26.3.06

A FRANÇA

O João Morgado Fernandes não me vai levar a mal por eu reproduzir aqui na íntegra este seu post. Finalmente alguém se pronuncia contra o desvario anti-francês que tomou conta de tanto "espírito" dito "liberal", neoconservador e modernaço que olha para o mundo com uns binóculos exclusivamente anglo-americanos. Eu estou à vontade porque gosto por igual de ambas as tradições, sendo certo que, tradições, tradições, só mesmo a França as tem já que, mal ou bem, possui uma "história". Chirac, aliás, é irrelevante nela.

"Na recente cimeira europeia, em Bruxelas, um senhor francês que falava em nome dos empresários europeus decidiu dirigir-se aos líderes dos 25 em inglês. Jacques Chirac perguntou-lhe porque, sendo ele francês e sendo o francês uma das línguas oficiais da UE, falava em inglês. Respondeu que o fazia porque o inglês é a língua dos negócios. Chirac saiu da reunião.A atitude de Chirac foi criticada um pouco por todo o lado [João Cândido da Silva, por exemplo, no Público].É curioso como tudo o que a França faz hoje em dia é visto numa perspectiva de cinismo, recorrendo a um pensamento pré-formatado, em que permanentemente se enaltece tudo o que não é europeu. Não teria Chirac razão? Não assistimos no passado a polémicas deste tipo, mas por razões inversas?Pacheco Pereira, na Sábado, escreveu um artigo chamado A França irreformável que é outro bom exemplo do que digo. A França está em declínio porque em todo o mundo se corre mais rapidamente para o liberalismo, indistintamente económico ou político. Mas porque será esse tal liberalismo mais saudável que o tal «modelo social europeu» de que a França será o exemplo? Quem o escreve não explica.Curioso, também, é que, ao mesmo tempo que se critica o imobilismo de França, critica-se igualmente as suas tentativas - patéticas, dizem - de fazer algo para travar o alegado declínio. Quando a França lidera uma quimérica tentativa de lançar uma CNN europeia, não deveríamos ficar todos satisfeitos? Ou será preferível a existência de uma televisão global única? Quando a França luta legalmente contra as estratégias monopolistas do iTunes, não deveríamos estar agradecidos? Não está a França a fazer o que os EUA fizeram antes com a Microsoft? Não ficaremos todos a ganhar se a Apple não prosseguir essas tendências monopolistas?O jargão anti-francês que domina certas correntes do pensamento não será, antes, uma rendição a uma visão simplista da realidade?"

7 comentários:

António Viriato disse...

Tem razão: o pensamento neo-liberal, pretensamente moderno, evoluído, vanguardista, todo ele hoje se pavoneia, criticando a cultura francesa e até o uso da Língua Francesa, normalmente, na medida em que ignora uma e outra.À força de tanto ostracizarem a cultura francesa, desvalorizam aquilo que, mesmo os americanos, supostamente os adorados modelos desses neo-liberais, afinal, apreciam e respeitam, ainda que não o declarem expressamente. Chirac, que está longe de poder considerar-se um ícone da França, de qualquer ponto de vista imaginado, fez muito bem em reagir daquela maneira à insensatez do seu compatriota. Se queremos afirmar a nossa língua e a nossa cultura, numa altura em que uma outra, a de língua inglesa, se pretende impor de forma absolutamente hegemónica, por vezes arrogante e desrespeitadora das demais, não faz sentido que sejam os próprios representantes do poder político das culturas subalternizadas que abdiquem do uso e da defesa das suas próprias culturas. Além do mais, que ganharemos nós, cidadãos europeus, com o domínio absoluto da monocultura anglo-saxónica actual ? Acaso não veremos aqui o empobrecimento cultural em que desnecessariamente estaremos a cair ? Uma coisa é adoptar como língua prática de comunicação, espécie de Lingua Franca de nossos dias, o inglês, por facilidade de comunicação geral, outra é desprezarmos a nossa própria língua, obra de séculos de culto de muitos esmerados espíritos. Demais, a maioria dos falantes internacionais do inglês, como língua não materna, metralha um idioma pobre, de limitado vocabulário, de baixo quilate, pouco mais que tosco e grosseiro, aquilo a que alguns britânicos já apelidaram de continental english, muitas vezes de difícil percepção para os ingleses e para os que, com eles, esforçadamente aprenderam o idioma de Shakespeare.

João Gonçalves disse...

Este seu comentário devia estar convertido em post. Por que não pô-lo na sua Alma Lusíada? Volte mais vezes.

António Viriato disse...

De acordo. Vou tentar retocá-lo e inseri-lo no Alma Lusíada, se lograr ocasião apropriada. Por vezes, alongo-me nos comentários a textos que me estimulam. Faço-o sem qualquer intenção exibicionista, apenas motivado pelo gosto de trocar ideias, à maneira de um livre-pensador, sem avental, nem pretensões. Discordo bastante do suposto decálogo de JPP sobre o comportamento dos bloguistas. Luto com falta de tempo para elaborar artigos mais cuidados, por isso, com frequência, opto por comentar textos que me despertam interesse, ainda que me levem para caminhos divergentes.Já costumo passar por aqui; bastas vezes, com agrado. Continuarei a fazê-lo. Boa semana de inspirados artigos.

e-ko disse...

Já foi dito que a figura do Chirac é irrelevante, não acrescento nada sobre isso. Agora, quanto à questão da defesa da língua francesa, não só os franceses têm razão em defender o seu uso e posição na UE e não só, como deveríamos, nós, ter o cuidado de não nos gargarizarmos, em permanêcia, com palavras e frases inglesas que muitos dos nossos concidadãos não compreendem. É aqui que vejo a maior arrogância, nesta forma de estar, finalmente, subserviente e provinciana.

e-ko disse...

Acrescento: gostei e concordo com o comentário do António Viriato.

Anónimo disse...

... obrigada António Viriato

António Viriato disse...

Já está cumprida a promessa acima esboçada : o comentário deu origem a uma esforçada crónica no meu Alma Lusíada, que, espero, alcance a boa fortuna que, afeiçoadamente,lhe desejei.