País por conhecer, por escrever, por ler...
a versejar tão chique e tão pudico,
enquanto a língua portuguesa se vai rindo,
galhofeira, comigo.
País que me pede livros andejantes
com o dedo, hirto, a correr as estantes.
País engravatado todo o ano
e a assoar-se na gravata por engano.
País onde qualquer palerma diz,
a afastar do busílis o nariz:
-Não, não é para mim este país!
mas quem é que bàquestica sem lavar
o sovaco que lhe dá o ar?
Entrecheiram-se, hostis, os mil narizes
que há neste país.
País do cibinho mastigado
devagarinho.
País amador do rapapé,
do meter butes e do parlapié,
que se espaneja, cobertas as miúdas,
e as desleixa quando já ventrudas.
O incrível país da minha tia,
trémulo de bondade e de aletria.
Moroso país da surda cólera,
de repente que se quer feliz.
País tunante que diz que passa a vida
a meter entre parêntesis a cedilha.
no país da alcateia,
tão exterior a si mesma
que não é senão a fome
com que este país a come.
pergunta mesureiro: - Como vai a vida?
a importância e o papelão,
inaugurando esguichos no engonço
do gesto e do chavão.
lhes agradeça a fontanária ideia!
Corre boleada, pelo azul,
a frota de nuvens do país.
dum ombro que, com razão duvida.
vai transido mas transistorizado.
Cedilhado o cê, país, não te revejas
na cedilha, que a palavra urge.
manda-nos à mãe, à irmã, à tia,
a nós e à tirania,
sem perder tempo nem caligrafia.
que é a vida,
ó país,
que parece comprida!
já perde a paciência à nossa cabeceira.
baú fechado com um aloquete,
que entre dois sudários não contém senão
a triste maçã do coração.
na má vida, país, na boa morte!
País das troncas e delongas ao telefone
com mil cavilhas para cada nome.
tens, tão contrafeito...
Embezerra, país, que bem mereces,
prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.
Desaninhada a perdiz,
não a discutas, país!
Espirra-lhe a morte pra cima
com os dois canos do nariz!
Um país maluco de andorinhas
tesourando as nossas cabecinhas
de enfermiços meninos, roda-viva
em que entrássemos de corpo e alegria!
Estrela trepa trepa pelo vento fagueiro
e ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.
já o passo a meu filho, cansado de o olhar...
No sumapau seboso da terceira,
contigo viajei, ó país por lavar,
aturei-te o arroto, o pivete, a coceira,
a conversa pancrácia e o jeito alvar.
entornado de sono, resvalaste para mim.
Mas também me ofereceste a cordial botelha,
empinada que foi, tal e qual clarim!
5 comentários:
«Trinta e dois anos depois continuamos como o poeta nos descreveu nos anos sessenta, "país engravatado todo o ano/e a assoar-se na gravata por engano."»
Nem mais ...
... é o "post" certo
... e, só leu "levemente"
... "Excelente, delicioso" ...
Cada linha mais verdadeira que a anterior. Genial...e certeiro da primeira à última letra. A começar em P e acabar em L
é um belo texto, sem dúvida mas incongruente em relação às suas simpatias políticas.
Oportuna repescagem de texto, que fez época, mas aguenta leitura nova, porque foi escrito por quem tinha verve e manejava com primor o idioma, coisas que raramente se acham juntas.Escasseiam-nos os seus sucessores, mas os motivos para o seu aparecimento abundam. Hoje mesmo, também recuperei um famoso texto de António José Saraiva, escrito em Janeiro de 1979 e que, na altura, incendiou consciências.É curioso verificar: quando há verdadeiro engenho do autor, os textos resistem à passagem do tempo; de contrário, esgotam a sua novidade no momento em que são lançados a público.
Sim, é a grande verdade que, apesar de tudo, estamos muito iguais há 32 anos, e alguns muito fazem para que tal continue.
Eu, por exemplo não reconheço autoridade moral ao Presidente da República, em certas passagens do seu discurso oficial no 25 de Abril, além de não gostar da sonoridade das palavras que pronuncia. Mas isso não será defeito, mas antes feitio
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