Na primeira viagem ao Festival de Cinema da Figueira da Foz lá estava ele, entre o grave e o divertido, sempre rodeado das mulheres que toda a vida o admiraram e que ele amava sinceramente e pelos mais diversos motivos. No ano seguinte, uma manhã mal dormida juntou-nos no pequeno-almoço na pastelaria em frente ao Casino, antes do começo das projecções. Víamos, então, cinco a seis filmes por dia, uma obra. Engraxavam-lhe os sapatos ao som de uma torrada e preparava-se para dar um salto à tipografia para ver o estado da edição da sua tese, Os Universos da Crítica. Comprei-a no verão de 1983, na Feira do Livro, acabada de sair e com ele a dar autógrafos - poucos - na barraquinha da Dom Quixote. Dias depois, na festa do primeiro ano do Frágil, no meio daquela gente bonita que foi desaparecendo, perguntou-me o que é que achava do livro. Eu tinha vinte e dois anos e, parvamente, prodigalizava a mim mesmo uma opinião. Com o Semanário, vieram outras conversas e outros livros. Em quase um quarto de século muda muita coisa. Entretanto a "noite do mundo", de Hegel, e título de um dos seus livros, avançou, improvável e imaterial como a voz da Greco num concerto no CCB. Nós também, para outros e diferentes lados. Os últimos anos foram de grande sofrimento pessoal para Eduardo Prado Coelho. Não merecia. Ninguém merece. Ocorrem-me - em mais um dia de verão interrompido pela mão desse Deus em que ele nunca acreditou ou que, tal como em Nietzsche, já estava morto há muito - as palavras de François Mitterrand sobre Malraux na data do seu desaparecimento. O Eduardo "pertencia às cercanias, à paisagem da nossa vida. Como uma luz na casa fronteiriça e que se apaga, assim um pouco mais de sombra ocupará o espaço e o tempo diante de nós." O Eduardo, lá onde agora se encontra, chega-nos com "a fulgurância que atribuímos aos astros mortos e que continuam a iluminar a nossa noite".
10 comentários:
Texto de grande beleza, João. Apesar dos meus desacordos com certas análises do Eduardo Prado Coelho, não
posso deixar de me perfilar perante a sua memória e lamentar a enorme perda que o seu desaparecimento significa para o nosso país, tão pobre de massa crítica. Mais uma cruz implantada no caminho que inexoravelmente vamos deixando ficar para trás.
A última vez que o vi foi, há semanas, no Corte Inglês. Fiquei tão chocado que evitei falar-lhe... A vida é mesmo uma grande merda.
life sucks
Minuto de silêncio. Nos anos 80/90 costumava trocar umas palavras com EPC no "lounge" de Orly, enquanto esperávamos o TAP, das 20,30 de sexta-feira. Eram tempos radiosos para EPC (e para a Teresa, na direcção da Elle), cá e lá, na pujança máxima. Depois, como muitos outros, calhou-lhe um fim brutal nas tenazes do "caranguejo". A morte é mesmo uma das faces da puta da vida.
Um texto que faz jus à foto.
Quase que me envergonho de ter escrito uma pequena nota de homenagem no meu blog.
Eu tinha o hábito de ler, todos os dias de manhã, as crónicas do Luís Delgado e do Prado Coelho. O primeiro parece que abandonou o DN e o segundo deixou-nos definitivamente. Paz à sua alma.
Ainda temos o Vasco Graça Moura e o José Manuel Fernandes.
Ninguém merece a doença, a morte. Um belo texto, João Gonçalves.
Vai-se la saber porquê, o João adora o EPC. Enfim, antigas amizades do Frágil... Só não compreendo é como é que defende aquilo que defende no seu blog, nomeadamente o "mostrar o estado de crise moral em que vivemos", e depois gosta de um homem como o EPC que, concordando-se ou não com a forma como o Vicentinas de Braganza fala dele (e eu não concordo,) é um retrato fiel da personagem. Só pode dizer o contrário quem é desonesto ou tem outros interesses. Meu caro João, como é que se pode idolatrar Salazar e gostar ao mesmo tempo do EPC ? Cá para mim vc anda um pouco baralhado. Deve ser a pdi.
PS e já agora mostre um bocadinho de coragem e publique o comentário e não o apague como fez com o anterior. Até vou por o meu nome para depois não vir com a desculpa de que o comentário é anónimo. Se fizer muita questão, tb lhe posso dar a morada e núnero de telefone.
"Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós."
Amado Nervo (Poeta mexicano, 1870-1919)
Vi-o poucas vezes e falei-lhe uma única vez.Em Barcelona na Feira do Livro.Sempre rodeado de belas mulheres e bem mais novas.Tenho um livro dele autografado, que ele me concedeu, depois de uma pausa...imperial!
Li-o,discordei e aprendi com ele.É mais uma referência da nossa geração que desaparece.
Fica o aconchego de ter amado a vida e de se ter divertido!
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