12.9.06

O BAIRRO DOS PEQUENINOS


O Eduardo é ligeiramente mais velho e o João ligeiramente mais novo. Ambos escrevem a propósito do Bairro Alto quando ele era vivo. Também o conheci. Conheci-o nos restaurantes onde o João Amaral combinava comigo escritos vãos para o Semanário. Conheci-o nas noites quentes de Agosto de 1982, com o Vicente Batalha, o amigo de sempre que me levou pela primeira vez ao Pap'açorda e ao Frágil, aberto dois meses atrás. Enamorei-me do Frágil onde passei muitas das noites desse ano e do seguinte. Era normalmente dali que partia para outras deambulações decididamente mais "rascas". Numa delas, a Guida Maria levou-me de carro até à porta da Lontra, na Rua de São Bento - que mulher lindíssima, a Guida Maria - e pediu-me que fosse lá dentro ver se o Pedro Oliveira - que homem lindíssimo, o Pedro - por lá andava. Não andava. Eu fiquei e voltei muitas noites à Lontra, para onde arrastava colegas de curso como o Rogério Alves, um folgazão que a Ordem dos Advogados ainda não conseguiu estragar. Na noite em que Bush pai declarou guerra ao Iraque por causa da invasão do Kuwait, estava no Frágil com a Ana Pereira da Silva e o Humberto, e começou a ouvir-se "War", do Boy George. Daí em diante, as idas ao Bairro Alto e ao Frágil espaçaram-se como as amizades e os amores. Fui um "pré-Margarida Martins", dos tempos em que a porta era aberta por um rapaz loiro e actores "serviam" bebidas. Na comemoração do primeiro ano do Frágil, fui " à festa" com o José Ribeiro da Fonte ou, pelo menos, entrei com ele. Regressei para outras festas mas percebi que o Frágil estava a esfumar-se. Ainda tentei o bar do Hernani, umas ruas abaixo. Numa fase dada ao fado, por alturas da "Lisboa 94", irrompi com o Duarte por algumas casas do dito à procura da Beatriz da Conceição. Depois despedi-me definitivamente a não ser para um almoço ou um jantar rápidos. Entretanto o Bairro Alto começou a ser invadido por hordas literalmente bárbaras e deu-se início àquela mania de estar a beber, ou melhor, a exibir um copo de plástico na rua. Com o copo, também se exibem corpos assexuados que se contemplam bovinamente. A estudantada acéfala fala do "bairro" com uma intimidade e com uma cumplicidade absolutamente inverosímeis. Fingem a alegria em bebedeiras atrozes que os tornam incapazes para, no mínimo, foderem ou serem fodidos. O ambiente toldou-se e virou lixo, em sentido material e humano. Uma vez, o Miguel Lizarro, em pleno Frágil, olhou em volta e sussurrou-me : "já reparaste, estão todos cheios de vontade de ir para a cama uns com os outros, mas ninguém avança". Alguém acabava sempre por avançar. Agora, nem vontade, nem cama, nem "avanços". Nada. É tudo de plástico como os copos. O Bairro Alto perdeu definitivamente o que tinha de mais belo: a sua noite, a sua autenticidade e o seu esplendor. Trocados, como escreve o João, por "uma suja e graffitada ficção do que foi." Um Bairro dos Pequeninos.

13 comentários:

Anónimo disse...

pois, já o meu avõ vociferava, melancolia azeda, contra os desmandos dos tempos "hodiernos": e agora, os miúdos bebem em copos de plástico, fazem inconveniências e, pior que tudo, deu-lhes a impotência!
ah, como eu suspiro...

Caturro

Anónimo disse...

Estas análises, sinceramente... Não há dúvida que as cabeças ficam fechadas no "seu tempo" e são incapazes de olhar as coisas novamente tempos depois.

Já o parvalhão do Joaquim Letria fala da geração rasca: ele, que fundou jornais estúpidos e enriqueceu a vender merda em papel.

A estupidez actual é da responsabilidade da vossa geração, que cedo trocou valores por pedantice e dinheiro e começou a impingir porcaria a toda a gente.

Tenho dito.

Anónimo disse...

Está-vos a dar com força... Eu tb já não tenho muita vontade de sair à noite nem de me embebedar mas daí a achar que no meu tempo é que era...

E essa obsessão com o sexo dos outros? deviam apagar estes posts, os 3, é tudo tão evidenciador, apenas, das vossas fragilidades...
Viva o Bairro Alto!

Anónimo disse...

Não tão vãos assim, que diabo.

Anónimo disse...

Ora que saudosismo doentio. Os que iam ao Frágil naquele tempo, hoje fazem outras coisas, vão a outros sitios, então? E depois existe muito da tua intimidade neste post, não vale a pena. É uma exposição gratiuta. Escreve um livro, faz como o Grass, exorcisa amigo. Tens potencialidade para a ficção!!!! literária. Mas, aqui, parece-me que não! É a minha opinião, sincera. Daqui a vinte anos dirás que os tempos de hoje não têm graça nenhuma?? Vai a Taizé! Santiago! Estás a precisar de um mergulho no Jordão. Sei lá. Deixa os miudos de copos de plástico na mão. Já viste que é assim em todo o mundo Ocidental, em qualquer cidade, nos seus Bairros Altos? Existem pequenas maravilhas na gente jovem não são só cervejas. E para eles, hoje, o Bairro Alto é o máximo, como é natural. O natural é que para ti já não o seja, porque de facto o tempo do Bairro Alto, tem o seu tempo, verdadeiramente. Depois vai-se lá, esporadicamente, jantar e prontos. (tenho pena de não ter itálicos, agora, no prontos, dava jeito) Existe em ti uma frustação, prematura, do tempo que passou, c'os diabos, ainda és jovem. Até lá.

João Villalobos disse...

Que raça. Vamos é juntar-nos os três e criar um blogue adicional de memórias não censuradas, eh, eh. Ia ser lindo ;)

Anónimo disse...

"No meu tempo é que era bom". As minhas desculpas mas trata-se de um exercício de nostalgia ridículo. O "bairro" pertence-vos tanto como às putas dos anos 40 ou aos marialvas do Séc XVIII. Quem não gosta não vai. E toda essa gente pode encontrá-la certemente na "Bica", esse lugar "chiquíssimo" cheio de gente "gira", e no Lux, lugar "in" cheio de gente "beautifull" e onde se sorve Moet em flutes de cristal, em contraste com as "hordas literalmente bárbaras" com a "mania de estar a beber, ou melhor, a exibir um copo de plástico na rua."

João Villalobos disse...

Escrevi mais um pequeno texto sobre este assunto. Foi mais forte do que eu...

Anónimo disse...

Pois é, JG, o Bairro já era! Mas para mim há muito mais tempo. Foi louco e divertido no tempo em que por lá andavam os jornalistas + os artistas, o pessoal do Conservatório, etc. Depois os jornais foram fechando e os jornalistas escassearam. Lembro-me de quando a padaria entrou em obras para dar lugar ao Frágil. Ainda lá fui, no início, até ao dia em que puseram um cretino (ou era uma cretina?) à porta a ver quem podia ou não entrar. Coisa nunca vista num bar, coisa nunca vista no BA, onde conviviam as mais desvairadas pessoas do sub-mundo, das artes e dos jornais. Achei de tal modo indigno ter que me submeter ao escrutínio de alguém que não conheço de lado nenhum para poder entrar num estabelecimento público, que nunca mais lá pus os pés.
Para mim, foi nessa altura que o BA começou a morrer, a ficar "fashionable".
O BA de que gosto de me lembrar terá lá sempre pessoas como o Júlio Pinto, o Eduardo Guerra Carneiro, etc.
Quanto à miudagem, pois que se divirtam como podem e sabem. É tudo. O tempo passa, as coisas não são melhores nem piores, são diferentes.

Anónimo disse...

A ariane é que sabe.
Aquilo era bom quando havia fado e tiros, músicos e actores, putas e chulos, polícias e labrões.
A paneleiragem pseudo intelectual do frágil só veio estragar.
Graças a deus que a sida os tem levado.
Alguns ainda andam por aí a carpir-se na net.
Outros fecharam-se em casa.
Alguns compraram um cão.
São formas diversas de impotência.
Não valem mais do que os actuais utentes do BA.

Anónimo disse...

continua a haver putas, mas agora na blogosfera, pelos vistos!

Pedro Correia disse...

Perfeito, João: subscrevo por inteiro as descrições que fazes. De antes e de agora.

Anónimo disse...

Antes com copos de plástico e felizes que vivendo ressabiadas memórias. Imagino que seja difícil conceber que não vai voltar a ter 21 anos outra vez...