Recomendo os artigos de António Barreto e de Mário Mesquita no Público de hoje. No essencial, constituem uma visão crítica do dispositivo legal aprovado pelo governo acerca da limitação de mandatos políticos. A utilização da via legislativa - administrativa e burocrática - para resolver questões inerentes à cultura política democrática, é uma suave perversão das coisas e, curiosamente, uma manifestação "politicamente correcta" de populismo. Não há ninguém, desde o motorista de táxi à mulher-a-dias, que não rebole de gozo perante a possibilidade de se "humilhar" um qualquer eleito, mesmo que tivesse sido eleito por eles. Como sublinha Barreto, parece que a democracia, afinal, desconfia de si própria. Quem se ri disto tudo são os mesmos poderes fácticos de sempre, aqueles que muito mandam, que pouco ou nada devem ao escrutínio da cidadania e que se "auto-perpetuam". Esta "pedagogia" demagógica da limitação de mandatos é mais um sinal de que a nossa democracia, na sua 31º hora, continua, em muitos aspectos, imatura. O mesmo se passa com a remuneração dos titulares dos cargos políticos. Parece preferível ao "legislador" não aumentar os vencimentos dos detentores de cargos políticos, para não desagradar ao "povo", do que evitar ter de os recrutar nos "aparelhos" medíocres onde cresceram sem nunca terem feito mais nada, sobrevivendo à custa de ligações, de "amiguismos" e de interesses comprometedores. Quem quer democracia com qualidade tem de a pagar. Limitar no tempo alguns mandatos políticos, conquistados legitimamente nas urnas, a partir da secretaria, ou ter medo de aumentar os vencimentos dos "políticos" por causa da populaça, são aspectos que revelam uma limitação mais profunda. A falta de uma cultura democrática sólida que se sobreponha à tentação normalizadora e oportunista do primeiro "legislador" anónimo de serviço.
Adenda: Acerca de "perpetuações" vs. "limitações", leia-se este "post" de José Adelino Maltez, por exemplo.
1 comentário:
O facto de um governante ser sufragado nas urnas não torna o seu mandato obrigatoriamente como algo de positivo. A esse propósito basta citar o caso do Nacional Socialismo na Alemanha ou mais recentemente a vitória do FIS na Argélia. O facto de um sistema não se regenerar (40% dos autarcas seriam abrangidos pela lei de limitação de mandatos) parece-me um problema desse sistema que deve ser corrigido.
Tendo formação técnica parece-me que imaturidade é não corrigir um erro detectado. Na minha área (informática) damos-lhe um nome - debug.
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