31.3.06

UM LIVRO


Acentos, de Fernando Gil (Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2005). Reúne textos de diversas proveniências e entrevistas, permitindo obter uma visão lata do pensamento de um dos nossos melhores filósofos contemporâneos, recentemente desaparecido.

COSTA & COSTA

A acreditar nos textos de alguns jornais, parece que existe uma luta em surdina entre os dois Costas do governo por causa da Judiciária. Acontece que Costa, António, é tão somente o "número dois" do executivo e uma espécie de predador ministerial. Dá ideia, aliás, que o epíteto de ministro de Estado significa poder mandar livremente, e por delegação directa de Sócrates, nos seus colegas. Isso tem como consequência óbvia mais poder político e mais visibilidade, quase um supra-Sócrates. O que é certo é que Costa, António, manda e que Costa, Alberto, não manda nada. Se mandasse, a direcção da PJ, independentemente da bondade das suas razões e das suas "ameaças", já teria sido sumariamente despedida. Nada pior para uma instituição com as prerrogativas da PJ do que manter por muito mais tempo esta instabilidade larvar propiciada pelos constrangimentos financeiros e pelas estratégias "políticas" de cada um dos "intervenientes". Esta disputa doméstica, entre a Justiça e a Administração Interna, não é politicamente saudável. Entre os dois Costas, é bom que Sócrates se decida rapidamente. É que há mais vida para além deles.

ATÉ QUANDO?

Leio no Independente que Marco António Costa, cacique "laranja" do Porto, "desistiu" de se candidatar à liderança do PSD. Também Luís Filipe Menezes, uma eminência nortenha do partido, não está disponível para se travar de razões com o líder na escolha a efectuar nas "directas" de Maio. Quando pensamos num partido que já foi chefiado por pessoas como Francisco Sá Carneiro, Mota Pinto ou Cavaco Silva, custa a engolir, a não ser a título trágico-cómico, que a estas pequenas figuras de proa da nomenclatura mais básica possa ter ocorrido a ideia de ocuparem o cargo de presidente do maior partido da oposição. É um sinal terrível do que espera o PSD Nos próximos anos. A coisa está de tal maneira que, por mera caridade cristã, é forçoso concluir-se que Marques Mendes ainda é o menos mau, ou seja, o melhor do que não presta. Quem é que, dentro do PSD, tem coragem para dizer que o estilo torrencial de boas novas anunciadas constantemente pelo primeiro-ministro - como se não governasse num país de penúria e de sombras -, é duvidoso, mas de sucesso garantido? Eu sei que não é fácil competir com um Sócrates perfeitamente social-democrata e grande especialista em marketing político, e do bom. De vez em quando Marques Mendes tenta regurgitar umas "propostas temáticas" a quem ninguém, muito justamente, liga. Até quando irá Mendes suportar este calvário, até quando?

30.3.06

O PRACE


Ao primeiro-ministro sobra tempo para, entre outras coisas, sonhar em voz alta. Em apenas uma semana - pode ser que amanhã ainda ocorra alguma surpresa - tivemos o "Simplex" e, agora, o "PRACE", Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado. Convém lembrar a quem pense que há aqui muita originalidade e imaginação que este "PRACE" era um projecto iniciado sob a vigência da dra. Ferreira Leite e que este governo se limitou a concluir, pelo menos no plano das intenções e dos mapas. Até ao final de Junho, se bem percebi, as "reestruturações" terão que estar feitas. É claro que pago para ver, no duplo sentido do termo. Isto é, espero que se concretizem e, como contribuinte, pago-as efectivamente. Às vezes, mas deve ser defeito meu, fico com a sensação de que há por aí demasiada areia para algumas camionetas. Nalguns casos mais valia explicar direitinho que, mais do que "reestruturar", o que está fundamentalmente em causa é o défice. Parte do "Simplex", o "PRACE" e as regras de avaliação dos funcionários públicos, por exemplo, são instrumentos ao serviço do controlo do défice, mais do que propriamente grandes "reformas" estruturais do Estado "a que isto chegou". Como diria a minha padeira, oxalá tudo corra pelo melhor e saudinha é que é preciso.

PARIDADE MISÓGINA

A lei da paridade vai hoje ser discutida. Este governo, de facto, tem-se revelado a materialização do charme político. Não há nada mais sublime que esta atitude vaporosa de magnificência moral no sentido do engano. Por via de uma lei, pretende-se que a mulher seja integrada na vida política, em massa, para que a igualdade dos sexos suba mais um degrau na escala da conquista e, nesse sentido, calculam-se as mulheres e a sua participação em percentagem. Nada mais laudatório de qualquer capacidade intelectual da criatura feminina. Devem ser interpretações da costela do homem, como Oscar Wilde as fez: My dear boy, no woman is a genious. Women are a decorative sex. They never have anything to say, but they say it charmingly.Women represent the triumph of matter over mind, just as men represent the triumph of mind over morals . Misóginas, e pouco dadas à paridade. Posso sugerir? Criaturas pensantes, chega.

JOGO DA CABRA-CEGA

Eu não tenho nada contra as "reformas". Aliás, iniciei-me nas coisas públicas ao lado do Manifesto Reformador numa altura em que muitos dos actuais arautos da "modernidade" estavam caladinhos. Digo isto porque vejo os "liberais" e os militantes anti-Estado rebolarem-se de gozo cada vez que se anuncia uma machadada no status quo, sem sequer perceberem o alcance da maior parte dos anúncios. As fusões e as alterações que estão a ser preparadas na orgânica governamental, primeiro, e dos serviços tutelados, depois, não pode ser um mero jogo da cabra-cega. A falada "falência técnica" e financeira da Polícia Judiciária, por um lado, e a "disputa" pela sua tutela, por outro, só têm uma conclusão plausível, o seu progressivo enfraquecimento. É inaceitável que, por causa das vaidades políticas e da crónica falta de dinheiro, se ande a brincar perigosamente aos polícias. Depois não se queixem.

"VENHAM VIVER PARA A AMADORA"

De José Medeiros Ferreira, no Bicho Carpinteiro. "A retirada de serviços públicos e a sua concentração nos grandes meios populacionais tem a lógica de tornar Portugal num país de Cidades-Estado, mas sem Estado nacional digno desse nome , e certamente sem as suas funções."

IMPRESSIONAR

Para sobreviver, qualquer povo precisa de ilusão e de um pouco de magia. De vez em quando há circo para o povo - a Expo, o Euro, o Mundial , por exemplo - e, quando não há nada para mostrar, anunciam-se grandes coisas como a OTA, o TGV ou a banda larga. Dia sim, dia não, o governo publicita "medidas" e "investimentos" para a legislatura. Depois da burocracia, foi a vez da ciência vir a ser bafejada com massa graúda, devidamente propalada pelo primeiro-ministro. Eu aplaudo o cuidado posto nestas matérias em vez do tradicional betão. Todavia interrogo-me por que é que simultaneamente a polícia de investigação criminal, a PJ, não consegue executar nem sequer 40% do seu orçamento, para além de outras questiúnculas de partilha de poderes com outras "autoridades". Tudo chegou aparentemente a um ponto em que a própria direcção nacional da PJ pondera demitir-se. Não devemos ter mais olhos que barriga. Se não conseguimos cuidar de assuntos mais comezinhos, como é que nos aventuramos em reluzentes façanhas financeiras que não param de nos impressionar? É só para isso, para impressionar?

29.3.06

LER OS OUTROS

Sobre a queda na venda e na leitura de jornais, José António Barreiros resume o essencial: "Acho que as pessoas não lêem só por uma razão: preferem ver na TV. Ali há uma vantagem, a notícia passa mais depressa e vai-se embora num instante. Além disso, pode-se ir lavando a loiça, gritar com os miúdos ou cortar as unhas dos pés."

O SIMPLEX - 2


Anteontem perguntava-se aqui se os cérebros do "Simplex" estariam mesmo certos do país em que vivem. No suplemento de "economia" do Diário de Notícias vem a resposta. A iliteracia funcional, o envelhecimento e o baixo poder de compra são as principais ameaças ao sucesso do programa. Perto de 900 mil portugueses continuam analfabetos simples e a taxa de analfabetismo funcional atinge cerca 44% da população, o que dá a ideia do à vontade com que estas pessoas lêem e preenchem formulários, quanto mais em versão electrónica. Depois, cerca de 16% da população residente tem mais de 65 anos de idade, poder de compra diminuto e, logicamente, uma indiferença quase bestial à internet e aos computadores, cuja "linguagem" lhe é absolutamente desconhecida. Finalmente, até a percentagem de utilizadores pessoais de computadores com ligação à "net" a partir de casa é apenas da ordem dos 16% - basta atentar nos preços praticados para o acesso à famosa "banda larga" - apesar de 34% possuírem computador, segundo dados do Eurostat para 2004. Vale a pena dizer mais alguma coisa?

ISTO

Paris "arde". Aqui nunca "arde" nada. Somos uns songamongas. Fomos poupados a todas as guerras, a todo o sangue, a todo o suor. Até o 25/4 foi feito com... flores. Existimos pela graça da nossa etérea bovinidade. Não sabemos dizer "não" a nada, nem que seja só pelo prazer de o dizer. A "massa" só se dá a conhecer nos jogos da bola. Antes assim. Nada pior que matilhas tresmalhadas ou carneiros perdidos pela ruas. Um país de salazarentos, mais do que de Salazar propriamente dito, é uma herança civilizacional pesada na qual não se conhece a força do contraditório e do conflito. Somos apenas isto.

28.3.06

D. MARGARIDA

A sra. D. Margarida Rebelo Pinto, que usa o epíteto de "escritora", interpôs uma providência cautelar "com a finalidade de impedir a distribuição e venda da obra Couves & Alforrecas: Os Segredos da Escrita de Margarida Rebelo Pinto", de João Pedro George. Este livro resulta de uma série de posts editados no Esplanar nos quais se analisava, detalhada e criticamente, a "prosa" da senhora recolhida da sua "obra completa". É claro que não falamos de literatura quando falamos de Margarida Rebelo Pinto, mas há muito boa gente equivocada no meio do lixo. A senhora e a sua editora alegam que, depois dos textos de João Pedro George, "as vendas sofreram uma forte quebra" o que constitui manifestamente uma enorme perda para a humanidade, como se calcula. O editor foi mais longe e falou em "ofensas" que não são "próprias de um estado de direito". Vai daí, achou por bem recorrer ao velho esquema da censura por interposta providência cautelar, destinada não só a apreender todos os livros eventualmente já cá fora, como, e sobretudo, a evitar que cheguem a sair. O respeitinho é muito bonito e, para não fugir ao esprit du temps, a sra. D. Margarida também parece estar preocupada com a licenciosidade e com a pouca vergonha. E diz ela que é escritora. Porra.

LER OS OUTROS

No Blasfémias, a dissecação do "Simplex" com recurso à história. Por exemplo, já em 1997, nos tempos do bonzinho Guterres, se prometiam caixas de correio electrónico para todos bem como o Diário da República "à borla" online.Também no Bloguítica, "Prova dos Nove" e "Central de Comunicação".

I SMELL SEXY

Uma das almas penadas do "portismo", o dr. Pires de Lima, lembrou-se de dizer que o CDS tinha de ser um partido "sexy", supôe-se que em oposição à sexualidade "branca" imprimida pela linha oficial de Ribeiro e Castro. Acontece que ocorreu a Ribeiro e Castro dar-se a si próprio um arzinho "sexy" e "entalar" a banda resmungona do grupo parlamentar com um congresso extraordinário. E Paulo Portas, o cínico presente-ausente da SIC Notícias, também deu um contributo para a teoria "sexy" do CDS, exibindo não apenas uma retórica adequada ao habitual fatinho às riscas - devidamente secundada por uma subserviente Clara de Sousa -, como umas másculas patilhas à agricultor da CAP que muito devem ter impressionado os seus epígonos. A "direita" está de férias forçadas e isso permite-lhe asneirar à vontade. Cavaco e Sócrates, para já, agradecem.

27.3.06

LITERACIA

Li algures que foi aberto um concurso para as universidades e os institutos equiparados fornecerem cursos específicos para os dirigentes da administração pública. De acordo com o governo, aos referidos dirigentes faltar-lhes-á esta "formação" suplementar para aí, sim, poderem exercer as respectivas funções com suposta competência. Desde tempos imemoriais - que precedem a ditadura e a democracia - que o Estado abriga invariavelmente "chefes" de diversa proveniência, com carreira, sem carreira, com mérito pessoal e profissional ou sem ele, distintos "amigos" ou ilustres desconhecidos. Não é à falta de possuírem um curso suplementar que essas almas exercem melhor ou pior os seus cargos. Existe um problema prévio de perfil, para recorrer ao lugar-comum. É tão simples quanto isto. E não adianta enfiar-lhes cursinhos pela cabeça adentro. Convém, aliás, assegurarem-se primeiro de que alguns deles efectivamente a têm.

QUANDO FOR POSSÍVEL

O programa “Simplex” do governo não é, de todo, má ideia. Como já tinha referido, os problemas são vastos no que respeita ao modo como se pretende poupar papel e o ambiente. O novo “dossier” de “regras” terá o garante que lhe compete de acordo com o grau de competência com que for empregue. Não vale a pena criar ilusões aos portugueses. Chegará, e ainda bem, mas a seu tempo. Quando a realidade burocrática dos espíritos deixar.

O SIMPLEX


O primeiro-ministro apresentou o "Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa" que leva um nome parecido com o de um detergente para a loiça, "Simplex 2006". O "programa" é manifestamente louvável e, na sua generosa intenção, prevê um conjunto de medidas que, a ser posto em prática, deixa muito do Estado à porta dos cidadãos. Aliás, Sócrates socorreu-se de uma expressão feliz quando esclareceu que a "grande ambição deste programa" era "pôr fim à era do Estado desconfiado que fiscaliza todos os actos e que acredita existir uma solução burocrática para cada problema". É pena que este zelo verdadeiramente liberal do chefe do governo não seja prosseguido noutras coisas e que, em tantos aspectos das nossas vidas pessoais e profissionais, continuemos a ser tratados como perfeitos idiotas por quem exerce um qualquer módico, mesmo que miserável, de autoridade. Não é por causa destas 333 "medidas" que vamos deixar de olhar para o Estado sem desconfiança. Com a nossa maldita tradição, jamais o Estado poderá ser um "parceiro" confiável e estimável. Existe por detrás de tudo uma "máquina" alimentada por homens e mulheres que não estão dispostos a, do pé para a mão, abdicarem das suas pequeninas prerrogativas e dos seus pequeninos poderes. Nessa matéria, o "Simplex" é, seguramente, demasiado simples e porventura ingénuo. Sobretudo quando vê nos dados electrónicos e na Internet a varinha mágica para combater a burocracia. Será que os cérebros do "Simplex" estão mesmo certos do país em que vivem? Esperemos para ver, como dizia o cego.

A MECÂNICA DOS FLUIDOS

Este texto do Eduardo Pitta é de uma subtileza atroz. Pressenti a que é que se referia e hoje, lendo outra coisa noutro local, percebi que acertei. Se a "piadola soez" veio de onde eu penso que veio - e o que li hoje aparentemente confirma-o -, equivale a escarro. Todos os pequenos poderes deste mundo não valem que se atire a honorabilidade de ninguém aos cães, como uma vez disse Mitterrand. Muito menos pelos grotescos trejeitos de dois ou três mal educados. "Portugal não muda. É pena."

OUTRORA vs O QUE VIRÁ

A agenda permite-nos variar e, nesse sentido, recordo a saúde com ligação rápida e instantânea para os negócios nela existentes. Quando se falou em atrasos públicos e colaborações “estratégicas” privadas ouviram-se logo as opiniões fortes da ala “pseudo-liberal-independente” constituída pela população empresária. Como lhes competiu, fizeram o favor de dizer que o argent estatal tinha a melhor utilidade no lado privado da saúde, para que todo o português conseguisse rapidamente operar a hérnia ou abortar sem morrer enquanto atura a morosidade especializada. Portanto, o queixume parou quando se teve oportunidade de deixar a mão encovada. Não tarda, quando o ministro da saúde deixar a sua indecisão sinuosa, e dependendo de como resolver a questão, estes senhores voltarão à baila. Por enquanto repousam na poltrona da sua mini-importância.

LEITURA

"Um estado moderno com propriedades totalitárias..." No Canhoto, de Rui Pena Pires.

26.3.06

A FRANÇA

O João Morgado Fernandes não me vai levar a mal por eu reproduzir aqui na íntegra este seu post. Finalmente alguém se pronuncia contra o desvario anti-francês que tomou conta de tanto "espírito" dito "liberal", neoconservador e modernaço que olha para o mundo com uns binóculos exclusivamente anglo-americanos. Eu estou à vontade porque gosto por igual de ambas as tradições, sendo certo que, tradições, tradições, só mesmo a França as tem já que, mal ou bem, possui uma "história". Chirac, aliás, é irrelevante nela.

"Na recente cimeira europeia, em Bruxelas, um senhor francês que falava em nome dos empresários europeus decidiu dirigir-se aos líderes dos 25 em inglês. Jacques Chirac perguntou-lhe porque, sendo ele francês e sendo o francês uma das línguas oficiais da UE, falava em inglês. Respondeu que o fazia porque o inglês é a língua dos negócios. Chirac saiu da reunião.A atitude de Chirac foi criticada um pouco por todo o lado [João Cândido da Silva, por exemplo, no Público].É curioso como tudo o que a França faz hoje em dia é visto numa perspectiva de cinismo, recorrendo a um pensamento pré-formatado, em que permanentemente se enaltece tudo o que não é europeu. Não teria Chirac razão? Não assistimos no passado a polémicas deste tipo, mas por razões inversas?Pacheco Pereira, na Sábado, escreveu um artigo chamado A França irreformável que é outro bom exemplo do que digo. A França está em declínio porque em todo o mundo se corre mais rapidamente para o liberalismo, indistintamente económico ou político. Mas porque será esse tal liberalismo mais saudável que o tal «modelo social europeu» de que a França será o exemplo? Quem o escreve não explica.Curioso, também, é que, ao mesmo tempo que se critica o imobilismo de França, critica-se igualmente as suas tentativas - patéticas, dizem - de fazer algo para travar o alegado declínio. Quando a França lidera uma quimérica tentativa de lançar uma CNN europeia, não deveríamos ficar todos satisfeitos? Ou será preferível a existência de uma televisão global única? Quando a França luta legalmente contra as estratégias monopolistas do iTunes, não deveríamos estar agradecidos? Não está a França a fazer o que os EUA fizeram antes com a Microsoft? Não ficaremos todos a ganhar se a Apple não prosseguir essas tendências monopolistas?O jargão anti-francês que domina certas correntes do pensamento não será, antes, uma rendição a uma visão simplista da realidade?"

A "PARIDADE"

Um dos temas mais imbecis que anda no ar é seguramente o da "paridade". O termo, por si só, já é irritante. Lembro-me de Manuel Alegre, na campanha presidencial, com a sua voz tonitruante, invocar a "paridade" contra Cavaco sob o olhar enlevado das mulheres "alegristas", muitas por sinal. Esta é manifestamente uma falsa questão que obriga a dar asas a outra ainda mais ridícula que é a das "quotas". A má consciência política e dos "costumes" produz destas aberrações. A qualidade e a quantidade de mulheres que participam na vida política activa jamais deviam estar dependentes de um critério sexista. Uma mulher - ou um homem - não são melhores "políticas" ou "políticos" por serem mulheres ou homens. Ou são ou não são, independentemente do número e do sexo. A ideia das "quotas" amesquinha as mulheres, embora se comprazam todos e todas nessa falácia. Não é por existirem mais mulheres na vida política activa que a "paridade" vale a pena. Até podia haver mais mulheres do que homens ou mesmo nenhuma, ou vice-versa. A maturidade cívica e política de um agente representativo não se mede nem pelo sexo nem pela "paridade". Não é preciso andar para aí a berrar a diferença e o consequente "direito" à igualdade. Para este peditório, estamos fartinhos de dar.

EMINÊNCIAS

O dr. Mega Ferreira, uma eminência "cultural" do regime, deu uma entrevista ao Diário de Notícias. Nela derrama a sua "visão" sobre o Centro Cultural de Belém, que administra desde o dia imediato à derrota do seu candidato presidencial. Parece que se prepara um "hotel de luxo" para a parte não concluída da estrutura e que Mega aspira, como não podia deixar de ser, à "qualidade" dos produtos que o CCB, semi-falido e ultimamente desprovido de grande imaginação, deve apresentar. Na sua (i)modéstia, Mega diz estas coisas fantásticas: "Não atendo pedidos de socorro, não tenho vocação para bombeiro nem para político de carreira. Não aceitei ser ministro nem deputado... Sou de projectos. Gosto de pegar em coisas, imaginar, conceber e realizar. Quando a ministra me convidou só perguntei se tinha "carta branca para concluir o projecto CCB", construir os módulos 4 e 5. Ela respondeu "com certeza", e aceitei." Vêem como ele respira? Não aceitou ser ministro nem deputado, o que quer dizer que lhe passou pela cabeça e pela cabeça de alguém. Todavia, não tem "vocação para político de carreira". Salvo o devido respeito, e para além das indesmentíveis qualidades da criatura, Mega não tem feito outra coisa, desde que largou o jornalismo, senão uma carreira que representa escolhas políticas. Ou a ida para a Expo, por exemplo, foi fruto do acaso? Ou a presidência do CCB, agora? Ou o apoio tardio a Mário Soares, depois de Zenha em 86? O regime não passa sem figuras pardas como o dr. Mega, tal como durante anos a fio não passou sem o seu antecessor, Fraústo da Silva. Há mais por aí.

25.3.06

EXPULSOS

O governo federal do Canadá decidiu expulsar os imigrantes em situação ilegal. No turbilhão foram "apanhados" centenas, se não milhares, de emigrantes portugueses que não trataram de legalizar a sua presença no Canadá, apesar de lá trabalharem há vários anos. Onde quer que estejamos, tendemos a levar connosco a nossa extrema badalhoquice. Neste caso, nada justifica que os portugueses, sobretudo os que têm família constituída, não tivessem providenciado para, em devido tempo, se legalizarem. Agora choram, fazem abaixo-assinados inúteis e, obviamente, as malas. Parece que há quem goste de passar vergonhas desnecessárias. Admiram-se de quê?

HOUSE DOMÉSTICO

Quase três anos depois de ter começado esta aventura bloguística, decidi convidar dois amigos de diferentes gerações para "enriquecer" o Portugal dos Pequeninos. Este é um blogue livre e "liberal". Eles escreverão o que quiserem e como quiserem. Eu continuarei na mesma, uma espécie de House com uma pequena equipa. Pode ser que venham mais.

HOUSE - 2


House não é só Gregory House/Hugh Laurie. Também existe este australiano, o dr. Chase/Jesse Spencer que, para além do bom aspecto, "dá luta" ao teimoso protagonista que parte sempre do princípio que somos todos mentirosos.

24.3.06

A ALMA DO ESTADO

Esta semana falou-se mais de função pública e do Estado do que o costume. Desde logo porque parece que está pronto um relatório de uma comissão qualquer que ingenuamente pretende extinguir e fundir serviços públicos e, imagine-se, acabar com uma série de chefias, como se elas se deixassem “morrer” assim, friamente. Depois, num outro estudo, ficou a perceber-se “em teoria” o que já se sabia “na prática”: que os funcionários públicos portugueses foram os que mais poder de compra perderam na zona “euro” quando comparados com os congéneres próximos. Finalmente houve a percepção de que triplicaram os “pensionistas” do Estado com reformas superiores a quatro mil e muitos euros, destacando-se os provenientes da área da Justiça. Passa-se isto tudo no mesmo país das OPA’s e das contra-OPA’S multimilionárias que fazem o ministro que tutela a administração pública rejubilar de “confiança” na economia. Se, afinal, a “reforma” do Estado ficar vagamente pelo caminho, imolando as suas pequenas vítimas mais desprotegidas e menos reivindicativas, e as OPA’s, com a consequente especulação bolsista de resultados sempre duvidosos, também se perderem na bruma dos gabinetes dos banqueiros, então terá havido demasiado ruído por nada. Todavia o governo tem sempre uma consolação, o fantástico “cartão único” do dr. Costa. De uma assentada, o Estado apropria-se da nossa identidade como se se tratasse de um shampoo multiusos. Quatro ou cinco documentos de identificação pessoal são dissolvidos num “chip” que imediatamente nos pôe a nu perante a “autoridade”, qualquer autoridade. Num país de tradição intimidatória e inquisitorial, pouco dado a liberalismos, o democrático “cartão único” não podia vir mais a propósito. Se passar no Parlamento - já que ninguém, a não ser meia dúzia de lunáticos, parece incomodar-se com a sua emergência – tal significa que os nossos deputados não estão muito preocupados em se erguerem das cadeiras por causa das suas e das nossas liberdades. As “reformas” anunciadas no Estado, as contradições na administração pública. os namoros bancários e o cartãozinho mágico, são árvores que não deixam ver a floresta de enganos em que vivemos. Não é por muito se “imaginar” que a economia medra. E, às vezes, é por demasiada “criação” que a liberdade diminui. Venha o Diabo e escolha.

(publicado no Independente)

GRAHAM GREENE


José António Barreiros não é apenas o advogado da Casa Pia ou do dr. Vale e Azevedo. Também "investiga" e escreve. Gosta de espionagem e das histórias da dita de outras eras, quando Portugal era um ninho para os agentes secretos deste mundo. Descobri aqui e aqui um interessante texto seu sobre Graham Greene. Quem diria.

PAÍS REAL

"Dois países da antiga Europa de Leste à nossa frente em riqueza por Habitante. Desde 1999, caímos de 14º para 18º lugar na Europa a 25."

in Público

NÃO

O PS, em matéria de regionalização, vai tentar meter pela janela o que não conseguiu fazer passar pela porta. De acordo com o dr. Junqueiro, uma notablidade do grupo parlamentar socialista, a dita regionalização deverá primeiro "avançar no terreno" - cinco regiões em vez das sete chumbadas em 1998 - e seguidamente referenda-se. Esta decisão original daria depois lugar à figura do "governador civil regional" em substituição dos actuais dezoito, a única ideia razoável desta história. O PS quer à viva força "desforrar-se" dos resultados dos dois únicos referendos realizados até hoje. Em Setembro propôe o do aborto e, pelos vistos, seguir-se-á um outro sobre uma regionalização entretanto posta em prática. O país é pouco mais do que uma pequena caixa de fósforos. Não precisa de mais "divisões" sustentadas por mais burocracia. Assim, para além dos caciques autárquicos, teríamos os suseranos regionais, coisa que só de pensar nela me dá arrepios. Esta ideia manhosa do "faz-se agora" e legitima-se depois é perigosa. Para o PS, naturalmente. Arrisca-se a ficar com o mesmo resultado de há oito anos.

23.3.06

SE CONDUZIR, NÃO TOME

O governo parece apostado em controlar todos os nossos passos. Depois do "cartão único", chega a "regulamentação" do Código da Estrada nazi. Entre outras "novidades", prevê-se "a introdução de testes rápidos na fiscalização de condutores sob efeito de substâncias psicotrópicas". Esses "testes rápidos" - realizados, presume-se, em plena estrada e ao ar livre - são realizados "numa amostra de urina, saliva ou suor e só no caso de ser positivo se submeterá o indivíduo a um exame de confirmação em amostra de sangue". Como uma grande maioria de portugueses consome relaxantes, tranquilizantes e anti-depressivos, entre outras coisas, para suportar a arrogância dos "agentes da autoridade" que adoram vasculhar as nossas viaturas e esconder-se atrás das moitas e das árvores, esta "inovação" promete. O Código da Estrada do dr. Costa, agora "regulamentado", não evita o pior. Os condutores assassinos ou suicidas continuarão impávidos e serenos a matar e a matar-se onde calhar. Eu apenas reclamo o meu direito a tomar os Prozac's ou os Lexotan's que me aprouver sem correr o risco de ser incomodado por uma qualquer brigada policial não só de trânsito como de costumes. Mais vale proibirem-me de mexer no carro. Lá chegaremos.

VIOLÊNCIA

Isto anda assim: aparentemente calmo mas pronto a disparar à primeira provocação. Este rapaz, por exemplo, tem um bar, uma família e serve café americano na maior tranquilidade. E em apenas hora e meia de filme é capaz de "despachar" dez almas sem pestanejar. É obra.

22.3.06

O "ESTADO DA ARTE"...

... do dr. Portas visto magnificamente por Fernanda Câncio. Aquilo não "cola" e, de facto, não é preciso dizer mais nada. "mas lá está, ninguém foge à sua natureza, e a de portas não é de grand seigneur, é de puto rebelde com manias. nenhum grande senhor cheio de serenidade e de desprezo pela politiquice seria apanhado a dizer "sei o peso que as minhas palavras têm". aliás, como é óbvio, ninguém cujas palavras tenham de facto peso sente necessidade de o afirmar".

"MODERNIZAR O CASAMENTO"

O Bloco de Esquerda, que andava moribundo desde a justa sova que Francisco Louçã levou nas presidenciais, decidiu apresentar uma proposta legislativa que altera o divórcio. Segundo o distinto prof. Rosas, importa "modernizar o casamento" e, consequentemente, acabar com ele de uma forma mais expedita. Os bloquistas entendem que basta a "vontade" de um dos cônjuges para, em três meses e com duas conferências matrimoniais, pôr termo ao contrato. Trivialidades como o património comum ou os filhos são tratados em "processos paralelos". De uma forma sucinta, o prof. Rosas resumiu a lógica da coisa: "Uma pessoa casa-se. Chega à conclusão que foi um erro de casting. Pode requerer a dissolução do casamento. Conclui que se enganou, que não está bem, pede o divórcio". Eu não gosto de casamentos, seja com quem for, e julgo que não há maneira de os "modernizar". Todavia parece-me que fazer deles laboratórios para experiências a dois, como propôe o BE, só contribui para desacreditar ainda mais a provecta instituição. Dá ideia que alguém se casa a pensar de imediato em se divorciar quando lhe der na real gana. Mais vale estar quieto.

LER OS OUTROS

José António Barreiros, "Cobranças duvidosas" . E, no Desfazedor de Rebanhos, a excelente série "Quaresmas".

O PROTESTO

Os "agricultores portugueses" andam nas ruas a berrar contra o ministro. Quem os ouvir até pode julgar que existe uma coisa chamada "agricultura portuguesa". Acontece que já não existe e há bastante tempo, aliás. A mudança de "paradigma" - uma expressão utilizada agora a torto e a direito para quase tudo - a favor dos serviços e do betão, por um lado, e a pobreza evangélica e desprovida de imaginação dos nossos "agricultores", por outro, transformaram a paisagem e a produção. Depois a Europa e as importações, que é uma coisa que não entra na cabeça dos ditos "agricultores", fizeram o resto. A mediocridade indígena, como de costume, veio ao de cima e agarrou-se, como uma lapa, à "subsídio-dependência", a nacional e a de Bruxelas, ambas pagas generosamente com o dinheiro dos contribuintes. Os "agricultores" esbracejam em nome de um mundo desaparecido e dos euros que garantem a sua irrisória sobrevivência enquanto tal. Ainda ninguém lhes fez o favor de explicar isso.

ALEGRIA NO TRABALHO

De acordo com o Diário de Notícias, o ministério das Finanças, por e-mail, convidou e depois "desconvidou" os respectivos funcionários a participarem na meia e mini-maratonas de Lisboa do próximo domingo. Aparentemente a coisa não passaria de mero folclore se não se atentasse no teor do "convite" e na "oferta" que o acompanhava. Começa-se por aqueles elogios triviais às virtudes de uma vida saudável, algo que supostamente se adquire pela prática do desporto e que corresponde - repare-se na extrema piroseira terminológica - à "demonstração de vontade de vencer o sedentarismo, de amor à vida e de solidário companheirismo com os milhares de participantes que abraçaram estes mesmos ideais". Encerrada a parte propriamente desportiva da mensagem, o convite passa a tratar da política orçamental do governo ("na política orçamental - "consolidar agora para um futuro melhor" foi o lema que inscrevemos no Orçamento do Estado para 2006 - o esforço de consolidação que estamos a prosseguir é absolutamente necessário para assegurar a boa saúde das nossas finanças públicas no longo prazo") e termina de forma sublime apelando a que os funcionários participem "na 16.ª meia-maratona (ou minimaratona) de Lisboa no dia 26 de Março" exibindo "uma camisola com o dístico "Consolidar agora para um futuro melhor" gentilmente fornecida pelo ministério. Num acesso de bom senso, alguém deve ter reparado que esta "iniciativa" avivava as melhores tradições da ex- FNAT do dr. Salazar, para os mais velhinhos, e da falecida Mocidade Portuguesa, para os mais novos, e acabou com ela. Só no PREC é que ao voluntarioso Vasco Gonçalves ocorreu o "dia de trabalho para a nação", em nome da "revolução". A "alegria no trabalho", associada à propaganda de um regime ou de uma política de um regime, não é própria dos costumes alegadamente democráticos. O recurso ao expediente das camisolas e das corridas para efeitos propagandísticos nada subliminares, não lembra ao careca, como diria o prof. Marcelo. As "campanhas" disto e daquilo, aprendidas nas melhores escolas estalinistas ou maoistas, não resultam em democracia onde os homens não se "mudam" contra a sua vontade, nem por artes mais ou menos circenses. Em democracia, para o bem e para o mal, as coisas são mesmo o que elas são. Não adianta mascarar.

21.3.06

"POEMA"


Tu estás em mim como eu estive no berço
como a árvore sob a sua crosta
como o navio no fundo do mar

D. FÁTIMA

Parece que ocorreu mais uma inauguração de uma estrada. Cavaco foi zurzido a torto e a direito, convém rememorar, por ter tido a ousadia de fazer em meia dúzia de anos o que não tinha sido feito em décadas: dotar o país com um módico de auto-estradas que o aproximasse vagamente de si próprio e da Europa. Depois dele, nenhum governo prescindiu dos seus metros ou quilómetros de estradas e de auto-estradas. Desta vez calhou numa zona onde manda a D. Fátima Felgueiras, essa ilustre refractária à justiça e ao PS. Nenhuma destas duas circunstâncias tem impedido a D. Fátima de fazer o que bem lhe apetece, incluindo ganhar eleições contra o seu ex-partido e dizer ao tribunal, sem se rir, que se "esqueceu" do passaporte no Brasil. Esta inauguração teve, por assim dizer, o "picante" de o primeiro-ministro e líder do PS se ter cruzado com a D. Fátima com quem trocou um amistoso e português beijinho. Esta cortesia mútua, acentuada depois por Felgueiras quando se referiu a "projectos" da autarquia que o governo tem apoiado, não traz nenhum mal ao mundo. Se retirarmos às peripécias da D. Fátima o seu fino recorte latino-americano, ficamos com mais uma "autarca-modelo", um daqueles e daquelas que certo país político não se cansa de parir e de "vender". O "processo" de Fátima Felgueiras nada tem de "kafkiano" e tem muito de Pedro Almodovar, por exemplo. Este país consente tudo e não se dá ao respeito. Não temos irremediavelmente vergonha.

DORES


"John Henry - You take pills.
House - I have pain.
John Henry - Haven't we all?"

20.3.06

LER OS OUTROS


José Medeiros Ferreira, no Bicho Carpinteiro, "O erro compensa". No Minha Rica Casinha, este link para "os nove anos são demais" do sr. Blair.

"INTOLERÂNCIA"

Jerónimo de Sousa não gostou de ver o seu partido fora do Conselho de Estado. E, vai daí, acusou o PR de "intolerância" o que, vindo de onde vem, dá direito a, pelo menos, uma semana de riso político. Independentemente do juízo que se possa fazer das escolhas presidenciais - e o meu, como já aqui foi dito, não é dos mais positivos - cabe indiscutivelmente ao presidente pôr no Conselho de Estado quem ele bem entender, já que se trata de um órgão para seu "aconselhamento". A quota dos cinco membros foi, por isso, preenchida segundos os critérios de Cavaco Silva - eleito não apenas à revelia como com a acrimónia total do PC - e não exactamente em consonância com a visão do mundo do sr. Jerónimo de Sousa. O Parlamento também não os escolheu, nem a ninguém do BE, por sinal. Temos pena, mas paciência. E nem sequer o exemplo de Sampaio, que enfiou Carlos Carvalhas na sua quota, deve ser invocado. O PR não é um filantropo politicamente desinteressado ou um benemérito de serviço. Cavaco não tem necessariamente de "seguir" Sampaio nesta matéria como em outras. Se o faz melhor ou pior, logo veremos com o decurso do tempo. Agora invocar "intolerância" a propósito disto, é apenas risível. Não chega sequer a ser um facto.

UMA BANALIDADE

Via Abrupto, ler este artigo do Village Voice, "The Irresistible Banality of Same-Sex Marriage" . "Gay-rights activists should not underestimate the power of banality. I'm reminded of a friend who wrote his grandfather a 14-page, single-spaced coming-out letter. After saying all the right things, the grandfather added: "And by page eight, I have to say that I was thinking, 'All right, all right, I get it, you're gay". The coming-out story is now a cliché, and we should celebrate that politically, if not aesthetically. Marriage is headed in the same direction, and we should celebrate that as well. For if we cannot persuade our opponents with high-minded argument, we can still bore them into submission with wedding pictures."

19.3.06

FERNANDO GIL 1937-2006


"As controvérsias mais importantes e mais interessantes são, em geral, as mais indecidíveis e, sobretudo, aquelas em que - antes ainda das divergências sobre as melhores soluções - os objectos não são os mesmos para todos."
Mimesis e Negação

INTERNAL AFFAIRS

O zelo doméstico pelo respeitinho está morto por chegar à blogosfera. Este artigo do Diário de Notícias chama a atenção para o facto de os autores dos blogues- pelo menos os que não são anónimos - estarem, em caso de "injúria" ou de "difamação", sujeitos à lei geral. Traduzido para bom português, "estar sujeito à lei geral" quer muito simplesmente dizer que os autores de blogues não devem ser "licenciosos" e que devem usar a liberdade de expressão com a parcimónia exigida pelos bons costumes e pelo espírito pidesco e inquisitorial que mora dentro de cada um de nós. Os blogues, como eu os entendo, servem precisamente para qualquer cidadão, jornalista ou não, exprimir livremente e, de preferência, com acinte a sua opinião que não tem necessariamente que coincidir com a opinião pública ou com a que se publica. E, sob a capa da "injúria" e da "difamação", é facílimo ao primeiro polícia de opinião sugerir um delito. É claro que um ideal normalizador apontaria para o fim dos blogues, pelo menos daqueles que não se ocupam apenas com as fraldas dos bebés ou com as vicissitudes de uma carreira. Todavia não julgo que isso venha a acontecer, bem pelo contrário. O vazio, que é o lugar e o modo dos nossos tempos, tem de ser ocupado. Os blogues são, nesse sentido, profilácticos. E para serem profilácticos, por vezes devem ser licenciosos no que o adjectivo contém de pureza originária, sem dissimulações. Para estas, basta a vida como ela é.

TODOS OS DIAS

O comércio decretou que hoje era o "dia do pai". As famílias, sempre obdientes ao credo das montras, arrantam-se para as lojas e para os restaurantes. Os mais velhinhos, remetidos oportunamente para lares sombrios, têm o seu pequeno momento de glória durante umas horas. Vão ser passeados e alimentados de forma diferente, pelo menos ao almoço. Ao final do dia regressam e ficam de novo entregues à sua solidão e à memória, para aqueles que ainda a possuem. A fraternidade merceeira nunca me atraiu. Esta coisa dos "dias" deste ou daquele é uma frivolidade aceite pela pequena burguesia de espírito para poder dormir descansada e para as criancinhas se entreterem. O sentimento não se paga com relógios, gravatas, perfumes ou flores. Está lá ou nunca esteve. Todos os dias.

18.3.06

MELANCOLIA

Está em curso, praticamente na clandestinidade, o congresso do dr. Marques Mendes. Segundo os relatos, o seu discurso inaugural foi recebido com "frieza" pelos acólitos e só houve entusiasmo quando foi proferido o nome de Cavaco. Se nada de extraordinário se passar no país nos próximos tempos - como tudo indica que não se passará - o PSD tem pela frente três anos de melancolia. Gerir a melancolia, apesar das insignificantes bravatas de um ou dois caciques, não atrai ninguém. Marcelo paira sobre isto mas não vai mais longe, até porque teve a sua dose entre 96 e 99. Já deu para o peditório e só voltará a jogo, se voltar, pelo seguro. O país "profundo" ainda não está suficientemente aborrecido com esse homem com sorte que se chama José Sócrates: enterrou todos os seus opositores - Carrilho, Alegre, Soares pai e filho - e não perde um segundo preocupado com Mendes. Mendes ficará, pois, refém da sua própria melancolia, com dois créditos averbados, as autárquicas e as presidenciais. Falará quase sempre sozinho, a partir da oposição, e não deve esperar grande audiência. Afinal, mal ou bem, o que é que Sócrates está a fazer de diferente que o PSD não tivesse que fazer também?

IMPULSOS E PRÁTICAS


Deitei-me com esta frase de Gore Vidal na cabeça: "Most people are a mixture of impulses if not practices, and what anyone does with a willing partner is of no social or cosmic significance".

17.3.06

NOVIDADES EM BELÉM

Em algumas mentes mais propícias à interpretação literal e paternalista da Constituição da República, o discurso de posse de Cavaco Silva terá parecido excessivo. Apesar dos elogios, a ideia da “estabilidade dinâmica” e da “exigência” terá ficado a pairar nesses cérebros demasiadamente formatados como um possível aviso. Cavaco, convém afirmá-lo, foi igual nesse dia aos dias que antecederam a sua vitória. Não disse nem mais nem menos do que já tinha dito. Quando esclareceu na campanha que não pretendia ficar sentadinho no cadeirão presidencial a ver passar os comboios, o agora presidente deixou claro que não pretendia banalizar ou trivializar o cargo. O discurso inaugural limitou-se a confirmar esse registo de exigência, em relação a si próprio e aos outros. Cavaco será, com naturalidade, um presidente diferente dos que o antecederam. Os tempos, há que dizê-lo, também lhe facilitam paradoxalmente a tarefa. Lá virá o dia em que a mera propaganda não chegará para fazer uma política e para surpreender um desígnio. Cavaco rege-se por critérios de materialidade e de racionalidade e certamente que a “cooperação estratégica” que defende não deixará de ser aferida a partir deles. Em suma, o presidente também “manda” e é bom que mande. Tem legitimidade e ambição democráticas suficientes para o fazer. Não como um pólo alternativo de poder, mas como um ponderado factor de liderança institucional concertada, aquilo a que bem chama de “estabilidade dinâmica”. O país espera mais deste presidente do que de qualquer anterior. E estará atento ao modo como Cavaco irá agilizar os poderes presidenciais promovidos pela Constituição. Porque é disso que se trata, de agilizar para avançar e não de contemplar para deixar tudo na mesma. Para pior já basta assim.
(publicado no Independente)

O PRIMEIRO DIA


A principio é simples, anda-se sozinho
passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no burburinho
bebe-se as certezas num copo de vinho
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado, que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E é então que amigos nos oferecem leito
entra-se cansado e sai-se refeito
luta-se por tudo o que se leva a peito
bebe-se, come-se e alguém nos diz: bom proveito
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
olha-se para dentro e já pouco sobeja
pede-se o descanso, por curto que seja
apagam-se dúvidas num mar de cerveja
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar, sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E entretanto o tempo fez cinza da brasa
e outra maré cheia virá da maré vazia
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.


Sérgio Godinho

O MUNDO DE CAVACO - 2

Só hoje fui informado pelo próprio, o Pedro Rapoula, que, afinal, o Presidente da República já tem um adjunto para os assuntos culturais - ele mesmo - e um consultor, Diogo Pires Aurélio. Actualiza-se, assim, o que se escreveu aqui.

16.3.06

DOS JURISCONSULTOS

Bela citação, esta, de Erasmo, tirada ao Elogio da Loucura pelo Anarca Constipado: "Comecemos pelos jurisconsultos. Julgam-se os primeiros de todos os sábios, e nenhum mortal se admira tanto como eles, quando, tal como Sisifo, rolam continuamente para o alto da montanha um enorme rochedo, que torna a cair, mal chega ao cume - isto é, quando entrelaçam quinhentas ou seiscentas leis umas nas outras, sem se preocuparem se se ligam ou não com os assuntos que estão a tratar, quando amontoam glosas sobre glosas, citações sobre citações, e desta maneira fazem com que o vulgo se convença de que a sua ciência é uma coisa muito difícil."

IT'S THE ECONOMY...

Ler na Grande Loja, "a análise à execução orçamental - Janeiro e Fevereiro de 2006", de António Durte. O dr. Teixeira dos Santos entende que as OPAS são uma prova de "confiança" na economia nacional e, consequentemente, um excelente sinal. A especulação bolsista também. Com estas contas, são um sinal de quê?

O MUNDO DE CAVACO


O Paulo Gorjão decidiu comentar "As escolhas de Cavaco", referindo-se quer ao Conselho de Estado, quer à Casa Civil. Que eu me lembre, nunca uma Casa Civil presidencial foi tão badalada como esta. Eanes, Soares e Sampaio tiveram "casas civis" e conselheiros intermitentes, como lhes competia, porém não recordo - à excepção de Eanes, por causa dos célebres discursos "tomba-governos" do 25 de Abril - tanta agitação por causa de meia dúzia de pessoas absolutamente previsíveis. Aqui está-se bem à vontade para falar do assunto, uma vez que este blogue foi empenhadamente "cavaquista" durante a campanha presidencial. Cavaco foi o meu candidato e é o meu presidente. Dito isto, reconheço que o "perfil" da generalidade dos assessores - uma vez que a comunicação social fez e faz o favor de nos explicar continuamente quem são - não faz jus ao propósito abrangente da candidatura. A maior parte foi requisitada ao PSD e ao governo de Durão Barroso, como se Cavaco não conhecesse mais ninguém. Por outro lado, não existe, pelo menos por enquanto, uma assessoria para a cultura e religião, por exemplo. Sei que esta afirmação poderá provocar comentários jocosos. De facto, seria hipócrita se dissesse que é matéria que não me interessa. Interessa. Todavia, como me ensinou Medeiros Ferreira há uns largos anos, há cargos que não se pedem mas que também não se recusam. Mais importante do que isso é reconhecer um património, nesse sector, que foi "herdado" de Soares e de Sampaio e que não conviria alienar da parte do Palácio de Belém. Quanto ao Conselho de Estado, concordo com o Paulo quando aponta o reducionismo da escolha. Não haverá mais mundo para além de Manuela Ferreira Leite ou de Dias Loureiro que actualmente é mais empresário do que político? Em suma, parece-me que Cavaco preferiu a segurança dos seus mais próximos a um desígnio mais arriscado de inovação. É a vida.

NATÁLIA

Há treze anos desaparecia Natália Correia. Conheci-a no Botequim e em sua casa, na Rodrigues Sampaio, por cima da Smarta. Falámos de livros e dela, uma tarde, a pretexto de qualquer coisa que eu era suposto escrever para o Semanário. Num cadeirão, numa outra sala onde Natália se deslocava com frequência para lhe perguntar se se encontrava bem, estava o marido a ler um policial. Explicou-me o sortilégio do Botequim e no final da conversa deu-me "Uma estátua para Herodes", "confiando-o", como escreveu na dedicatória, à minha "leitura inteligente". Natália levou-me até ao elevador e, sem sobressaltos ou excitações, a nossa conversa revelou-me uma Natália desconhecida, serena e de uma amabilidade inesperada, já que não me conhecia de lado nenhum. Uns anos mais tarde, no Botequim, numa ocasião festiva, o ambiente devolveu-me a Natália feérica e desassombrada que constituía o seu figurino público. Foi, muito tempo depois, precisamente do Botequim que a Natália partiu para a sua morte rápida na madrugada de 16 de Março de 1993. Ei-la no seu "Auto-Retrato":

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

15.3.06

PRISÃO PERPÉTUA

Medeiros Ferreira escreve a propósito de Milosevic: "Slobodan Milosevic estava preso preventivamente, ainda sem sentença pronunciada. Mas quando se morre na cadeia trata-se de prisão perpétua. Deve ter sido por isso que a Procuradora Carla Del Ponte afirmou que iria pedir para o ex-chefe de Estado da Sérvia essa pena insustentável e lamentável. A comunidade internacional deve impedir em tempo útil os "os mais graves dos crimes graves contra a humanidade". Se o não consegue deve punir sem se desforrar." Também sou desfavorável à prisão perpétua bem como à pena de morte. Milosevic foi o que foi e desapareceu sem ter sido condenado já que estava detido "preventivamente". No fundo, como diz MF, acabou ironicamente em prisão perpétua. Na sala do Tribunal ainda ecoa a sua altiva impotência, própria de quem tinha pouca defesa. E Carla Del Ponte, com aquele ar masculino de quem está sempre a sair de um solário, não é exactamente um modelo recomendável para os propósitos do Tribunal de Haia. O seu comentário idiota à morte de Milosevic é deveras eloquente ("Foi um duro golpe! Depois de tudo o que fizemos... É inacreditável! Puxou-nos o tapete, deixou-nos às escuras.") Fala demasiado e normalmente mal.

14.3.06

CDS E PP

Passa-se qualquer coisa de grotesco no CDS/PP. O pequeno partido à direita do PSD, como lhe chamava o dr. Barroso, não tem emenda. O PP de Portas e dos seus amigos não gosta manifestamente do CDS de Ribeiro e Castro. Ribeiro e Castro ainda não percebeu que não pode dirigir o partido apenas aos fins de semana e durante os jantares com as bases. E que o país não lhe passa cartão. O seu irritante grupo parlamentar, a "banda", como com notável felicidade apelidou os discípulos do dr. Nuno Melo, anda à solta e com rédea curta imposta pelo seu patrono ideológico que finge que não é nada com ele. Marques Mendes também tem um problema semelhante - um grupo parlamentar feito à imagem e semelhança de Santana Lopes -, salvaguardadas as devidas distâncias, todavia com a vantagem de ele próprio lá estar. Feitas as contas, a "direita" navega à vista, para o seu umbigo e mal. E Cavaco, para este efeito, não conta. Ribeiro e Castro, se quiser mandar, tem de escolher o partido e o país e esquecer-se de Bruxelas. Mesmo assim, não é seguro que o "portismo" embotado dos srs. Telmo Correia e Pires de Lima lhe dê descanso. A "direita" precisa de um CDS. Com ou sem PP.

A PALAVRA DIVINA

Caramba. É um prazer ler um grande escritor, com mais de oitenta anos em cima, sobre a escrita e as suas subtilezas, os outros que também escrevem e meia dúzia de clássicos. "Não existe a rotina de um escritório, apenas a página em branco todas as manhãs, e nunca se sabe de onde vêm as palavras, essas palavras divinas".

Norman Mailer, "The Spooky Art - some thoughts on writing", Random House/New York

IL PRESIDENTE

Há dias, numa entrevista a uma jornalista da RAI, Silvio Berlusconi deixou a senhora a falar sozinha. A dado momento da conversa, a dita jornalista questionou "il presidente" acerca dos seus negócios e a política, isto numa salganhada em que estiveram quase sempre a falar ao mesmo tempo. Manifestamente a jornalista tinha opinião e entendeu por bem fazer da entrevista um contraponto a Berlusconi que pode ser tudo menos parvo. Sem dar tempo à resposta e continuando a instar o entrevistado, a senhora deu azo a que Berlusconi a conotasse com a "esquerda" e saísse do estúdio. A "esquerda" italiana, algo parecido com uma sopa "minestrone", capitaneada pelo improvável Prodi, merece Berlusconi. A senhora jornalista, na sua inconsciência esquerdina, deve ter prestado um bom serviço ao presidente do Conselho. É natural, pois, que ele fique. E é bem feito.

AINDA...

... sobre as OPAS, ler "Comprai-vos uns aos outros", de José Medeiros Ferreira.

13.3.06

QUEM MANDA

Paulo Teixeira Pinto, presidente do Millennium BCP, está em directo nas três televisões generalistas para falar da OPA sobre o BPI. Ainda há ilusões ou dúvidas sobre quem manda?

FUNDAMENTAIS

Leio no Acidental e no Caminhante Solitário que "cem mil portugueses estão classificados como "fundamentais para o país", dado os cargos que ocupam, e por isso irão receber anti-virais em caso de pandemia provocada pelo vírus da gripe das aves, anunciou a sub-directora geral da Saúde". Para além da violação do princípio constitucional da igualdade, eu gostava de saber quem é esta gente que deve ser considerada "fundamental" entre nós. É que os cemitérios, com ou sem gripe das aves, estão cheios de "fundamentais" como os que a DGS quer proteger.