2.7.08

O HÓSPEDE SINISTRO DE HEIDEGGER


Seguramente sem querer, Sócrates introduziu Heidegger na conversa que manteve com dois jornalistas da RTP. A propósito das eleições de 2009, disse que não "calculava" e que o seu "pensamento" está todo concentrado no mandato de primeiro-ministro. Numa conferência proferida em 1955, em Messkirch, sua cidade natal, Martin Heidegger distinguiu o "pensamento que calcula" da "reflexão". Disse o filósofo que "o pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade", "nunca pára, nunca chega a meditar" e, mais importante, "não é um pensamento que reflecte sobre o sentido que reina em tudo o que existe". Isto corresponde à verdadeira "ausência do pensamento" que Heidegger apresenta como "um hóspede sinistro que entra e sai em toda a parte". Mal sabia o autor de Sein und Zeit que, cerca de mais de meio século volvido sobre as suas palavras, um dirigente político do país mais periférico da Europa viria a deixar-se "prender, enfeitiçar, ofuscar e deslumbrar" a ponto de fazer precisamente do tal "pensamento que calcula" o "único pensamento admitido e exercido". Vítima-autor desse "cálculo" enunciado a contrario, não tenho a certeza se Sócrates, como devia, tem "desperta a reflexão". Quando olho para certos membros do governo e para a primeira linha do PS no Parlamento, dá-me ideia que não. Daí o cansaço e a incompreensão estampados no rosto do secretário-geral do PS. Cansaço de uma realidade que ele não entende e que crê injusta (para ele, naturalmente) e incompreensão, por parte da maioria dos destinatários, do "bem" que ele lhes anda a fazer. Tem menos de um ano para reflectir nisto.

9 comentários:

Anónimo disse...

Excelente análise.Quanto a Heidegger...Quanto a Sócrates:nada pior para o Chefe quando o tempo corre contra ele.Os dias,os homens,os acontecimentos,tudo o que antes se dobrava à sua vontade,começa a escapar-lhe entre os dedos.É nesta altura também que os animais de poder se tornam mais perigosos.

josé ricardo disse...

mais extraordinário do que a entrevista, foram os comentários que ela suscitou. parece-me que todos nós já esquecemos o que é uma boa entrevista. "primeiro ministro esteve bem", "tabu", "não mostrou irritação", "segurança", "preocupação com a nova líder do PSD", "recandidatura em 2009", etc., etc., etc. não se sai disto.
um abraço,
j. ricardo
www.rescivitas.blogspot.com

Anónimo disse...

Um homem que andou pelo PSD e saiu para o PS, fê-lo naturalmente por não estar de acordo com a ideologia social-democrata. Mas, por força de ventos de feição, conseguiu chegar ao topo do socialismo de merda. Aí instalado, havia que governar. Como socialista? Nem pensar. Ele conhecia bem as razões que levaram o soba de tal ideologia a metê-la na gaveta.
Resolveu o problema procurando actuar como actuaria um verdadeiro social-democrata? Não. Recorreu aos métodos do Professor Salazar em termos de gestão financeira mas não lhe seguiu o exemplo no campo da despesa pública. E o resultado está à vista. Se fosse um homem vertical já se teria ido embora, não esperando para levar um pontapé no cú, que bem merece, pelas sucessivas mentiras com que nos mimoseia quase diariamente.

Anónimo disse...

'A memória do Homem é "quase" infinitamente maior do que a da máquina, pelo simples facto de que o Homem tem a "divina" faculdade de ESQUECER'.

Dito isto, por um antigo ilustre professor que tive, há perto de cinquenta anos, ao 'desenvolver' a afirmação, 'dizia-nos' o mestre que o "tempo de duração" da máquina era limitado, porque 'acumulava' toda a informação e, assim sendo, a sua "vida" era breve.

O meu antigo mestre já não está ; deixou-me o 'ensinamento' para que eu diga : "espero bem que o povo, desta vez, não esqueça os três últimos anos das nossas vidas, que o 'menino de ouro' (mais do que ridículo!!!) nos fez comer brasas de lume".

José Amador disse...

Na "mouche"! Dá para entender a maneira de governar do nosso primeiro: o cálculo, o mediático em vez da reflexão.
Na realidade, o mundo é cada vez mais governado por calculistas. O tempo da estratégia em função daquilo que é o interesse nacional ou europeu passou à história.Agora é o mercado que domina e o mercado para funcionar precisa fundamentalmente de homens que pensam em oportunidades e não em desígnios. Homens como De Gaulle, Churchill, Adenauer, mesmo Salazar agiam de acordo com uma visão estratégica defendendo aquilo que eles achavam melhor para o País, mesmo sacrificando imediatos.
Se calhar Sócrates é o homem certo nesta época global e mediática.

Anónimo disse...

Nem que tivesse cem anos para "reflectir nisto", S�crates seria capaz de o fazer. Falta-lhe a serenidade (o t�tulo portugu�s da confer�ncia de Heidegger). O problema, por�m, � que apenas temos pol�ticos que calculam. N�o h� um que pense. N�o ser� um defeito da "ra�a", mas h� muito que est� consumada a ruptura total entre pensamento e ac�o pol�tica (ali�s, a ilus�o contr�ria ia j� custando a vida ao pr�prio Plat�o). O que distingue S�crates � o facto de pertencer a uma gera�o que j� nem por desfastio, ouve quem pensa. Hoje est� instalado, na classe pol�tica, um �dio ao pensamento. Isso, por c� come�ou com o Dr. Cavaco, sublinhe-se. Se Salazar, Caetano, Soares e S� Carneiro, cada um a seu modo, faziam ainda uma genuflex�o perante os homens do pensamento, a partir de Cavaco s� o c�lculo conta. Entr�mos no tempo dos contabilistas. S�crates n�o � mais do que isso, ou nem isso.

Anónimo disse...

pertence à linha socialista fale agora e pense depois de politicamente morto.
nos campos elíseos do socialismo não há seres humanos. observamos apenas "sombras". devia ir consultar Tirésias sobre o futuro do país

Anónimo disse...

Perante a entrevista que José Sócrates fez ao primeiro ministro de Portugal só me apetece lembrar a sabedoria popular:

"Quem não sabe o que procura corre o risco de não perceber quando encontra".

"Aquilo que não tem solução, solucionado está".

"Se me visitas, então a casa é tua e eu sou teu hospede".

"Um poço sem água não é um poço, é um buraco".

Mas da entrevista gostei especialmente do momento em que José Sócrates disse ao primeiro ministro, tim tim por tim tim, que a pergunta que se impunha era: O que fazer agora perante este crise internacional à qual o governo é alheio?.

Ahh, e estavam lá também dois senhores à frente do JOsé Sócrates e do primeiro ministro que eu já tinha visto em algum lugar mas não me recoerdo onde!

Anónimo disse...

Gostei particularmente do ar "embevecido" com que os jornalistas olhavam para o menino dóuro...