Carlos, Kraus - que soube manter praticamente intacta até ao fim a elegância segura do seu timbre, graças a uma rara inteligência interpretativa de um repertório adequado - ,ofereceu ao então exigente público do nosso teatro lírico, versões inesquecíveis desta ópera. Como os tempos vão tristes para cultura e particularmente para o São Carlos, é razoável lembrar as palavras do jovem Werther no libreto inspirado na obra de Goethe: Warum weckst du mich, Frühlings' Luft ? Die Zeit meines Wegens ist nah...Pourquoi me rêveiller, o souffle du printemps, porquoi me rêveiller?. Mas nada disto será relevante para aqueles que, no fim da récita, irão cear a convite do Teatro. Entre bolinhos e vinhos suaves, lá se devem encontrar as "boas almas" do costume, desde a "generosa" Ajuda que, como vimos, premeia os seus fiéis, a outras paragens "situacionistas". Por mais quanto tempo os vamos ver a cear todos juntos?
Alfredo Kraus (1927-1999)
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