O Agosto, agora terminado, recorda-me sempre o primeiro encontro com o Joaquim Manuel Magalhães. Foi na defunta Ferrari, à Rua Nova do Almada, agora "travestida" por prête-à-porter do pior e do mais rasca. Ia escrever para o Semanário um primeiro artigo e meteu-se-me na cabeça que tinha de ser sobre o Joaquim. Foi e não foi. A "base" da conversa - e, depois, do texto - esteve no "Os Dois Crepúsculos - sobre poesia portuguesa actual e outras crónicas", uma edição da Regra do Jogo que custava, para o aluno universitário que eu era nessa altura, uma fortuna, 480 escudos. Estávamos em 1984. Passaram estes anos todos sobre nós, e muita gente e lugares se destruíram entretanto. O Joaquim escreve como eu gosto, ferozmente. Na poesia, como no ensaio, não é consensual. Não integra - nunca integrou - nenhuma corte e despreza, como se deve desprezar sem desfalecimentos, a mentalidade normativa própria dos aborrecidos e dos néscios. É praticamente a única razão que me leva a continuar a ler, do Expresso, o indigente suplemento "intelectual" onde pontifica o António Guerreiro que - dizem-me- esperou até ao último minuto um telefonema do "astro-rei" para dar o "salto". Como sou preguiçoso, recorro à Isabel para a transcrição que se segue. Em "algumas palavras", o Joaquim, através de um poema de José Miguel Silva, "descreve" o regime tal qual ele é. E tal qual permitimos que ele fosse.
"Compram aos catorze a primeira gravata com as cores do partido que melhor os ilude. Aos quinze fazem por dar nas vistas no congresso da jota, seguem a caravana das bases, aclamam ou apupam pelo cenho das chefias, experimentam o bailinho das federações de estudantes. Sempre voluntariosos, a postos sempre, para as tarefas de limpeza após o combate. São os chamados anos de formação. Aí aprendem a compor o gesto, a interpretar humores, a mentir honestamente, aí aprendem a leveza das palavras, a escolher o vinho, o sim e o não mais oportunos. Aos vinte já conhecem pelo faro o carisma de uns, a menos valia de outros, enquanto prosseguem vagos estudos de Direito ou de Economia. Começam, depois disso, a fazer valer o cartão de sócio: estão à vista os primeiros cargos, há trabalho de sapa pela frente, é preciso minar, desminar, intrigar, reunir. Só os piores conseguem ultrapassar esta fase. Há então quem vá pelos municípios, quem prefira os organismos públicos – tudo depende do golpe de vista ou dos patrocínios que se tem ou não. Aos trinta e dois é bem o momento de começar a integrar as listas, de preferência em lugar elegível, pondo sempre a baixeza acima de tudo. A partir do Parlamento, tudo pode acontecer, director de empresa municipal, coordenador de assessor de ministro, ministro, comissário ou director-executivo, embaixador na Provença, presidente da Caixa, da PT, da PQP e, mais à frente (jubileu e corolário de solvente carreira), o golden-share de uma cadeira ao pôr-do-sol. No final, para os mais obstinados, pode haver nome de rua (com ou sem estátua) e flores de panegírico, bombardas, fanfarras e formol. "
2 comentários:
Não há dúvida de que se trata de um real esfreganço e acotovelanço até ao topo. Os partidos, na verdade, e este em especial, são igrejas.
Ainda hoje uma popular comovida com o chegar ao 'Avante' dizia que era comunista, graças a Deus.
A Atalaia é um santuário. O Avante é uma missa campal, é a festa dá aldeia.
E está bem assim.
aprendem a mentir honestamente - que grande, grande frase!
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