4.5.08

DEBAIXO DA CALÇADA, NADA


Passaram quarenta anos sobre o parisiense Maio de 68. Segundo alguns, os das diversas esquerdas, aquilo foi um acto generoso, fundador e revolucionário que representou, nas palavras de António José Saraiva, "a crise da civilização burguesa". Durante uns dias, De Gaulle, o chefe de Estado francês, andou vagamente desaparecido enquanto nas ruas de Paris se viravam carros e, na Sorbonne, chamavam "crápula estalinista" a Sartre. Um Sartre que imediatamente se pôs ao lado da racaille, então filha precisamente desse "estado do mundo burguês" que diziam combater, e não aquela - pobre, desempregada e imigrada - que queima agora carros nos arredores da capital. O folclore acabou na manifestação de 30 de Maio, de apoio a De Gaulle, que mais tarde, em eleições, voltou a ganhar. Só se foi embora, pelo seu próprio pé, quando perdeu o referendo sobre a regionalização. Mitterrand, desprezado pelos "heróis" esquerdistas de 68 (na ausência de De Gaulle, em plena crise, anunciou uma pífia candidatura ao Eliseu), só lá chegou treze anos depois. E, para quem apelidava o regime da constituição de 1958 de "golpe de estado permanente", Mitterrand passou catorze anos presidenciais bem sentado nele, comportando-se muito mais como um monarca pré-1789 do que como um republicano pós-68. Foi o primeiro a "enterrar" os despojos políticos e culturais do militante Maio ao dar o "abraço do urso" ao PC (que não lhe fazia falta alguma) e a ter aos seus pés os "novos filósofos", um híbrido anti-soviético e social-democrata resultante das perturbações intelectuais de 68. Sarkozy, num comício eleitoral em Bercy (ver o livro da foto), também apoiado por estes já velhos filósofos , reclamou a necessidade de acabar com a "herança soixante-huitard" embora, ironicamente, talvez fosse improvável sem ela. Não obstante todo o folclore "ideológico" doméstico, traduzido em prateleiras e prateleiras de livros, a "herança" desse Maio longínquo passou pela humilhação de um Le Pen na segunda volta de 2002 e por ter de se curvar perante Chirac, esse político com ar de entertainer televisivo, para evitar o pior. Por cá, o Maio de 68 só chegou uns anos depois, com o PREC (Sartre veio dar lições "revolucionárias" a um quartel...), prolongando-se nas "refiliações" esquerdistas nos partidos do poder - PS e PSD - que deram no que sabemos. Eduardo Prado Coelho terá sido o mais genuíno mandarim "intelectual" do que restou de 68 aqui. O resto são imitações baratas e "pequeno-burguesas", para recorrer à langue de bois desse Maio longínquo para sempre perdido. Até por isso, ele faz falta. Nunca houve nenhuma praia debaixo da calçada.

2 comentários:

Anónimo disse...

constou que De Gaule esteve na Alemanha com Massu general dos paraquedistas que lhe garantiu o regresso. teria confessado "je suis un vieille connard"
tal como disse o almirante Cândido dos Reis "quando há revolução: metade aplaude, a outra metade borra-se"

Nuno Castelo-Branco disse...

E o Reis deu um tiro na cornadura, coisa única que deu nome a avenida. Aliás, a única coisa que o notabilizou.
Quanto aos antepassados do senhor Louçã, pouco há para dizer, a não ser que se espera ansiosamente o seu desaparecimento. Nada me convence acerca do alegado romantismo das refregas e depredações, nem sequer da justeza da sua luta. Muito menos ainda, a sabujagem ideológica por ali andou. Bem razão tinha o general De Gaulle, o verdadeiro e único chefe da Resistência* :
-"la France n'est pas preparé pour un totalitarisme lugubre"...
No dia seguinte tinha uma colossal manifestação de apoio e soixante-huitards escorriam para a sarjeta da história.

*Enquanto o senhor Mitterrand era funcionário do regime de Vichy e ostentava la francisque.
Enquanto o senhor Laval, ex-membro do governo da Frente Popular, desempenhava as funções de ministro dos negócios estrangeiros de Vichy.
-Enquanto uma parte substancial de deputados do PCF criava o Parti Populaire Français com Jacques Doriot como Fuehrer, aliando-se ao Reich.
Enfim, histórias... e lérias!