O Teatro de São Carlos, visto por Manuel Faia
O IPSD, um instituto na órbita do PSD, presidido por Mota Amaral, debate hoje qualquer coisa como "o papel do estado e do mercado na cultura". Peroram Eduardo Prado Coelho (um incontornável dele próprio...), Vasco Graça Moura (o ministro "sol e sombra" da cultura do PSD) e José Amaral Lopes, o secretário de Estado oficial. A seguir, estas intervenções são glosadas por, entre outros, o meu amigo e cineasta Joaquim Sapinho e pelo director do São Carlos, Paolo Pinamonti. Não me surpreende a presença deste último, apesar de ter sido escolhido por José Sasportes. Como ele me confessou um dia, nunca tinha sentido tanto "apoio" como com esta actual tutela sediada na Ajuda. Não foi Amaral Lopes quem, numa entrevista na rádio, a semana passada, afirmou que deve muito a Pinamonti, "que lhe ensinou a "gerir" um teatro de ópera"? Uma "escola", não haja dúvidas. No meio destas amabilidades para consumo dos próprios, seria interessante olhar para dentro do que se passa no Teatro Nacional de São Carlos que, até prova em contrário (e descontando o mecenato exclusivo, mas a termo, do BCP, conseguido por Guterres e por Carrilho), é suportado pelos contribuintes. Não me refiro ao que é visto em palco, antes penso na "organização" e na sua gestão. Pinamonti está à beira de completar os três anos de mandato, como director artístico e como director. Constou-me que já "renovou", pelo menos até 2005, dado que, pelos vistos, nem a nossa (actual) Pátria o dispensa, nem a Itália por ele suspira. De 2001 até hoje, Pinamonti já viu passar pela sua direcção seis vogais. O primeiro não chegou a "aquecer o lugar" e, num dos seus múltiplos regressos de Veneza, Pinamonti e a sua colega de direcção despediram-no sumariamente por motivos que só os três conhecem. A segunda, esta senhora a que aludi, foi demitida pelo Dr. Roseta depois de umas trapalhadas folclóricas entre membros da direcção, presidida pelo mesmo Pinamonti, arrastando-se presentemente os "jogos florais" pelos tribunais. Ao mesmo tempo, substituiram-se a referida senhora (por mim) e o vogal que tinha ocupado o lugar "do primeiro a partir", que transitou para o gabinete de Amaral Lopes. Eu entrei acompanhado por uma senhora que por lá se mantém, muito amparada na ante-câmara do gabinete do secretário de Estado, enquanto eu saí, pedindo a demissão em Abril do ano passado, por razões várias vezes referidas neste blogue e, na altura, em alguns jornais. Finalmente, fui substituído por outra senhora, funcionária da casa que, da dourada prateleira em que se encontrava desde a extinção da Fundação de São Carlos, transitou para a "direcção Pinamonti", devidamente abençoada. E assim chegámos aos seis. No pequeno mundo que é a nossa vida cultural, e particularmente no pequenissimo mundo que é a ópera em Portugal, Pinamonti tem registado imenso sucesso, seja pela efectiva qualidade das suas escolhas artísticas - e não são todas -, seja pelo deslumbramento palonço e provinciano que perpassa por algumas almas do "meio" e da "política" que parecem nunca ter dado pelos directores anteriores. Ora acontece que Pinamonti, como todos nós, aliás, é feito de luz e de sombra. Como estamos em "teatro", é natural que só a luz brilhe. O São Carlos quase sempre se caracterizou por ser um mundo "só seu", praticamente auto-gestionário e autofágico. Desde o elegante Dr. Figueiredo que reportava directamente a Salazar, passando pelo seu braço direito - que guardava o dinheiro para os pagamentos do Teatro numa caixa de sapatos - ao Dr. Serra Formigal (que é um senhor!), que cantava e dirigia o coro, e ajudava a puxar o pano de cena quando ocorriam greves, como o fazia outra senhora duma pretérita direcção, etc, etc, de tudo um pouco ali tem acontecido. A estratégia de Pinamonti- se é que tem alguma - é privilegiar "o que se vê", custe o que custar, no sentido literal do termo "custo" e, muito naturalmente, o seu currículo pessoal. Por isso arrasta atrás de si um organismo pesado, cheio de contradições inexplicáveis em sede de gestão de pessoal, com hierarquias opacas, algumas totalmente desnecessárias e ineficazes, uma direcção de coro e de orquestra em quebra notória de vitalidade e um serviço de relações públicas que, até aqui exemplarmente assegurado, foi agora entregue a amadores, e tudo por causa dos joguinhos pirosos dos pequenos poderes internos. Como eu dizia quando por lá andei, o Teatro precisava de parar para (se) pensar. À actual tutela também interessa mais "o que se vê" do que o que fica escondido atrás. E na actual direcção, deve haver quem já só sonhe com uma administração "SA", daquelas "da moda", remetendo-se oportunamente Pinamonti para a mera direcção artística ou para casa. Já vai longo este post. O tal colóquio que mencionei no início é encerrado pelo Dr. Pedro Roseta, a quem deixo uma pergunta. Qual é o "mercado" que se pode interessar por "isto"?
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