José Pacheco Pereira publicou no Público de quinta-feira um interessante ensaio semiótico-interpretativo acerca dos "comentários" na blogosfera, "A fauna das caixas de comentários", dando particular atenção ao "anonimato". Como o Abrupto não tem "caixas de comentários", a não ser o mail do autor, socorro-me da edição do Eduardo Pitta - que também só tem mail - para colocar à consideração dos eventuais "comentadores" esta análise (não integral) de P. Pereira. Para além disso, o texto é um marco nas prosas de JPP já que, pela primeira vez, ele se refere ao blogue O Espectro, entretanto encerrado, com os seus extraordinários 484 comentários finais. Força.
"A Rede está a mudar tudo, a criar coisas novas, a realizar outras muito antigas que as tecnologias até agora existentes ainda não permitiam e a dar eficácia a velhos, e muitas vezes maus, hábitos que existiam no mundo exterior e agora passam para o mundo interior da Internet. Alguns casos recentes voltaram de novo a mostrar a Internet sob uma luz pouco amável, bem preconceituosa aliás, porque nada do que lá se faz se deixou de fazer cá fora. [...] A caixa de comentários tornou-se numa espécie de chat, que parasita a notoriedade do blogue, como já acontecera no Espectro com os seus finais 484 comentários, onde as pessoas se encontram numa pequeníssima “aldeia global”, que tomam como sua. O comportamento destas pessoas-em-linha é compulsivo, eles “habitam” nas caixas de comentários que são a sua casa. Deslocam-se de caixa para caixa de comentário, deixando centenas de frases, nos sítios mais díspares, revelando nalguns casos uma disponibilidade quase total para comentar, contracomentar, atacar, responder, mantendo séries enormes que obedecem [...] São, na sua esmagadora maioria, anónimos, mas o sistema de nick names permite o reconhecimento mútuo de blogue para blogue. Estão a meio caminho entre um nome que não desejam revelar e uma identidade pela qual desejam ser identificados. Querem e não querem ser reconhecidos. [...] Trocam entre si sinais de reconhecimento, cumprimentam-se, desejam-se boas férias, e formam minicomunidades que duram o tempo de uma caixa de comentários aberta e activa, o que normalmente dura pouco. Depois migram para outra, sempre numa tempestade de frases, expressando acordos e desacordos, simpatias e antipatias, quase sempre centrados na actividade de dizer mal de tudo e de todos. Imaginam-se como uma espécie de proletariado da Rede, garantes da total liberdade de expressão, igualitários absolutos, que consideram que as suas opiniões representam o “povo”, os “que não têm voz”, os deserdados da opinião, oprimidos pelos conhecidos, pelos célebres, pelos “sempre os mesmos”. São eles que dizem as “verdades”. Mas não há só o reflexo do populismo e da sua visão invejosa e mesquinha da sociedade e do poder, há também uma procura de atenção, uma pulsão psicológica para existir que se revela na parasitação dos blogues alheios. Muitos destes comentadores têm blogues próprios completamente desconhecidos, que tentam publicitar, e encontram nas caixas de comentários dos blogues mais conhecidos uma plataforma que lhes dá uma audiência que não conseguem ter. Não são bem Trolls, sabotadores intencionais, mas têm muitas das suas formas perturbadoras de comportamento. A sua chegada significa quase sempre uma profusão de comentários insultuosos e ofensivos que afastam da discussão todos os que ingenuamente pensam que a podem ter numa caixa de comentários aberta e sem moderação. Quando há um embrião de discussão, rapidamente morto pela chegada dos comentadores compulsivos, ela é quase sempre rudimentar, a preto e branco, fortemente personalizada e moralista: de um lado, os bons, os honestos, os dignos, do outra a ralé moral, os ladrões, os preguiçosos que vivem do trabalho alheio e dos impostos dos comentadores compulsivos, presume-se. O que lá se passa é o Faroeste da Rede: insultos, ataques pessoais, insinuações, injúrias, boatos, citações falsas e truncadas, denúncias, tudo constitui um caldo cultural que, em si, não é novo, porque assenta na tradição nacional de maledicência, tinha e tem assento nas mesas de café, mas a que a Rede dá a impunidade do anonimato e uma dimensão e amplificação universal. O que é que gera esta gente, em que mundo perverso, ácido, infeliz, ressentido, vivem? O mesmo que alimenta a enorme inveja social em que assentam as nossas sociedades desiguais (por todo o lado existe este tipo de comentadores), agravada pela escassez particular da nossa. Essa escassez não é principalmente material, embora também seja o resultado de muitas expectativas frustradas de vida, mas é acima de tudo simbólica. Numa sociedade que produz uma pulsão para a mediatização de tudo, para a espectacularização da identidade, para os “15 minutos de fama” e depois deixa no anonimato e na sombra os proletários da fama e da influência, os génios incompreendidos, os justiceiros anónimos, o “povo” das caixas de comentários, não é de admirar que se esteja em plena luta de classes."
Adenda: Afinal, o texto pode ser lido na íntegra no Abrupto onde JPP já o colocou.
"A Rede está a mudar tudo, a criar coisas novas, a realizar outras muito antigas que as tecnologias até agora existentes ainda não permitiam e a dar eficácia a velhos, e muitas vezes maus, hábitos que existiam no mundo exterior e agora passam para o mundo interior da Internet. Alguns casos recentes voltaram de novo a mostrar a Internet sob uma luz pouco amável, bem preconceituosa aliás, porque nada do que lá se faz se deixou de fazer cá fora. [...] A caixa de comentários tornou-se numa espécie de chat, que parasita a notoriedade do blogue, como já acontecera no Espectro com os seus finais 484 comentários, onde as pessoas se encontram numa pequeníssima “aldeia global”, que tomam como sua. O comportamento destas pessoas-em-linha é compulsivo, eles “habitam” nas caixas de comentários que são a sua casa. Deslocam-se de caixa para caixa de comentário, deixando centenas de frases, nos sítios mais díspares, revelando nalguns casos uma disponibilidade quase total para comentar, contracomentar, atacar, responder, mantendo séries enormes que obedecem [...] São, na sua esmagadora maioria, anónimos, mas o sistema de nick names permite o reconhecimento mútuo de blogue para blogue. Estão a meio caminho entre um nome que não desejam revelar e uma identidade pela qual desejam ser identificados. Querem e não querem ser reconhecidos. [...] Trocam entre si sinais de reconhecimento, cumprimentam-se, desejam-se boas férias, e formam minicomunidades que duram o tempo de uma caixa de comentários aberta e activa, o que normalmente dura pouco. Depois migram para outra, sempre numa tempestade de frases, expressando acordos e desacordos, simpatias e antipatias, quase sempre centrados na actividade de dizer mal de tudo e de todos. Imaginam-se como uma espécie de proletariado da Rede, garantes da total liberdade de expressão, igualitários absolutos, que consideram que as suas opiniões representam o “povo”, os “que não têm voz”, os deserdados da opinião, oprimidos pelos conhecidos, pelos célebres, pelos “sempre os mesmos”. São eles que dizem as “verdades”. Mas não há só o reflexo do populismo e da sua visão invejosa e mesquinha da sociedade e do poder, há também uma procura de atenção, uma pulsão psicológica para existir que se revela na parasitação dos blogues alheios. Muitos destes comentadores têm blogues próprios completamente desconhecidos, que tentam publicitar, e encontram nas caixas de comentários dos blogues mais conhecidos uma plataforma que lhes dá uma audiência que não conseguem ter. Não são bem Trolls, sabotadores intencionais, mas têm muitas das suas formas perturbadoras de comportamento. A sua chegada significa quase sempre uma profusão de comentários insultuosos e ofensivos que afastam da discussão todos os que ingenuamente pensam que a podem ter numa caixa de comentários aberta e sem moderação. Quando há um embrião de discussão, rapidamente morto pela chegada dos comentadores compulsivos, ela é quase sempre rudimentar, a preto e branco, fortemente personalizada e moralista: de um lado, os bons, os honestos, os dignos, do outra a ralé moral, os ladrões, os preguiçosos que vivem do trabalho alheio e dos impostos dos comentadores compulsivos, presume-se. O que lá se passa é o Faroeste da Rede: insultos, ataques pessoais, insinuações, injúrias, boatos, citações falsas e truncadas, denúncias, tudo constitui um caldo cultural que, em si, não é novo, porque assenta na tradição nacional de maledicência, tinha e tem assento nas mesas de café, mas a que a Rede dá a impunidade do anonimato e uma dimensão e amplificação universal. O que é que gera esta gente, em que mundo perverso, ácido, infeliz, ressentido, vivem? O mesmo que alimenta a enorme inveja social em que assentam as nossas sociedades desiguais (por todo o lado existe este tipo de comentadores), agravada pela escassez particular da nossa. Essa escassez não é principalmente material, embora também seja o resultado de muitas expectativas frustradas de vida, mas é acima de tudo simbólica. Numa sociedade que produz uma pulsão para a mediatização de tudo, para a espectacularização da identidade, para os “15 minutos de fama” e depois deixa no anonimato e na sombra os proletários da fama e da influência, os génios incompreendidos, os justiceiros anónimos, o “povo” das caixas de comentários, não é de admirar que se esteja em plena luta de classes."
Adenda: Afinal, o texto pode ser lido na íntegra no Abrupto onde JPP já o colocou.
19 comentários:
O Pacheco Pereira deve pensar que vive acima das classes, asssim como que evolvido por uma aura etérica.
Mas, afinal, o que é que este senhor produz em termos de PIB?
Esta análise mesclada de sociologismo, marxismo, psicologismo e arrogância, só pode ser própria de alguém que recebeu a comenda de Jorge Sampaio, mas que coitado, não passa de um néscio, com provas dadas de rancor, mesquinhez e de uma falsa «superioridade» intelectual face aos seus semelhantes.
O mais irritante em JPP é a pertinência dos assuntos abordados, a solidez dos argumentos, a estrutura do discurso. E no Abrupto revela uma faceta poética que não lhe era conhecida do grande público, para mais duma qualidade e sensibilidade que só podem indispor quem o abominava já. E sempre com uma regularidade diária absurda.
Depois, para acabar de matar de raiva, blindou o Abrupto privando-o duma caixa de comentários. Alguém imagina o que seria uma caixa de comentários do Abrupto? Pelo menos ele, JPP, imagina.
Tal como a medicina, também as «ciências» ditas sociais são mera adivinhação, com a agravante que nestas, não existem meios auxiliares de diagnóstico, o que torna o tema bastante inquietante e perturbador.
Neste contexto, quer o presente poste, quer o poste sobre as leis da blogosfera, ambos de JPP, não passam de um chorrilho de disparates, despidos de qualquer credibilidade científica, não passando de meros juízos opinativos, desprovidos da objectividade que o dito tanto apregoa, mas em que é tão hábil em torpeadar.
JPP jamais conseguiu encaixar o cometa «Espectro». Roubou-lhe o vedetismo internético, o protagonismo mediático, até aí indisputado. Este parece-me ser o busílis da crónica do Público de hoje. O resto é de somenos importância. De outra forma, como se compreende que tenha gasto tanto latim, a respeito de uma miseranda fauna ? Humano, demasiado humano, distinto JPP...
"O Espectro, entretanto encerrado, com os seus extraordinários 484 comentários finais"....
Citando o autor deste post, não percebo onde está a sua admiração ou será que não sabe que há determinadas parelhas de delinquentes, de artistas e outras profissões que tais, que têm o condão de atrair e provocar verdadeiras hostes, ávidas de polémicas absurdas?
Ora, o caso Espectro assenta que nem uma luva ao anteriormente exposto e não será excepção à "lei" da blogosfera.
Estou a ver que o camarada autor deste poste deixar-se-ia delumbrar, qual Miss Universo, se tivesse uma caixa de comentários repleta de tanto publiCUzinho....
É, sobretudo, uma forma de desacreditar tudo o que se possa dizer, ou, comentar, com que ele não concorde. ELE é a VERDADE ABSOLUTA e ÚNICA e, há quem, com menos meios, de todas as ordens, faça tão bem ou melhor do que ELE. Isso, é-lhe insuportável e depois vá de misturar tarados, pedófilos e canibais para justificar esse descrédito.
A ideia de que o JPP nunca falou no Espectro é absolutamente extraordinária uma vez que na sua coluna da revista SÁBADO fez referência expressa ao assunto, com fotografia e tudo!
Helena
...
... e , depois dos vários comentérios, que teci (ainda esta semana) directamente, a Rui Paula de Matos não deixa de ser “interessante” ... que este mesmo Sr. não só deixou de “comentar” neste BLOG, que é pena, como foi o 1º a responder a JPP (ao DEUS)
... “Curiosidades”
Olá boa tarde a todos, por acaso foi aqui no Portugal dos Pequeninos que li o artigo do Paceco em 1ª mão, e até citei isso lá na minha "tasca". Veremos, provav. o "deus" pp não vai responder a um anónimo como eu.
O meu Deus é mesmo Deus, mas Desse ninguém tem o nº de tm, presumo
Obrigado e bons posts.
Nota: Então e gostaram do dr. House ontem.., temos de escrever para a TVi e pedir que passem menos novelas e mais séries daquelas. Talvez assim ocorram - acidentes mortais nas estrad. portug. que infel/ não matam só jovens, m tb bébés e idosos. Fica a sugestão.
Bom fdsemana
está apenas a mostrar as penas do cu. deixem-no andar.
“Gosto de pouca gente e desconfio da natureza humana”
(João Gonçalves)
... e, para criar mais um pouco de “entropia” subscrevo a frase acima referida e inserida no post “A RAZÃO DE RATZINGER”, porque cada vez mais fico de pá atrás com os seres humanos que me rodeiam e, por consequência acabo tambem por gostar de muito poucas pessoas ...
... sempre fui assim, mas agora as pessoas conseguem desiludir, um pouco mais
... a anónima das "aspas"
... ou a "compulsiva" das "aspas"
... como queiram
a atitude do pachekinho parece-me algo paternalista, manipuladora e fundamentalista (sem intenção do próprio, parece-me).
isto porque parece haver uma contra-inveja, ou seja: enquanto eles se comentam uns aos outros não me lêm a mim, e eu é que sou o bom.
chegando ao ponto de quase afirmar que as mesas de café servem para nos sentarmos a dizer mal de outrém.
é estranho que não se veja nesses comentários uma opurtunidade de alargar horizontes, não só para o próprio pachekito, mas tb para a população em geral que bem precisa de ver coisas novas, ler ideias novas.
é claro que certas arrogâncias não lembram a ninguém, mas a arrogância depende da sensibilidade de cada um e de certa forma abreviando o que disse JG noutros post: "qui est l'exemple?".
é claro que isso não justifica a violência de certos comentários, mas pede prudência a quem passa a vida a falar dos outros, apesar de o fazer geralmente com bastante tacto e inteligência.
Daniel Gonçalves,
Não sei quem é, respeito o que aqui diz, mas não concordo, acho-o muito... pouco... preciso, desnecessário mesmo.
acho que no seu dicionário não sou ninguém.
acho a sua atitude muito pouco iconoclasta. e foi muito menos preciso do que eu que, pelo menos, tentei justificar-me, ao contrário do que o meu caro e.kon fez,e, justificar-me mais seria perfeitamente entediante, (ou ainda mais entediante).
já agora, deixe-me dizer-lhe que não concordamos, talvez, por uma questão de diferença de valores pessoais, uma questão de princípios, o que é, a meu ver, perfeitamente legítimo e até desejável.
por outro lado, pode estar a defender o jpp por falta de iconoclastia, mas isso é, talvez, impressão minha.
Seria interessante saber porque é que os posts em defesa das posições do JPP estão a ser cortados em vários blogs muito defensores da liberdade de expressão?
Daniel Gonçalves,
Desculpe se não compreendi bem o seu comentário, mas o que eu quis dizer é que o que diz é um pouco contraditório e pouco nítido.
ao anónimo anonyme:
Que eu saiba ninguém tem feito comentários para defender as posições de JPP, que nem são defensáveis, no entanto, posso afirmar, que fui vítima de censura no abrupto por um e-mail que não só não foi publicado, como nem foi citado, e, pera surpresa minha, o primeiro dos dois comentários feito na O. das Espécies, foi suprimido... afinal quem é que censura ?
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