"Recusam-se a pensar. Mesmo a apenas três dias do natal, o momento em que Deus se fez homem na palha de uma gruta, a maioria das pessoas precipita-se atrás de tudo o que pensa ser diversão, entretenimento, consumo, modismo. Vão acabar exaustos, atordoados de tanta correria. É como se estourassem de inconsciência, na periferia de si próprios e de um mundo de cujo mistério nem sequer querem ouvir falar. São multidões de solitários. Fogem de qualquer luta, afrouxam-se em submissões, aceitam não ser donos deles mesmos. Nem sequer sabem que estão sós porque a solidão desliza sobre eles sem deixar vestígios como a água na pena dos cisnes. Todos nós somos convidados para entrar num castelo, diariamente, vá lá saber-se por quem. Pode o castelo estar cheio de esplendores e de multidão ruidosa que não deixará de acabar em sepulcro, mais depressa do que seria de esperar, se não desconfiarmos dessa exaltação de fraquezas e se, quando ficarmos sem fôlego, não soubermos que esse é o momento de nos reencontrarmos, reconquistando a dignidade e a personalidade. O castelo é um inferno onde cada instante é um milagre. Agarrar esses instantes, que formam o tempo, escapar da ladainha dos que mergulharam no ruído, viver como um desafio, ter a honra de não se submeter a quem não merece submissão e de depender do amor de quem merece essa dependência, é o que deveria ser - se pensássemos. Mas só quando se está cansado de nunca estar só é possível vencer a violência da solidão e pensar no que vale a pena. As coisas são o que são."
"(...) A maioria mostra-se incapaz de compreender que, não sendo o tempo a passar mas ela própria, não lhe resta alternativa: ou regressa a Cristo ou ele não será mais do que um objecto que a não pode salvar (...) Ele, se nós soubermos receber Cristo, permite escapar aos tranquilizantes que nos adormecem e aos estimulantes que nos dão corda, substitui e dá grandeza à banalidade do quotidiano, essa máquina onde tudo já foi dito e redito. Dizia Alain, tão insuspeito, que o natal não é uma noite nem um fim - é uma aurora e um começo. Mas só é assim se nos recordarmos a todo o instante que Jesus nasceu e viveu na maior pobreza material e na maior riqueza do coração."
"(...) A fé é, antes de tudo o mais, Jesus Cristo nascido na palha de uma pobre gruta. Não pode, por isso, deixar de ser a inspiradora de um radicalismo evangélico que obriga o homem a ir ao fundo das coisas e a não se resignar perante as injustiças, por mais que a mansidão lhe tenha sido ensinada".
"(...) O Advento passou ao lado da maioria de nós, mergulhado no consumismo e no oportunismo. O Natal não passará despercebido. Passará apenas".
"(...) O Natal é o sorriso de Deus num mundo que teima em prosseguir com teofanias desnecessárias e egoísmos aterradores. Sem esse sorriso a vida seria apocalíptica. O tempo seria apenas uma espera sem sentido, a miséria seria aceitada e aceitável e a opressão tolerável e tolerada. Mas há um sorriso e há forças para lutar por um reino de homens e mulheres livres."
por VICTOR CUNHA REGO
"(...) A maioria mostra-se incapaz de compreender que, não sendo o tempo a passar mas ela própria, não lhe resta alternativa: ou regressa a Cristo ou ele não será mais do que um objecto que a não pode salvar (...) Ele, se nós soubermos receber Cristo, permite escapar aos tranquilizantes que nos adormecem e aos estimulantes que nos dão corda, substitui e dá grandeza à banalidade do quotidiano, essa máquina onde tudo já foi dito e redito. Dizia Alain, tão insuspeito, que o natal não é uma noite nem um fim - é uma aurora e um começo. Mas só é assim se nos recordarmos a todo o instante que Jesus nasceu e viveu na maior pobreza material e na maior riqueza do coração."
"(...) A fé é, antes de tudo o mais, Jesus Cristo nascido na palha de uma pobre gruta. Não pode, por isso, deixar de ser a inspiradora de um radicalismo evangélico que obriga o homem a ir ao fundo das coisas e a não se resignar perante as injustiças, por mais que a mansidão lhe tenha sido ensinada".
"(...) O Advento passou ao lado da maioria de nós, mergulhado no consumismo e no oportunismo. O Natal não passará despercebido. Passará apenas".
"(...) O Natal é o sorriso de Deus num mundo que teima em prosseguir com teofanias desnecessárias e egoísmos aterradores. Sem esse sorriso a vida seria apocalíptica. O tempo seria apenas uma espera sem sentido, a miséria seria aceitada e aceitável e a opressão tolerável e tolerada. Mas há um sorriso e há forças para lutar por um reino de homens e mulheres livres."
por VICTOR CUNHA REGO
4 comentários:
Foram crónicas que devorei em tempos. Belos excertos. Um Feliz Natal para si, João.
Amigo João!
Tenho este livro e ele funciona como uma espécie de bíblia!
Já o li umas 2 vezes e, meia volta, trago-o para as minhas leituras.
Os dias de amanhã, que são os dias de hoje, serão sempre os dias de amanhã.
Vitor Cunha Rego faz muita falta. Eu era "devoto" da sua prosa!
Bom Natal!
Abraço.
Palavras para quê?
Desejo-lhe um Natal Feliz.
João,
Apesar do atraso da mensagem (e sem conseguir decidir em que post a deixar!), gostaria de desejar Boas Festas e um excelente Ano Novo, de coração, por tudo o que fui lendo no blog Portugal dos Pequeninos (o que gostei ou detestei, concordei ou aplaudi esfusiantemente ou mesmo pelas vezes que lhe roguei que fosse para o Inferno por ter censurado os meus Parabéns e o poema do Al Berto no post do dia do seu aniversário... desculpe...) e dizer que vou continuar a vir aqui para ler quem ainda fala/escreve sem medo!
Deixo-lhe uma prendinha, de um dos meus poetas favoritos:
Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Vinicius de Moraes (19.10.1913 - 9.07.1980)
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